Flickr/DocinhoLelêSerá que os empregados realmente assistirão aos jogos?

Folga para funcionários públicos não é a solução para o futebol feminino

No Brasil sofremos de uma grave doença: a falta de valorização do dinheiro público
20.07.23

Nesta quinta-feira, 20 de julho, teve início a Copa do Mundo de Futebol Feminino. Em meio a uma cultura que nutre uma paixão inegável pelo esporte, é fato conhecido que o futebol feminino ainda não desfruta da mesma popularidade que o futebol masculino. Enquanto buscamos promover a igualdade de gênero e proporcionar mais espaço para a atuação feminina em todos os setores da sociedade, surge uma importante pergunta: como enfrentar esse desafio? Certamente, conceder folgas a funcionários públicos para supostamente assistirem às partidas não é a resposta.

Funcionários públicos federais, estaduais e municipais, de lugares como Goiânia e o Distrito Federal, aderiram a uma espécie de ponto facultativo nos dias de jogos da seleção feminina. Alguns órgãos nem sequer vão cobrar reposição de trabalho. A medida também aconteceu em algumas assembleias legislativas, como no caso do Paraná. A justificativa é incentivar que a população assista aos jogos femininos através da folga para funcionários públicos. Mas será que os funcionários realmente assistirão aos jogos? Ainda que a resposta fosse sim, definitivamente essa alternativa não é a solução.

No Brasil sofremos de uma grave doença: a falta de valorização do dinheiro público. Há a crença de que a fonte de financiamento é inesgotável, o que leva o governo a conceder folgas a milhares de funcionários em dias de jogos, mesmo que muitos nem sequer pretendam assisti-los. De acordo com o economista Milton Friedman, essa é a pior forma de gastar dinheiro, quando alguém que não é o verdadeiro proprietário dos recursos, utiliza-os em benefício de outra pessoa.

Agora, adentramos na iniciativa privada. Terá ponto facultativo para as caixas de supermercado? E para os funcionários de lojas de varejo? E para os trabalhadores da indústria? Quando se trata do setor público, em que não há pressão de clientes ou do mercado para manter plena atividade, não se pensa no prejuízo em afastar milhares de funcionários na tentativa de incentivar algo que é meramente cultural. Já a iniciativa privada funciona de acordo com a demanda da sociedade, e se ainda não há demanda para paralisação de atividades para, assim, apreciar as partidas, nem sequer se questiona a dispensa de funcionários.

Se queremos mais destaque no futebol feminino, precisamos pensar em soluções a longo prazo. Nenhuma mudança significativa cultural aconteceu do dia para a noite, ou pior, aconteceu por meio de decretos, portarias ou muito menos projetos de lei. Boas ideias não precisam ser forçadas. Não adianta, às vésperas do maior evento de futebol feminino, o governo querer propor medidas para obrigar seus funcionários a assistirem às partidas, pois eles não vão e o dinheiro público vai mais uma vez para o ralo. Se estamos preocupados com a participação das mulheres nos jogos de futebol feminino, temos de entender que isso é algo que deve ser pensado a longo prazo.

A solução deve vir de onde nasce todo e qualquer senso cultural: a própria sociedade. O mercado precisa ser convencido da importância da pauta para a sociedade e esse movimento já está acontecendo. E assim, com mais investimentos em campanhas de marketing e comunicação, poderemos mobilizar o país em torno dos jogos esportivos. Temos como exemplo a brilhante campanha de marketing feita por uma patrocinadora da Seleção da França. Ao trocar imagens das jogadoras pelos jogadores da seleção masculina da França através de Inteligência Artificial, a campanha aborda um tabu que ainda é muito difundido: os jogos femininos não são piores em qualidade. O vídeo já bateu milhões de visualizações em centenas de contas diferentes no TikTok ao redor do mundo. E, com certeza, está de fato motivando mais pessoas assistirem à Copa Feminina.

Outro grande exemplo é o que a renomada Marta tem feito. A maior artilheira de todos os tempos, superando até mesmo os craques do futebol masculino, também é uma verdadeira inspiração quando se trata de incentivo ao esporte feminino. Em parceria com a Centauro, do grupo SBF, ela lançou sua linha de roupas esportivas. O objetivo da marca é fomentar a participação das mulheres no esporte, e, para isso, destina 100% dos royalties arrecadados com as vendas dos produtos para entidades ligadas ao futebol que promovem o protagonismo feminino na modalidade.

É nítido que esses investimentos não resolverão o problema imediatamente, como gostaríamos. Contudo, nenhum problema complexo é resolvido com soluções simples. Para gerarmos uma mudança significativa na sociedade, é necessário enfrentar a situação com a seriedade que ela merece. Isso não significa diminuir a carga horária de funcionários públicos, mas sim buscar em conjunto com o setor privado alternativas para inclusão das mulheres, principalmente nos esportes, de maneira eficaz, sustentável e, claro, sem pesar no bolso do contribuinte.

 

Anne Dias é advogada, presidente do LOLA Brasil

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. A autora só se equivoca no que tange à qualidade do futebol feminino. É, sim, uma lástima. Basta ver que a seleção feminina perdeu de um time sub 15!!! da Nova Zelândia. Livre mercado, simples assim. Produto ruim, acaba! Que se valorizem as mulheres de várias outras formas. Pra que essa tara com futebol feminino?

  2. O dinheiro é público, então não é de ninguém. Oops, é sim. É de quem manda na Corte. No país de miseráveis e desempregados o presidente e a primeira dama compram camas e sofás de $60 mil, viajam pelo mundo como milionários e ainda dizem que é para o bem dos pobres esses sacrifícios

    1. É muito fácil gastar dinheiro dos outros, não é mesmo?

  3. Pura demagogia dos poder público e dos que não são chegados no batente. O futebol feminino não precisa de demagogia vai evoluir com ações sérias e inteligentes além da própria evolução da jogadoras.

Mais notícias
Assine agora
TOPO