Foto: Gil Leonardi/Imprensa MGRomeu Zema em evento no último dia 1º: governador causou alvoroço por defender os interesses de seus eleitores

A linha que separa o Brasil

O tema das desigualdades regionais leva a discussões irracionais e que por vezes ignoram o bom senso; não há soluções fáceis para esse problema
11.08.23

O governador Romeu Zema, de Minas Gerais, estado situado na região Leste Meridional da República Federativa do Brasil, causou alvoroço ao declarar que pretende cumprir seu papel enquanto governador: defender os interesses da população de Minas Gerais.

Flávio Dino, atual ministro da Justiça e ex-governador do Maranhão, estado da região Norte, ou Nordeste Oriental, chegou a acusar a fala de Zema de ser um retrato do “reacionarismo” e mais, uma atitude de “traidor da pátria”. Segundo Dino, Zema busca dividir o país ao propor uma junção de sete estados brasileiros que se contraponha ao Consórcio do Nordeste —um grupo que inclui os nove estados nordestinos, criado por Dino em 2019.

Se você achou confuso, deixe-me explicar um detalhe antes de seguir.

A atual divisão geográfica brasileira data do final dos anos 60. Foi nesse período que, seguindo uma política nacional de desenvolvimento, o Maranhão de Dino foi incluído no atual Nordeste. O motivo estava na visão de Celso Furtado de que, por suas áreas férteis, o Maranhão se tornaria o celeiro da região Nordeste.

A ironia da coisa, porém, é que Minas Gerais compartilha, ao menos no norte do estado, características geográficas muito mais próximas ao Nordeste do que o Maranhão, incluído na região por questões políticas.

A disputa entre ambos é, portanto, uma ironia do destino.

Discutir políticas públicas pautado por uma visão simplista de “norte X sul”, ou “estados ricos X estados pobres”, é também uma grande perda de tempo.

A discussão aí ignora as divergências intrarregionais. Tome por exemplo o Maranhão de Dino, que hoje integra o chamado “Mapitoba”, a nova fronteira agrícola brasileira que engloba partes dos estados do Maranhão, Piauí, Tocantins e Bahia. Um deles no Norte, outro incluído no Nordeste por questões políticas, o Piauí, também do antigo Nordeste Oriental, e a Bahia, da antiga região Leste, junto do Espírito Santo.

O Maranhão de hoje possui zonas de desenvolvimento superior ao norte de Minas Gerais, no chamado Vale do Jequitinhonha, que por sua vez se assemelha ao semiárido.

Não é possível, portanto, que o desenvolvimento do Maranhão ignore esse potencial. A demografia do estado certamente não ignora. Segundo o último Censo do IBGE, a população nesses quatro estados tem migrado para as novas cidades agrícolas, enquanto capitais como Salvador perdem habitantes.

Assim como o Centro-Oeste, o Nordeste possui áreas com enorme potencial econômico e que irão crescer nas próximas décadas. Essa mudança será estrutural e envolve a descoberta de um potencial energético, com usinas eólicas, hidrogênio verde e as zonas agrícolas.

Ao definirem com os olhos de hoje as políticas que irão adotar, governadores podem, ironicamente, travar o desenvolvimento de regiões nos seus respectivos estados.

Mas de volta à disputa básica delimitada por Zema, entre o Sul-Sudeste e o Nordeste.

Há inúmeros pontos corretos na fala do governador acerca das políticas assistencialistas que pouco fazem para reduzir a dependência de boa parte da população. Mas em um ponto particular é interessante destacar:

1) O assistencialismo do Bolsa Família é irrelevante dentro do orçamento público. Falamos aí de um programa que atinge 1/4 da população e custa 0,5% do PIB (ou 1%, agora turbinado). O Bolsa Família é talvez a política pública mais bem-sucedida do Brasil pós-Constituição de 1988. Ironicamente, foi criticado por economistas históricos do PT.

2) O fato de existirem mais beneficiários do Bolsa Família em determinados estados do que trabalhadores com carteira assinada aponta apenas que a CLT brasileira é excludente.

