Foto: Andy Witchger / Creative CommonsO sueco Zlatan Ibrahimovic: fim de jogo

Fantasmas de saída

O fim da carreira de um grande atleta não é dramático só porque a atenção diminui, mas porque dificilmente ele fará algo maior
08.06.23

O sueco Zlatan Ibrahimovic se aposentou nesta semana. O francês Karim Benzema foi jogar na Arábia Saudita, o que é uma forma de se aposentar, assim como fez Cristiano Ronaldo na temporada passada — e Lionel Messi agora, com a ida para o futebol do Estados Unidos, na Flórida, onde os americanos também vão após deixar de trabalhar. Ainda há carne nos ossos, diria Dylan Thomas. As carreiras no esporte são curtas, cerca de 20 anos de intensidade sobre-humana, e muito difíceis de abandonar.

Aos 38 anos, LeBron James considera parar. Tom Brady parou e voltou a jogar, para conquistar seu último título. Michael Jordan também não conseguiu parar de uma vez, foi jogar beisebol, golfe, voltou a jogar basquete por duas vezes, queria seguir competindo. Ronaldo Fenômeno foi parado pelas lesões. “A cabeça até quer continuar, mas o corpo não aguenta mais”, resumiu ao anunciar que não conseguiria ir além dos 34 anos. Roger Federer disse algo parecido no ano passado: “Conheço as capacidades e os limites do meu corpo, e sua mensagem para mim ultimamente tem sido clara”.

“O fim é tão imenso, é sua própria poesia. Requer pouca retórica. Apenas o afirme claramente”, diz uma personagem moribunda de Exit Ghost (Houghton Mifflin), de Philip Roth, minutos antes de morrer. A vida dos atletas não termina ao fim de suas carreiras. Ou melhor, eles não morrem, mas suas vidas terminam sim, de certa forma. Por terem atingido o ápice do desempenho físico, a vida normal, ainda que bilionária, passa muito longe do prestígio experimentado. E sobra tempo demais para cair em desgraça — pelo menos mais 40 anos, na média.

Michel Platini, uma referência em estilo dentro de campo, acabou preso após virar dirigente de futebol. Roberto Dinamite, maior artilheiro e grande ídolo do Vasco, tornou-se alvo da torcida ao assumir a presidência do clube. Raí, responsável direto pelo primeiro título mundial do São Paulo, sofreu com protestos de são-paulinos enquanto atuou como diretor de futebol, e nem Rogério Ceni, o maior ídolo do clube, escapou da gritaria quando trocou as luvas pela prancheta à frente do tricolor.

Todos esses atletas de destaque se tornaram simples mortais ao abandonar as vidas de heróis. Ou talvez estejam abaixo disso, são menos do que mortais, porque de alguma forma suas proezas atléticas elevam as expectativas em relação a tudo o que venham a fazer. Não faz sentido, mas é como funciona. É muito raro que um atleta de grande destaque sustente ou amplie a fama após pendurar as chuteiras ou raquetes. Talvez Zinedine Zidane seja uma das únicas exceções, pois, após ganhar tudo como jogador, levou o Real Madrid a vencer três disputas seguidas da Champions League como treinador.

Há exemplos menos retumbantes. Tostão se estabeleceu como cronista esportivo relevante. Zagallo foi campeão do mundo como jogador e técnico. Pep Guardiola, que se tornou o treinador mais prestigiado do mundo, não foi um jogador ruim, mas está longe de figurar no rol das maiores estrelas da história. O mesmo se aplica a Carlo Ancelotti, técnico mais vitorioso da Europa. No Brasil, Renato Gaúcho ganhou a Libertadores da América como treinador e jogador pelo Grêmio, mas sua carreira de técnico não decola, refém do estilo descompromissado.

Steve Kerr liderou o Golden State Warriors em quatro títulos da NBA em apenas oito temporadas. Está entre os 15 maiores treinadores da história da maior liga de basquete do mundo. Como jogador, tem uma média de bolas de três pontos invejável e marcou a cesta do título do Chicago Bulls em 1997, mas não figura entre os destaques históricos da NBA. Já a carreira de ator do ex-astro de futebol americano OJ Simpson foi interrompida pelo assassinato da ex-mulher, numa questão mal resolvida pela Justiça dos EUA. Também acabou em tragédia a história de Oscar Pistorius, o multicampeão paralímpico que matou a namorada com quatro tiros em 2013.

São casos extremos. Em geral, a vida continua, sem tanta graça, sem tanto glamour, mas geralmente muito confortável. Pelo menos lá se vai a época em que os craques morriam na rua da amargura. Hoje, vale a reflexão de Hemingway em O velho e o mar (Bertrand Brasil): “A maioria das pessoas é impiedosa com as tartarugas, porque o coração de uma tartaruga bate por horas depois de ser cortado e massacrado. Mas, o velho pensou, eu também tenho um coração assim.”

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  1. Deixar a ribalta e o auge do desempenho esportivo, coincidindo com a decadência física e o esquecimento deve ser dificílimo. Não citados temos o Cruyff, excelente treinador, Gérson e Júnior, reinventados como comentaristas ou o The Rock, se com considerarmos o wrestling como modalidade esportivo-teatral.

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