Antônio Cruz/Agência Brasil

A ignorância como argumento político

Em defesa da indicação de Zanin para o STF, Dino citou o precedente de Victor Nunes Leal, indicado por Juscelino Kubitschek
08.06.23

Em entrevista ao Estúdio I, da Globonews, o ministro da Justiça, Flávio Dino, citou, como precedente para a indicação do tido como advogado de Lula na Operação Lava Jato, a polêmica política provocada pela amizade de Juscelino Kubitschek e do jurista Victor Nunes Leal, por ele indicado ao Supremo Tribunal Federal (STF). Paralelo infeliz! Em 1960, o mineiro de Alvorada, aos 54 anos, era íntimo do conterrâneo de Diamantina, então com 68, ou seja, 14 mais. Não é de conhecimento público que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 75 anos, pernambucano de Caetés, seja ou tenha sido parceiro de boteco de Zanin, paulista de Piracicaba, 48, 27 mais moço.

Mas esses não são empecilhos que constem da letra constitucional. O que está em jogo é a definição do adjetivo “notável”, usado pelo constituinte para fixar a exigência para a ocupação das 11 cadeiras do plenário do STF. Notável significa “de grande vulto”, o que, sem dúvida alguma, o amigo de JK o era. Sê-lo-á o advogado de Lula? Seu colega Ives Gandra da Silva Martins, em Nêumanne entrevista no canal no YouTube, acha que não. Neste ponto, os dois comparados não são comparáveis. Em 1939, portanto aos 24 anos, Leal foi convocado por Pedro Baptista Martins para colaborar na confecção do Código de Processo Civil. Aos 38, ele foi aprovado com louvor ao defender tese para o doutorado na atual Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na qual lecionava. O trabalho resultou no livro Coronelismo, Enxada e Voto, clássico da sociologia brasileira, que pôs o autor à altura do venerado Caio Prado Jr., que escreveu Formação do Brasil Contemporâneo. Entre seus “filhotes” chama a atenção Coronel, Coronéis, de Marcos Vinicius Vilaça (da ABL), e Roberto Cavalcanti de Albuquerque. Não é possível que o ex-magistrado Flávio Dino não tenha lido nenhuma dessas obras. Mais constrangedor será pedir-lhe que resuma os resultados de uma eventual leitura dos dois livros atribuídos a Zanin: Lawfare, Uma Introdução, e, claro, O Caso Lula.

Coronelismo, Enxada e Voto pode ser encontrado em qualquer ponto de venda de livros respeitável do país em edição recente da Companhia ds Letras. Com o prefácio original de Barbosa Lima Sobrinho, exigido pelo autor, e mais dois, acrescidos pelo editor: José Murilo de Carvalho e Alberto Venâncio Filho, estes da ABL. A bibliografia do amigo de JK contém ainda o adotadíssimo Estudos do Direito Público. Lembrar-se-á o dr. Dino de citar a adoção por qualquer escola de um componente da obra completa do pupilo de Lula? Se isso não ocorrer, de onde poderá originar-se sua condição de “notável”?

Dino poderia usar outro adjetivo, “notório”, exigência comum para a ocupação de cargos menos importantes em algum dos três poderes republicanos. O sinônimo mais popular de notório é famoso. Isso Zanin é.

Victor Nunes Leal foi chefe da Casa Civil da Presidência da República, membro do Tribunal Superior Eleitoral e protagonista de um fato que deveria exigir mais respeito do ex-magistrado que o comparou com o fiel advogado do patrão. Em 1968, a vaga ocupada por ele foi extinta pelo Ato Institucional N.º 5, da abominável ditadura militar.

A citação infeliz do socialista maranhense, pronunciada quase à sorrelfa, foi feita no momento em que o site especializado em direito Jota publicou artigo primoroso de outro membro da ABL, Joaquim Falcão. Ele é especialista no futuro emprego de Zanin, que defendia Lula em substituição ao sogro, Roberto Teixeira, advogado e sócio do presidente. E, por isso, citado na primeira entrevista publicada na imprensa sobre falcatruas petistas, por Paulo de Tarso Venceslau, no Jornal da Tarde, a Luiz Maklouf. Como genro e sogro não se entendem mais, é admissível, pelo menos, que agora o primeiro é mesmo advogado de Lula e, talvez por isso, tenha fugido à regra, magistralmente citada por Joaquim. Segundo ele, os ministros do STF “se integram e se entregam a Brasília”. Em O Supremo e os Donos do Direito, o acadêmico acertou ao vaticinar: “Fundamental ser elite. Mesmo que temporariamente subalterna, desde o nascer do desejo até a explicitação da candidatura, competição, nomeação, atuação, aposentadoria e além. Transforma-se em elite nacional… Essa tal porosidade está acima de determinismos ideológicos ou políticos. Exige flexibilidade. É como se fosse uma infraestrutura, uma plataforma do poder. Porosidade sedimentada como elite social, cultural. Financeira, sobretudo. Fazer parte dos 1% no topo da pirâmide da renda individual.”

Em defesa do deslize de Dino é possível aceitar que, na política,  permite-se qualquer argumento sem base. Na vida real, como dizia o finado Zeca Boca de Bacia no calçadão em Campina Grande, “a inguinorança é que astravanca o pogrécio”. E tenho dito. Viva Victor. Viva Joaquim.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor 

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  1. O povo, infelizmente, sem conhecimento e “leitura”, se deixa levar por falas sem fundamento. Esse ministro está se achando. Excelente, como sempre sua coluna.

  2. Não é sequer ir tão longe, desfiando o significado de notável (ainda que tenha sido muito bem feito nesse artigo), para abominar essa indicação. O presidente indicou o seu advogado para fazer parte da corte que será encarregada de julgá-lo (e a seus pares de partido e governo) em eventualidades futuras Isso basta para se rejeitar imediatamente aberrante indicação.

  3. Flávio Dino é um lacaio em busca de um lugar ao sol. Foi governador do Maranhão por duas vezes e o estado tem péssimos índices na área de Segurança Pública. Só Lula para nomear um incompetente desse tamanho (sem trocadilho) como Ministro da Justiça.

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