Metade dos brasileiros possuem renda de até meio salário mínimo per capita. Não estão aptos, portanto, a se enquadrar na CLT, cujo salário mínimo, de R$ 1.320, demanda um custo de R$ 2.000 mensais para o empregador.

Imagine, por exemplo, que o custo de empregar uma pessoa via CLT é maior do que o PIB per capita de 12 estados brasileiros.

Como filiado ao Novo, Romeu Zema deveria se preocupar mais com a exclusão via burocracia estatal do que com um programa social de baixo custo e elevada efetividade. Deveria, pois a CLT é uma “vaca sagrada” justamente para os militantes da esquerda que Zema se propõe a combater.

Por fim, na discussão em torno das transferências inter-regionais, convém esclarecer algumas questões.

Muito circula pela Internet um gráfico sobre quanto os estados pagam em impostos e quanto recebem de volta. Esse gráfico, porém, inclui apenas dois fundos: o Fundo de Participação dos Estados e o Fundo de Participação dos Municípios.

Estes dois fundos são alimentados com 25% dos Impostos arrecadados pela União (motivo pelo qual o Brasil tem tantas “contribuições”, que não se qualificam como impostos, devendo ser divididos com outros entes nacionais).

Essa é, portanto, apenas uma fração dos recursos arrecadados no país. De fato, a Constituição estabelece que 85% do FPE e do FPM devem ser repassados aos estados da região Nordeste, Norte e Centro-Oeste.

Mas, para além desses repasses, que no fundo servem apenas para que os estados dessas regiões paguem salários similares aos seus funcionários públicos (convém lembrar que não há no Brasil programa social relevante com recursos dos estados e municípios), a União possui outros gastos.

E nesses gastos da União, como funcionários públicos, universidades e Previdência, os estados do Sul e Sudeste costumam receber parcela maior de recursos. Lembre-se, por exemplo, que até 2019 existiam mais funcionários públicos no Rio de Janeiro do que em Brasília. No Rio Grande do Sul, há seis universidades federais, boa parte delas criada na época da ditadura militar, que contou com três presidentes gaúchos.

Em termos de Previdência, a população em Santa Catarina, o estado que mais votou a favor da reforma, é a mais beneficiada pela desigualdade. Lá a população se aposenta em média aos 54 anos. No Piauí, a média está em 61.

No geral, a Previdência favorece o Sul-Sudeste pela maior formalidade de trabalhadores e pune os trabalhadores do Nordeste, de maioria informal.

É irônico, portanto, que congressistas e governadores do Sul tenham sido a favor de uma reforma que retira recursos das duas regiões —e que governadores do Nordeste, por viés ideológico, tenham sido contrários à reforma.

Em suma, a complexidade da arrecadação e dos gastos públicos no país, bem como das políticas públicas para mitigar as desigualdades, não pode ser resumida a chavões. Não há “ascensão do fascismo” em um governador cumprir sua obrigação: defender os interesses de quem o elegeu.

Assim como não há soluções fáceis se criarmos “grupos” de estados que ignorem as realidades locais.

Eis uma linha que separa o Brasil: a do bom senso. Há os que estão habituados a ele e há os que estão habituados aos chavões.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. Sou de direita, sou contra extrema direita e qualquer esquerda aqui no Brasil. O fato de Zema propor uma união dos 7 estados do Sul-Sudeste, leva a pensar q precisa surgir à direita um contra-ponto à essa esquerda petista e irracional. Lula representa essa esquerda ridícula quando fala q existe uma narrativa contra Maduro, q Putin também tem razão na guerra contra a Ucrânia, q os EUA tem uma parcela de culpa nessa guerra, que o impeachment de Dilma foi golpe. Até as pedras sabem q Lula mente!

  2. O Zema está correto e é bom lembrar que a parte mais significativa dos recursos que suprem os cofres públicos saem dos estados Sul-Sudeste, recebendo de volta muito menos do que contribuiu. Quanto ao Momo Dino é um despótico histriônico.

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