Foto: Tiago Fioreze via Wikimedia Commons

O que há, além de petróleo, na foz do Amazonas?

Área está no centro de uma disputa entre Ibama e Petrobras. Para os geólogos, é a nova fronteira da exploração. Para ambientalistas, terreno guarda riquezas desconhecidas
06.07.23

O rio Amazonas pode não ser o maior do mundo —título disputado com o Nilo— mas é indiscutivelmente o mais forte de todos, despejando no oceano Atlântico o equivalente a 84 piscinas olímpicas por segundo. Ali, a força do rio é tão grande que, para os primeiros exploradores espanhóis, a área da sua foz era chamada de “Mar Dulce“, uma vez que, a quilômetros do litoral, já era possível beber da sua água.

Mais de 500 anos depois dos espanhóis, outro tipo de exploração volta à região. Em vez de caravelas, navios-sonda da Petrobras vasculham não apenas o fundo do mar, mas o que pode estar há milhares de metros abaixo dali. Nos últimos dois meses, a busca por petróleo naquela bacia sedimentar teve impactos políticos consideráveis. Colocou Petrobras e Ibama em lados opostos, fez o líder do governo do Congresso deixar o seu partido e gerou acusações de que manipulação de dados para impedir a extração de óleo.

Ainda sim, há pouco consenso sobre o que há guardado nos poços que a Petrobras diz estarem a 160 km da costa do Amapá, mais de 500 quilômetros a noroeste da foz do rio e mais de 2.800 metros abaixo do leito marinho. A resposta é geologicamente promissora, ambientalmente duvidosa e politicamente incerta.

 

As rochas não mentem

Luís Ercílio Farias Junior, que é professor aposentado de geologia da Universidade Federal do Pará (UFPA), estuda a região há décadas e acredita que, logo abaixo da faixa dos 200 metros — que é a profundidade média do oceano naquela região — uma bacia de petróleo de alta qualidade pode trazer riquezas inéditas para as áreas do Marajó e do Amapá, que estão sempre entre os piores indicadores de desenvolvimento nacionais.

O petróleo daqui é de uma qualidade diferenciada, mais leve, que precisa ser refinado menos vezes que o petróleo árabe”, diz o professor de ciências naturais, que ministrou aulas sobre bacias sedimentares brasileiras. Ao explicar a história da formação daquele petróleo, ele parafraseia Cartola: “As rochas não mentem, elas apenas registram suas evoluções.”

O petróleo que está ali nasce com o próprio oceano Atlântico, há cerca de 200 milhões de anos. À medida que África, Europa e Américas vão aos poucos se soltando, a sedimentação de matéria orgânica (como corais, ouriços, peixes e plâncton) abaixo de grossas camadas de sal geram bacias de petróleo em todo o litoral dos dois lados o oceano. Enquanto países africanos como Nigéria e Angola têm grandes reservas em exploração, deste lado do oceano as bacias vão da Patagônia até a Venezuela, passando por regiões muito conhecidas nossas, como Pelotas, Santos e Campos. Só no ano passado, a Guiana, dona de uma das bacias mais próximas do Amazonas, viu seu PIB crescer 62% graças aos novos poços encontrados em sua costa.

Ercílio lembra que nossos primeiros campos do pré-sal não durarão para sempre. “O Brasil precisa desse petróleo da foz do Amazonas, porque as bacias sedimentares do Sudeste estão em declínio”, diz. “O novo pré-sal está por aqui.”

Ele argumenta que os moradores ribeirinhos da região são amplamente favoráveis à exploração porque poderão experimentar, por meio de royalties, um crescimento econômico ímpar. “Há que se respeitar os direitos dos moradores e pescadores da área”, argumenta o geólogo.

Ercílio acusa o debate de estar manipulado por ONGs (ele não cita quais) desde que a British Petroleum (BP) iniciou os estudos na área. Fotos usadas para defender a preservação do lugar seriam, de acordo com o professor, de outros locais. “Uma ONG propôs um mapa e houve uma surpresa, dando uma dimensão enorme, como se fossem grandes recifes de corais. E eu achei os mapas meio precipitados, pois há tempos os mapas geológicos mostram que não há corais, mas sim sedimentos trazidos pelo Rio Amazonas.”

 

Não é porque está cheio de óleo que vai se traduzir em riqueza

Rodrigo Moura, professor do departamento de biologia marinha da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não olha para as rochas, mas para tudo o que se instala acima delas. Foi olhando para aquele mesmo fundo de mar que ele liderou um estudo em 2016 que, com outros 38 pesquisadores, revelou um “sistema de recifes extenso, de cerca de 9.500 km², se estendendo da fronteira da Guiana Francesa até o estado do Maranhão”.

O professor se apressa em explicar que esse sistema, rico em fauna marinha, não é bem como os corais da Austrália e do Caribe, cujas imagens praticamente ilustram o que é um coral. “Chamar de ‘Grande Barreira de Corais da Amazônia’ é um exagero”, ele complementa. Ao contrário dos fotogênicos corais das cenas de mergulho, algas verdes e vermelhas são as principais estrelas da barreira, que ainda têm ao menos 73 espécies de peixes, além de seres vivos únicos da região.

