Ricardo Moraes/ReutersFernando Diniz: em posição de questionamento permanente a cada convocação

O treinador partido ao meio

Fernando Diniz pode dar certo na seleção brasileira, mas assume o cargo da pior maneira possível
06.07.23

Fernando Diniz será o novo treinador da seleção brasileira. E do Fluminense. Até Carlo Ancelotti chegar. Se Ancelotti chegar. Insatisfeita com o desempenho de Ramon Menezes, que perdeu para Marrocos e Senegal e ganhou apenas da Guiné como treinador interino, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) resolveu apelar para o nome mais controverso do futebol nacional — e também a maior promessa. Mas, sem muita convicção, pode estar perdendo uma ótima oportunidade.

Diniz foi campeão como técnico pela primeira vez neste ano, comandando um Fluminense mágico no Campeonato Carioca. O triunfo parecia encerrar a época de incertezas em relação à capacidade do treinador, mas, três meses depois, as dúvidas já voltaram. Após começar bem o Campeonato Brasileiro, o tricolor carioca somou apenas 8 dos últimos 21 pontos disputados na competição. É a sina de Diniz. Encantar o país ao longo de um ou dois meses com um futebol intenso, envolvente e eficiente e ver seus exaustos jogadores definharem em campo até ser demitido.

Para manter o mesmo nível, a mesma intensidade, o inventivo treinador precisaria de dois ou três elencos, como têm Pep Guardiola no Manchester City e Jürgen Klopp no Liverpool. No Brasil, a maioria dos técnicos trabalha com meio elenco, e olhe lá. Desse ponto de vista, pode ser que Diniz tenha enfim uma chance de contar com pelo menos dois bons jogadores para cada posição. Outra vantagem potencial é não precisar submeter seus comandados a exibições exaustivas ao longo de semanas intermináveis — serão menos jogos da obsessiva e envolvente troca de passes.

Essa potencial revolução será feita, contudo, em paralelo ao decadente trabalho no Fluminense. Será um treinador partido ao meio, como o visconde de Italo Calvino, que se dividiu em dois ao ser atingido por uma bala de canhão, separando-se em uma parte má e outra boa. Que pelo menos seja a metade boa a ir para a seleção brasileira. E se for? E se o dinizismo der certo vestido de verde e azul? Se tudo o que ele precisava era uma chance de comandar a seleção? O que faremos com Ancelotti?

A primeira entrevista do novo treinador interino da seleção brasileira — que a CBF argumenta que não é interino — deixou claro que seu trabalho será assombrado pelo fantasma do maior campeão da Europa. O próprio Diniz disse, contudo, que não sabe se Ancelotti vem. Se não sabe, o que fará ao longo do próximo ano? Certamente não será preparar o elenco para a chegada de um novo treinador. Se o presidente da CBF, Ednaldo Rodrigues, apostou em Diniz apenas para limpar temporariamente sua barra, vai queimar o treinador mais promissor do país.

Ao acumular o comando da seleção e do Fluminense, Diniz não apenas terá de se desdobrar entre duas funções de enorme responsabilidade e pressão. Ele estará numa posição de questionamento permanente a cada convocação. Se os dirigentes de Flamengo e Palmeiras já costumam reclamar da ausência de jogadores convocados em partidas importantes, o que dirão agora, que essa decisão será tomada por um adversário direto? Como todo mundo tem dito, não há razão para desconfiar da honestidade de Diniz, mas isso não será o bastante para blindá-lo de possíveis ataques.

Dito tudo isso, o melhor cenário possível seria que Fernando Diniz se desse tão bem no comando de Neymar Jr. e companhia que simplesmente dispensasse a vinda de Ancelotti. Seu sucesso corrigiria a relutância dos cartolas brasileiros e reduziria os problemas em caso de uma mudança de planos do treinador italiano — Ednaldo garantiu que Ancelotti assume a seleção para a Copa América, que começa em junho de 2024, mas ainda não saiu nada da boca do próprio treinador. O triunfo do dinizismo também evitaria mais uma troca de técnico no meio do ciclo de preparação para a próxima Copa do Mundo.

Para não deixar de citar um trecho de O Visconde Partido ao Meio, de Italo Calvino (Companhia das Letras), fica uma mensagem de torcida para que a CBF esteja escrevendo certo por contratações tortas: “Esperar é próprio do homem — respondeu Ezequiel —, e do homem justo, esperar com confiança; do injusto, com medo”.

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  1. Contratar o Diniz é uma decisão bizarra, mas nada surpreendente tendo em conta que vem desse balcão de negócios que nada sabe de gestão de futebol que é a CBF.

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