Foto: Vitor Silva/BotafogoJohn Textor, sócio majoritário da Sociedade Anônima de Futebol do Botafogo, durante jogo contra o Fortaleza em 2022

O futebol é um negócio?

As sociedades anônimas devem ajudar a profissionalizar o futebol brasileiro, mas isso não quer dizer que os clubes ganharão dinheiro
02.06.23

Apenas três times da maior liga nacional de futebol do mundo dão lucro de forma consistente: Manchester United, Arsenal e Tottenham. Pela combinação de duas razões, diz Simon Kuper em sua coluna no Financial Times: o tamanho histórico de suas torcidas e o fato de seus times as decepcionarem também de forma consistente, por não conquistarem títulos. É preciso quebrar o clube para ganhar campeonatos, constata o colunista ao refletir sobre a disputa entre o bilionário Jim Ratcliffe e o banqueiro Sheikh Jassim bin Al-Thani para comprar o United, avaliado entre 3 bilhões e 6 bilhões de libras — até R$ 37,44 bilhões.

Ao contrário de praticamente qualquer outro negócio, o futebol é imprevisível por definição, muitas vezes inexplicável. Desde que comprou o Manchester City, em 2008, Sheikh Mansour, de Abu Dhabi, viu o time ser campeão inglês sete vezes — três delas nas últimas três edições da Premier League —, mas a sonhada Champions League ainda não chegou. O City volta à final da maior liga continental do mundo no próximo dia 10, contra a Inter de Milão, dois anos após perder a partida derradeira para o Chelsea. Todo o dinheiro do mundo também não parece o bastante para fazer o Paris Saint-Germain de Nasser Al-Khelaifi, do Catar, ostentar o troféu mais valioso da Europa. Por que os bilionários entram no que parece uma furada?

“No final das contas, havia o sonho de toda a sua vida, a conquista de Paris. Ser o rei da caridade, o Deus adorado pela multidão dos pobres, tornar-se único e popular, ocupar o mundo com ele, isso ultrapassava sua ambição”, escreve Émile Zola sobre Aristide Saccard, o protagonista de O Dinheiro (Boitempo). “Que maravilhas ele não alcançaria se usasse suas faculdades de negócios, sua astúcia, sua obstinação, sua total falta de preconceito, para ser bom! E teria a força irresistível que ganha as batalhas, o dinheiro, o dinheiro com fartura de cofres, o dinheiro que tantas vezes faz tanto mal e que tanto bem faria, o dia em que se pusesse a dar seu orgulho e seu prazer!”, segue a descrição.

No caso dos investidores do Oriente Médio, é claro o interesse em melhorar a imagem no Ocidente. Os sauditas compraram o Newcastle recentemente, a Qatar Airways estampou a camisa do Barcelona com patrocínio durante anos, a Emirates dá nome ao estádio do Arsenal. A Copa do Mundo do Catar acabou saindo pela culatra ao chamar a atenção para as limitações à liberdade no país, mas é inegável que o futebol se presta a vitrine como poucos ambientes no mundo, principalmente quando se ganha.

Sócio majoritário da Sociedade Anônima de Futebol (SAF) do Botafogo, John Textor chorou em campo após a vitória de virada por 3 a 1 contra o Fortaleza em maio do ano passado. “Dizem que a Premier League é a maior liga do mundo, mas eles não amam seus clubes desta forma, tão efusiva. É incrível, precisamos mostrar isso para o mundo. Acho que é por isso que estou aqui”, disse na ocasião. Após décadas de humilhações, os botafoguenses celebram a liderança do Campeonato Brasileiro e fizeram jogo duríssimo até serem eliminados da Copa do Brasil nesta semana, nos pênaltis, pelo Athletico Paranaense.

A perspectiva de futebol como negócio e do clube como empresa chegou há pouco tempo ao Brasil, e já mostra alguns resultados, em Cruzeiro e Bragantino, por exemplo — o Vasco ainda pena um pouco. Mas esses clubes estão longe de se tornar potências econômicas. Por enquanto, minimamente saneados, conseguem competir na primeira prateleira do futebol nacional. E talvez isso seja o bastante. Cumprir o papel social de entreter a população com um mínimo de responsabilidade fiscal parece bom o bastante após anos de aventuras e transações mal explicadas com governos. Não é por acaso que os clubes mais organizados financeiramente, Flamengo e Palmeiras, dominam o país e o continente nos últimos anos — e que times gastadores, como Atlético Mineiro e Corinthians, não consigam sustentar uma ascensão consistente.

Ainda que os clubes não consigam pagar dividendos, não quer dizer que comprá-los e vendê-los seja um mau negócio. No fim das contas, não se trata apenas de emoção e reputação. “Estranhamente, quando os bilionários se cansam do futebol e vendem seus clubes, geralmente ganham dinheiro de qualquer maneira. O clube acaba sendo como um Picasso na sua parede. Não gera lucros trimestrais, mas normalmente ganha valor ao longo do tempo”, admite Simon Kuper. “O melhor de tudo é que, quando você mostra para os amigos, eles ficam com tanta inveja que alguns saem e compram o próprio clube.”

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  1. Os modelos de propriedade também varia. Para os sheiks, bilionários russos e americanos, parece ser um projeto de vaidade ou soft power. Já o modelo do red Bull ou do grupo 777 ( que comprou o Vasco) é claramente para dar lucro através da valorização de jovens talentos

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