Moura explica que, com o aumento do nível do mar nos últimos milhares de anos, o sistema de recifes passou a ficar mais no fundo do mar, com um crescimento menos acelerado — enquanto no Amapá o coral tem sinal de erosão natural, no Maranhão ele aparenta uma notável exuberância. Ainda assim, “o recife está vivo”, segundo o pesquisador, e teria um tamanho incerto.

Por isso, Moura vê com preocupação as ações na região. Em primeiro lugar, ele pondera que não há produção científica suficiente para entender como aquele pedaço do Brasil, desconhecido até há pouco, funciona. “É uma região de fronteira, pois não há exploração de petróleo na área”, afirmou. Desde que as discussões sobre a exploração comercial começaram em 2018, lamenta Moura, “o conhecimento não progrediu na região.”

 

O papel do Ibama

Foi um parecer técnico do Ibama, assinado em abril, que esquentou o debate sobre a exploração dos poços. O instituto, hoje comandado por Rodrigo Agostinho, recomendou o indeferimento da licença ambiental pelo que chamou de “inconsistências identificadas sucessivamente no projeto analisado” e “a notória sensibilidade socioambiental da área de influência e da área, sujeita ao risco aliadas às complexidades e limitações técnicas e logísticas envolvidas nas operações.”

O texto não poupa críticas ao que chama de “deficiências” da proposta da Petrobras. “É extremamente temerário que a validação de um projeto de perfuração exploratória, em um contexto de nova fronteira para a indústria de petróleo e de elevada sensibilidade socioambiental, seja realizada sem avaliações mais amplas e aprofundadas, que considerem, ao menos, a compatibilidade da cadeia de petróleo e gás com as demais vocações econômicas e ecológicas na região”, diz o documento, assinado por dez analistas do órgão.

Com a decisão desfavorável, a Petrobras indicou que vai recorrer, mas decidiu desmobilizar um navio-sonda que estava na região. A empresa diz que fará a exploração com responsabilidade, que não há nada sensível em um raio de 500 metros dos poços, e que a nova fronteira amplia a segurança energética do país.

O parecer foi suficiente para causar um terremoto político em Brasília. Parlamentares da região, favoráveis à exploração, ensaiaram uma rebelião. Líder do governo no Congresso, Randolfe Rodrigues abruptamente deixou a Rede Sustentabilidade, partido que dividia com a ministra Marina Silva, após a queda de braço. Com isso, a legenda perdeu sua única cadeira no Senado. E foi Lula quem teve de mediar o conflito entre o Ministério de Minas e Energia e Marina Silva.

Como tudo ocorreu em um momento em que o Brasil lutava para receber, na cidade de Belém, a COP 30, o assunto, potencialmente danoso para a imagem ambiental do país, acabou em banho-maria: Marina venceu, por enquanto

Luís Ercílio diz não acreditar que o relatório tenha sofrido manipulações, como ele alega ter acontecido no debate público. No entanto, alega que os riscos de exploração na área são reduzidos. “A atividade de exploração de petróleo tem risco. Mas estamos partindo, aqui, da premissa que vai haver vazamento“, ele pondera. “Risco de acidente, pelo que temos hoje, é mínimo. Se houver vazamento, vai mandar para o litoral ou mesmo para o Atlântico norte.”

Já Rodrigo Moura indica que um dos pontos cegos do conhecimento da região é, justamente, sobre como se movem aquelas grandes massas de água. É sabido que as correntes levam a água da superfície em direção ao golfo do México, a 2 metros por hora — mas a dinâmica em águas profundas ainda é desconhecida para a ciência. Caso o óleo seja mais pesado que a água e pare no fundo do oceano, um vazamento na região poderia não apenas afetar os corais, como também seguir em direção oposta.

A decisão ainda não está tomada. O óleo permanece onde está, desde que o mar é mar. Cabe aos homens e mulheres de Brasília a decisão sobre o destino de tudo na foz do mais poderoso rio do mundo.

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  1. É impossível discutir com o Ibama, que tem certezas absolutas sobre o que não sabe ou que não entende.... São mentes tacanhas que procrastinam as coisas sem saber direito o porque.

  2. Em meio a grandes investimentos em eólica e solar, hidrogênio verde e outras fronteiras a explorar opções energéticas, parece descabido o projeto de exploração de combustível fóssil. Todo este volume do " Mar Dulce " transporta gigantescas quantidades de nutrientes e sustentam uma biomassa e recursos pesqueiros do Caribe e também do Nordeste brasileiro, inclusive nas grandes extensões de mangue, pois as correntes, improváveis, comprovadamente fazem uma volta e criam um sistema retroalimentado.

  3. Esse é o problema " ficar a cargo de mulheres e homens de Brasília. Onde impera corrupção, conchavos e acertos não ortodoxos, que em nada estão preocupados com meio ambiente e com melhores condições de vida aos ribeirinhos.

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