Foto: Marcelo Camargo/Agência BrasilAlexandre Silveira: cavando um espaço maior na política - Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Negacionismo está na moda, o mundo aplaudiu

11.08.23

Vocês se lembram de como a gente se sentia moralmente superior no governo anterior? Víamos o presidente oferecer cloroquina até para as emas do Palácio da Alvorada e dizíamos “mas que imbecil total, ainda bem que nenhum de nós votou nesse traste”. Nos revoltávamos com o descaso diante da oferta de vacinas da Pfizer num dos períodos em que a pandemia matava mais. Ríamos dos conspiracionistas e oligofrênicos de chapéu de alumínio na cabeça — real ou metafórico — insistindo que a vacina não só era ineficaz contra a Covid como matava, apesar das abundantes evidências em contrário (alguns, aliás, insistem até hoje). E, sobretudo, enchíamos o peito para gritar “viva a ciência!”, um grito cheio de autossatisfação por não sermos como todos esses cretinos aí.

Pois é: mudam-se os tempos, mudam-se as vontades. Pouco mais de sete meses de governo Lula já demonstraram que há um negacionismo do bem, um negacionismo fofinho, até zen: algo na linha “amigo, para com essa coisa de querer ‘comprovação científica’ para tudo, só relaxa e deixa a vida te levar (vida, leva eu)”. Quem acompanha a economia brasileira já sabia que os governos do PT costumam ter altos teores de negacionismo econômico: agora mesmo, Lula 3 está cheio de unicampers que acreditam que a tal “nova matriz econômica” — aquela que na gestão Dilma Rousseff afundou o Brasil na sua maior recessão em décadas — foi injustiçada e tem de ser repetida, porque agora, sim, vai dar certo.

O chato é que a tendência (em português moderno, trend) não se restringe à economia: aquele grito de guerra do primeiro parágrafo se transformou em “viva a ciência, mas veja bem, nem sempre, às vezes é preciso partir para uma abordagem mais holística, respeitando os saberes ancestrais” etc. O exemplo mais recente, é claro, foi Sua Lulidade sancionando a lei que autoriza a ozonioterapia, outro “tratamento” que nos rendeu muitas risadas durante os anos bolsonaristas, apesar da oposição de especialistas e entidades médicas. E aqui não resisto ao contrafactual: acredito que, se tivéssemos tido um governo petista durante a pandemia, ele faria coisas como rejeitar a oferta da Pfizer — Big Pharma, multinacional, capitalistona e tal — porque “precisamos valorizar a produção nacional de vacinas” (e a vacina 100% brazuca sairia seis anos depois).

“E não é só isso!”, como diria aquela propaganda da Polishop: agora temos no cardápio negacionismo ambiental também. Presente à recente Cúpula da Amazônia, Alexandre Silveira, o ministro de Minas e Energia de Lula, contestou os estudos do IPCC (o painel climático da ONU) que dizem que, para o mundo ficar dentro da meta de aquecimento global do Acordo de Paris — no máximo, 1,5°C até o ano 2100 —, é preciso não haver nenhum novo projeto de exploração de petróleo. Muito atualizado sobre o tema, Silveira citou um “estudo da Agência Internacional de Energia”, órgão que na verdade concorda com as conclusões do IPCC. Sabem como é: quando o pessoal está louquinho para explorar petróleo na foz do Amazonas, esse negócio de ciência só serve mesmo para encher o saco.

Só sei que, nos últimos dias, não me sai da cabeça aquela marchinha do finado Chacrinha que seria canceladaça hoje, “Maria Sapatão”: quando penso no verso “o sapatão está na moda, o mundo aplaudiu”, substituo mentalmente o sapatão por “negacionismo”. Não consigo evitar, é mais forte do que eu. Talvez porque Lula, no fundo, seja um presidente chacriniano que não veio para explicar, e sim para confundir; talvez porque o Bananão continue merecendo o Troféu Abacaxi.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Eu achava que, nesta semana, nada conseguiria bater o jornalista brasileiro que, na Copa do Mundo feminina, perguntou à goleira sueca Zecira Musovic, craque do jogo em que sua seleção eliminou os EUA, se ela “conhecia o Ibrahimovic”, o que está no mesmo (e altíssimo) nível de idiotice de perguntar à Marta se ela conhece o Neymar. Mas a genialidade bolsonarista chegou atropelando: descobriu-se que assessores do ex-presidente deixaram na lixeira, sem apagar definitivamente, 17 mil e-mails que a CPMI do 8 de Janeiro resgatou. Foi numa dessas mensagens que se descobriu a tentativa de Mauro Cid (foto) de vender por US$ 60 mil o Rolex recebido por Jair Bolsonaro numa viagem à Arábia Saudita. O bolsonarismo é isso aí — uma espécie de Michael Phelps da burrice.

 

Jéssica Marschner/ Assessoria Eliziane Gama

 

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  1. Excelente artigo. É pra guardar, emoldurar e esfregar na cara dos passa panos lulistas. Tudo fica mais limpo quando passamos pano para o ídolo de preferência, né?

  2. O importante é mudar pra continuar td como está. Já tomei uma decisão, não voto mais, é pura perda de tempo. Já fui crítico ferrenho da anulação do voto tmb, mas entendi finalmente, não tem quem se salve, nem minimamente. O resultado é sempre o mesmo, tubo de ozônio ou cloroquina no nosso r4b0 enquanto as nossas carteiras são tungadas. A saída pra nós, no fim, é Franco Montoro, o aeroporto no caso.

  3. Você escreveu há menos de 24 horas, mas já tem atualização: parece que (primeiro) venderam as joias e (depois) recompraram para entregar ao TCU.

  4. Nenhuma novidade voltaremos a ser ridículas amebas e no Brasil isto é a praxe e não por acaso uma quadrilha sem cérebro domina o puteiro Brazylis.

    1. Com toda certeza… podem mudar as moscas mas elas continuam sendo moscas.

  5. Adorei essa nova definição para os inteligentinhos “unicampers”. No mais fiquei em dúvida se o texto era para rir ou chorar. Pobre brasileira que sou ☹️☹️

  6. Boa análise, mas não me inclua , pelo anor de Deus, nesta sua primeira pessoa do plural dos primeiros parágrafos. Ou em outras palavras, não me inclua na sua bolha Folha/Vila Madalena/esquerda “limpinha”. Estou fora; estou muito fora!

    1. 👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼👏🏼 dispensando as tais letras…

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