Flickr/Elcio AlvaresErnesto Geisel: "O Brasil vive um sistema democrático dentro de sua relatividade"

A democracia relativa de Lula e Geisel

Na Europa, petista trocou a relatividade de Einstein pelo perdão às sanções com eleições livres e diretas na Venezuela, sob observação de fora
20.07.23

Em 29 de junho passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, em entrevista à Rádio Gaúcha, que a “democracia é relativa”, ao responder à pergunta do repórter sobre a devoção pública da esquerda brasileira não ao regime do povo e para o povo, mas à autocracia chavista venezuelana. Não foi original na resposta. O site Memorial da Democracia, na ocasião, lembrou que o autor do conceito, na verdade, foi um dos cinco chefes do Executivo da ditadura militar no Brasil. E aqui peço vênia para citá-lo: “Um mês e um dia depois de fechar o Congresso e decretar o Pacote de Abril, o general presidente Ernesto Geisel diz a jornalistas franceses que o Brasil é uma democracia relativa. Todas as coisas no mundo, exceto Deus, são relativas”, disse Geisel. “Então, a democracia que se pratica no Brasil não pode ser a mesma que se pratica nos Estados Unidos da América, na França ou na Grã-Bretanha.” Uma semana depois, em entrevista à também francesa RTF 2, reafirmou: “O Brasil vive um sistema democrático dentro de sua relatividade.” Finda a citação, segue o cortejo.

Urge lembrar que o relativista de ocasião foi repetidas vezes elogiado publicamente pelo líder sindical que liderou com estardalhaço as greves de metalúrgicos nos anos de repressão. Em julho de 1979, em entrevista a Josué Machado, publicada pela revista Playboy, ele se declarou admirador, ao mesmo tempo, de Mahatma Gandhi, Aiatolá Khomeini e Adolf Hitler (“admiro a força, a determinação. É diferente de admirar as idéias dele, a ideologia”). Como está registrado na página 101 de meu livro O que sei de Lula (Topbooks, 2011). Na mesma entrevista. Lula, tido como instrumento político do general Golbery do Couto e Silva na tentativa de evitar a influência no sindicalismo de Leonel Brizola, não teve receio de elogiar o chefe do Executivo. Das dez citações de Geisel no livro, é útil destacar uma que pode servir de justificativa para a simpatia de Lula, cujo Partido dos Trabalhadores (PT) criou a “democracia da conveniência” para aderir ao quarto ditador militar. Na citada e, certamente franca, entrevista à revista masculina, registre-se sua assertiva: “Em termos salariais, inegavelmente (Geisel) foi um governo que abriu uma frestinha e permitiu uma pequena recuperação do poder aquisitivo dos trabalhadores”. Quanto à “democracia de conveniência”, ela também está sendo executada comme Il faut na relação da soit disant esquerda operária com truques do Centrão de Arthur Lira, tais como orçamento secreto e partilha de pastas.

A mesma expressão usada há 12 anos talvez seja a definição mais exata para justificar a guinada de 180 graus que Lulinha Paz e Amor, personagem criado pelo marqueteiro eleitoral Duda Mendonça, usou para retificar, sempre com a possibilidade de se tornar ratificar com a simples troca de vogais da primeira sílaba do verbo. A troca do einsteiniano relativismo de Geisel pelo contorcionismo para o lado oposto na festejada adesão do estadista brasileiro (sem intenção irônica) para a adesão ao pacto proposto em Bruxelas e aceito por Argentina, Colômbia, França e pela Alta Representação da União Europeia exigindo eleições livres na mesma Venezuela de Hugo Chávez, ídolo de Jair Bolsonaro, e de seu sucessor, Nicolas Maduro, devedor do Brasil de Lula, em troca do fim de sanções internacionais.

Em Bruxelas, ao lado de Macron, o presidente de alguns brasileiros (nem sequer quase todos) partilhou com os outros chefes de Estado reunidos um apelo em prol de uma negociação política que leve “à organização de eleições justas para todos, transparentes e inclusivas, que permitam a participação de todos que desejem, de acordo com a lei e os tratados internacionais em vigor, com acompanhamento internacional. Esse processo deve ser acompanhado de uma suspensão das sanções internacionais”. Só em 2024 se saberá até que ponto forasteiros terão como garantir, de fato, uma eleição livre, com direito de manifestação pelos inimigos da ditadura. Não é necessário esperar um ano, contudo, para saber se o Lula que aderiu à democracia de verdade para vencer o pleito abandonou mesmo a prática petista do “nós contra eles”, que dividiu o país em duas bandas em 2010 para garantir seu triunfo sobre seu atual pareceiro, Geraldo Alkcmin.

Basta reproduzir o pronunciamento do ex-sindicalista sobre a presumível agressão a Alexandre de Moraes, do TSE e do STF, para despertar para o pesadelo dos fatos. Ele disse oficialmente: “Nós precisamos punir severamente pessoas que ainda transmitem ódio, como o cidadão que agrediu o ministro Alexandre de Moraes no aeroporto de Roma. Um cidadão desses é um animal selvagem, não um ser humano. Essa gente que nasceu no neofascismo, colocado em prática no Brasil, tem que ser extirpada”. Lula e Janja da Silva não são leitores fanáticos de dicionários, mas certamente sabem que “extirpar” significa destruir, exterminar, eliminar, arrancar pela raiz, verbos punidos na Constituição. Resta definir o instrumento: guilhotina, foice de carrasco, balaços de pelotão de fuzilamento em La Cabaña ou simples asfixia por sufocamento.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. Sempre que vejo declarações do luladrão, antigas e recentes, me cresce um sentimento de repulsa e nojo incontrolável. Definitivamente Deus não é brasileiro e o diabo domina o Brasil

  2. Vivemos de fato “tempos estranhos “! O pior é que a escalada autoritária disfarçada com atos que buscam “restabelecer a democracia” cresce com o apoio do judiciário, do legislativo e da imprensa.

  3. Quem viveu a época tem saudades, era autoritarismo sim mas bem melhor que a a ditadura e a roubalheira escancarada de hoje povo sob curatela de uma máfia ladravaz e assassina, chefões do tráfico soltos pelas cortes,, cínicos ladrões do erário impunes e de volta à ribalta que o digam ... estou mentindo? mas não tenho dúvidas e alerto .. isto vai acabar muito mal.

    1. Tinha roubalheira e ninguém ficava sabendo porque a imprensa era censurada.

    2. Ah...tinha roubalheira sim. Sempre teve. Revoltante, angustiante, triste.....

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