Reprodução/TwitterIlustração feita para o Darwin Awards, prêmio que já agraciou o grande brasileiro Adelir de Carli, o Padre dos Balões

Essa ideia cretina é cretina mesmo? Vamos ouvir os especialistas

25.08.23

“Tinta de parede para clarear os dentes: especialistas condenam a prática e enumeram riscos.” “Beber gasolina e engolir um fósforo aceso é perigoso? Saiba o que dizem os médicos.”” Clareamento anal com ácido sulfúrico: especialistas alertam para perigos da prática que viralizou em vídeo no TikTok.”

Dos três enunciados do parágrafo acima, só um, o primeiro, saiu em um jornal brasileiro de grande circulação (cujo nome não posso revelar aqui, mas começa com O e termina com Globo). Os outros dois, embora inventados por mim, são perfeitamente verossímeis no contexto “topa tudo por um clique” do jornalismo brasileiro recente. A não ser que você assine o jornal da Al Qaeda — que provavelmente daria a maior força para esse negócio de beber gasolina e engolir o fósforo aceso —, a resposta é óbvia para qualquer pessoa com pelo menos dois neurônios funcionais: é uma ideia mais absolutamente cretina que a outra, e ninguém precisa “ouvir os especialistas” para saber que vão dar muito errado.

Por que, então, os veículos de imprensa insistem nesse tipo de reportagem? É a moderna prática do que vou chamar aqui de “falso jornalismo de serviço”. Todo mundo sabe, há anos, que uma das coisas que a internet faz melhor é bater palma para maluco dançar — ela dá um caixotinho e um megafone (Twitter, Facebook, Insta, TikTok, você escolhe) para idiotas fazendo idiotices o tempo todo, 24/7, non-stop. Aí, como nós somos humanos e (talvez) só um pouco menos idiotas que o (talvez) hipotético sujeito do clareamento anal com ácido sulfúrico, vamos lá clicar para rir do absurdo, repassar a bizarrice via zap etc.

E o que os jornais fazem? Eles também querem os cliques do “alá o absurdo que esse imbecil está fazendo” que viralizou, mas têm PUDORES. Afinal, são praticantes de jornalismo sério, comprometido com a informação, a verdade, o exercício da democracia e piririm e pororom. Só que precisam muito daquela bombadinha na audiência que a imbecilidade viral vai proporcionar. O que fazer? Não sei quem foi o editor que teve o primeiro “eureca!”, mas a coisa se tornou um padrão: vamos “prestar um serviço” aos nossos leitores ouvindo médicos e outras pessoas com diplomas importantes, que expliquem por que a idiotice absoluta é absolutamente idiota. Ganhamos um pouco dos cliques “olha que absurdo” dos tiozões do zap, mas veja bem: estamos alertando para os riscos! Aqui é jornalismo cidadão, meu filho! Cumprimos nosso papel social de não deixar você pintar seus dentes com Suvinil (narrador: “não cumpriram nem isso”).

Juro que eu não queria ser, toda semana, a encarnação do meme do “velho gritando com a nuvem” do Vovô Simpson — mas, como diria a Kátia em Situação de Deficiência Visual, não está sendo fácil. Admito que dá saudade do tempo em que gente muito burra fazendo grandes burrices rendia no máximo indicação para os Darwin Awards; como dizia um amigo meu, “a natureza cuida”. Hoje isso vira pauta. Melhor assumir de uma vez uma postura do tipo “estamos dando isso que ‘bombou na internet’ porque é engraçado, cliquem aqui e riam com a gente” do que querer dar esse verniz de “prestação de serviço”: se sua mãe diria que é uma óbvia ideia de jerico, você não precisa que uma otoridade médica lhe diga o mesmo. (Mas, caso não tenha ficado claro, evite a demão de Suvinil nos dentes.)

***

A GOIABICE DA SEMANA

Por mais altos que sejam os honorários cobrados (e devem ser mesmo vultosos), eu não queria estar na pele dos advogados de Jair Bolsonaro (foto). Primeiro o ex-presida é acusado de se apropriar de joias do governo depois vendidas por Mauro Cid nos EUA (mas ele não sabia de nada, nadinha; parece um outro presida que a gente conhece). Em seguida, diz que “jamais se apropriou ou desviou quaisquer bens públicos”, tanto que depositou voluntariamente as joias no TCU etc. Agora, quer de volta as joias depositadas no tribunal. A defesa parece ter jogado a toalha e desistido de qualquer tentativa de coerência; melhor deixar que o próprio Bolsonaro se defenda. Como eu disse aí em cima, a natureza cuida.

 

João Pedro Moreira/O antagonistaFoto: João Pedro Moreira/O antagonistaFoto: João Pedro Moreira/O Antagonista

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  1. Reaprender a ler Crusoé neste novo formato e até entender a possibilidade de desistir de um comentário indevido ou perigoso, podendo mandá-lo para o lixo, está sendo a minha goiabice da semana… já entendi que coisas mudaram para permanecerem melhores aqui na Crusoé …

  2. Adoro o Ruy Goiaba. Ele encara o Brasil como eu: perante as bizarrices desse país que vemos diariamente e a estupefação por elas gerada, o sarcasmo é a única atitude capaz de nos manter mentalmente sãos.

  3. Já coloque num saco de lixo preto as mídias do Zé Povão (Globo, CNN, Jovem Pan, BAND etc.). Só temo é ver que mídias inteligentes não alcançam público para se estabelecerem com qualidade. O ANTAGONISTA/CRUSOÉ são ignorados pela maioria dos manés brasileiros, os mesmos que votaram nos populistas da vez. Quanto ao Bozo, não diferencia muito de Lula, senão pelos assuntos, mas ninguém consegue segurar a boca desses idi.o.tas.

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