Foto: Thamiris Souza /Fotoarena/FolhapressAnitta: polêmicas sexuais para chamar atenção

Branca de Neve e os sete maconheiros

O cenário cultural tem se tornado cada vez mais escatológico
20.07.23

O último filme de Pasolini, Saló ou 120 Dias de Sodoma, é a história de jovens que são aprisionados por nazistas e passam por todo tipo de tortura e humilhação. São forçados inclusive a comer excrementos. Pasolini chegou a afirmar que o filme é uma metáfora da sociedade de consumo, em que as pessoas são obrigadas a consumir produtos massificados de péssima qualidade – excrementos, em suma.

Nada mais real – profético, na verdade. Basta olhar o cenário cultural contemporâneo.

A Netflix, por exemplo, tem produzido simulacros de filmes: pega um filme que fez sucesso e o copia, ou transforma numa série. Claro, a copia não terá a qualidade artística do original, e terá passado pelo filtro do politicamente correto – não raro inserindo elementos de propaganda política identitária, ambientalista, etc.

O problema não é ter outros filmes como referência explícita. Quentin Tarantino faz isso muito bem: ele tem grandes filmes que fazem referência a outros filmes, emulam cenas inteiras, diálogos, e por aí vai.

A própria Netflix tem uma boa série que imita vários filmes de terrror e suspense da década de 1980: Stranger Things – se bem que só a primeira temporada é realmente boa.

Nos cinemas o cenário não é melhor: são remakes, personagens que viraram caricaturas de si mesmos reproduzindo filmes do passado, e filmes de super heróis que dominam as salas – filmes monocromáticos, estranhamente escuros, com abuso de efeitos especiais de má qualidade (talvez por isso sejam escuros e monocromáticos). Martin Scorsese está certo quando diz que esses filmes não são cinema. Não é purismo: simplesmente não é cinema, está mais para um video-game não-interativo.

E ainda tem as caricaturas radicalmente alteradas: o exemplo mais recente é a Branca de Neve e os Sete Anões sem os anões, sendo a personagem principal uma mulata.

Boa parte das trilhas sonoras que se ouve hoje nos filmes são feitas a partir de presets – o “compositor” seleciona um modelo de composição e o programa compõe para ele. Por isso as trilhas sonoras dos filmes contemporâneos se parecem tanto.

Num mundo de padronização, a forma de chamar atenção acaba sendo por critérios extra-artísticos, em geral polêmicas, não raro relacionado à sexualidade. A cantora brasileira Anitta se especializou nisso: cada semana ela surge com uma nova polêmica artificialmente criada, relacionada à sexualidade: dias atrás ela admitiu que fez suruba, antes simulou sexo oral num clipe, tatuou o ânus, e por aí vai.

Assim, o cenário cultural tem se tornado cada vez mais escatológico. O ator dos recentes filmes da Turma da Mônica, Fernando Mais, virou assunto nas redes sociais ao assumir ser dono do perfil Gustavo Scat, no Twitter, em que compartilha vídeos sexuais explícitos com fezes e flatulência. Ele escreveu até um livro sobre o tema. Será que ele não pensou que os fetiches tornados públicos afetaria a recepção dos filmes para o público infantil?

Talvez por isso tudo tem me chegado cada vez mais notícias de artistas se voltando para o caminho oposto: do conservadorismo, do catolicismo até mesmo tradicionalista (da missa em latim, do canto gregoriano), jovens se tornando castos, interessados por arte medieval e São Tomás de Aquino. Ou jovens evangélicos debatendo o pensamento de Lutero, ou tendo acaloradas discussões teológicas com católicos etc.

De repente, você abre o Instagram e vê Juliano Cazarré – talvez o melhor exemplo desse movimento, que parece uma nova contra-cultura – rezando o terço numa live para os seus 2,1 milhão de seguidores. Ou jovens falando sobre uso de véu na missa, sobre fazer sexo apenas após o casamento. Curioso que esse movimento ainda não tem tido espaço na imprensa tradicional. É algo muito presente em rede social, mas sem a devida cobertura da imprensa – focada em discutir identidade de gênero, ou dar palco para os exemplos escatológicos acima.

É um mundo estranho esse que nós vivemos.

 

Josias Teófilo é cineasta, jornalista e escritor

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. No Brasil a baixaria, o bizarro, a mediocridade, falta de cultura, apologia a tudo de ruim, tem no Funk sua quintessência. E vamos lá ladeira abaixo!

  2. Assine MUBI e veja cineastas novos, artistas novos. Tem muita coisa sendo produzida, não dá pra fazer recortes e misturar... Anita tem sua sexualidade exposta porque a provocam e qual problema dela fazer isso ou aquilo? Achei o texto tão artificialmente criado.

  3. É isso mesmo: em que mundo estamos vivendo! Posso dizer que continuo assinando a NETFLIX, mas faz tempo que não assisto nada por lá. Até as séries que gostei se tornaram um mais do mesmo, na tentativa de ganhar dinheiro, somente. Continuo assinando, na esperança de chegar algo que preste. Mas cada vez mais parece impossível esse retrocesso. Pelo menos enquanto estou viva. Acho que demorará décadas para uma inversão desses valores comerciais dados à arte.

Mais notícias
Assine agora
TOPO