Será que ainda veremos o ‘Xou da Janja’?

O encontro entre Jilmar Tatto e Juscelino Filho pode estar acontecendo neste exato momento.  Para ser mais exato no emprego da expressão “exato momento”, falo do horário em que começo a escrever este texto: 10 horas e 50 minutos da quarta-feira, 5 de julho de 2023, dia em que o secretário de comunicações do PT agendou uma audiência com o ministro das Comunicações para discutir a concessão de um canal de televisão ao partido.

No Painel da Folha de S. Paulo, onde tomei conhecimento da história, Tatto se disse “bastante otimista” com a audiência. E que razão teria para o pessimismo? O ministro é do União Brasil, mas seu chefe é a futura estrela maior do canal do PT – pois tudo no partido orbita em torno do centro magnético que é Lula, o homem-ideia.

No ofício já encaminhado ao ministério para pedir a concessão, Tatto e Gleisi Hoffmann, presidente do partido, prometem que o canal petista oferecerá “informação com credibilidade”. Só os muito crédulos (vale dizer, só os militantes e simpatizantes mais ingênuos do partido) ainda acreditam que o PT merece credibilidade – e só eles se interessarão em assistir à programação que Tatto e Gleisi colocarão no ar. O mesmo ofício afirma também que a TV PT (imagino que se chamará assim) praticará uma “verdadeira pedagogia político-partidária”, o que é só um jeito muito empolado de dizer “propaganda política”.

Se o projeto tomar corpo, o Brasil terá sua primeira TV abertamente partidária. Dizem os petistas que não há nada na legislação que impeça um partido de ganhar uma concessão televisiva. No entanto, a ideia de um canal fazendo campanha 24 horas por dia – pois é só para isso que um partido busca meios de comunicação – está em conflito com o espírito da nossa lei eleitoral. Esta é muito paternalista na forma como trata o eleitor, em geral compreendido como uma criança de inteligência limítrofe, que facilmente se deixa influenciar por memes e notícias falsas.

Antes mesmo do atual surto censório da Justiça eleitoral, seus tribunais já eram frequentemente acionados para julgar casos de campanha antecipada, ou para corrigir desequilíbrios no tempo de veiculação da propaganda eleitoral em rádios do interior. Como se admite, nesse cenário, que um partido tenha uma emissora exclusiva? Alguém dirá que muitas emissoras regionais de TV e rádio já estão na mão de famílias ou grupos políticos. Mas a distorção nacional que será a TV PT só agravará esse quadro de distorções locais.

O partido decerto ambiciona ter um canal de comunicação a salvo de derrotas eleitorais. Pois a TV Brasil, criada no segundo mandato de Lula, caiu nas mãos de Jair Bolsonaro em 2019. Se a retórica privatista de Paulo Guedes fosse séria, a emissora teria ido para a banha nos primeiros meses do governo. Mas não: a TV Lula converteu-se em TV Bolsonaro. Transmitiu a infame reunião do então presidente com embaixadores, motivo do processo que tornou Bolsonaro inelegível.

Desconfio que a fixação na TV seja mais um sintoma do anacronismo da comunicação petista. O mundo virou digital mas o PT segue analógico. Lula me parece mal-adaptado à prática da live, na qual Bolsonaro mandava bem, a seu modo bruto e tosco. A maior repercussão que o atual presidente conseguiu em suas lives não teve nada a ver com os temas em que ele mais insiste – os juros altos de Campos Neto, a democracia relativa de Maduro, o fascismo de Bolsonaro. Foi sua deselegante crítica à culinária francesa e italiana que ganhou repercussão internacional.

Inaugurada antes da propagação das plataformas de streaming, a TV Brasil nunca passou do traço de audiência. Tatto espera que uma TV PT se saia melhor? Questão mais difícil: como ele espera preencher a grade de programação da emissora? Neste seu segundo mandato, Lula tem feito vários “discursos históricos” – ou que assim são proclamados pelos sites petistas –, mas mesmo que eles sejam repetidos, comentados e elogiados várias vezes, ainda estaremos muito longe de um dia inteiro de transmissão.

Imagino que o secretário de Comunicação do PT terá de convocar correligionários e aliados para participarem do show. Tatto poderia aproveitar a conversa com Juscelino Filho para convidá-lo a apresentar um especial equino. O ministro, como o Estadão revelou em fevereiro, é uma apaixonado por cavalos Quarto de Milha. Submete-se até aos desconfortáveis voos da FAB para acompanhar leilões de animais desta raça.

(Minha sugestão impertinente à nova emissora seria um programa destinado aos pequenos petistas: o Xou da Janja, no qual a primeira dama dividirá a cena com o Dino das Redes, uma versão progressista do dinossauro Barney que alertará meninos, meninas e menines contra o faroeste digital que as empresas de tecnologia estadunidenses querem instaurar no país.)

Já passam das 20h30. Depois de várias interrupções domésticas, me aproximo do ponto final (desculpe aí o atraso na entrega, amigo e editor Duda Teixeira). Uma rápida pesquisa nos portais de notícia não traz novidades sobre o encontro de hoje entre o ministro dos cavalos e o petista da comunicação. Apenas o Radar de Veja registra que Jilmar Tatto foi visto na antessala de Juscelino Filho. Eu talvez tenha escrito sobre um não assunto. Enfim, a programação da TV PT também será um não assunto. Salvo se derem mesmo um programa para Janja comandar.

Jerônimo Teixeira é jornalista e escritor