Foto: Ricardo Stuckert/PRLula e Dilma Rousseff em Xangai, em abril deste ano; "gasto é vida" da ex-presidente tem as digitais do seu criador

Samba de uma nota só

Lula 3 completa seis meses mostrando-se um governo sem rumo ou ideias novas; será um governo obrigado a depender do agro, setor que rejeita
02.06.23

Foi em 6 de junho de 2005 que os técnicos do Ipea Paulo Levy e Fábio Giambiagi pegaram um voo do aeroporto Santos Dumont no Rio de Janeiro para Brasília.

Antes de embarcar, ambos pararam em uma livraria. Na capa de um jornal, a manchete apontava para as revelações de Roberto Jefferson sobre o mensalão. O comentário de Giambiagi resumiu perfeitamente o cenário dali em diante: “Fodeu”.

Ambos estavam indo a Brasília no intuito de apresentar um “teto de gastos”. A ideia, ainda em 2005, era propor um teto que limitasse a alta do gasto a um valor menor do que o crescimento do PIB.

O projeto era encabeçado por Antonio Palocci e Paulo Bernardo, da Fazenda e do Planejamento. Com o desenrolar da história do mensalão, Palocci acabaria saindo. Em seu lugar entrou Guido Mantega.

A então ministra chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, ficaria sabendo da proposta e responderia com seu hoje famoso “gasto é vida”.

Lula, dali a alguns meses, entraria em clima de campanha. Passaria a pressionar o Banco Central para reduzir os juros e favorecer o crescimento econômico em ano de eleição. Não rolou, mas a reeleição acabou vindo (e com inflação sob controle).

Esse causo da recente história brasileira resumiria, per se, aquela velha frase de Roberto Campos, que dizia “o Brasil não perde uma oportunidade de perder uma oportunidade”.

Nos acostumamos a discutir reformas em meio à crise. Nos momentos de bonança, ignoramos os problemas estruturais. Ficamos praticamente inertes.

O resultado, como você deve lembrar, foi a introdução de uma série de políticas públicas resumidas naquele “gasto é vida” dito por Dilma em novembro de 2005.

O país abriu mão da oportunidade de ter controlado seus gastos, reduzindo drasticamente a dívida pública e permitindo uma queda considerável nos juros.

Passados 18 anos, o governo Lula 3 opta por um “teto de gastos” nos moldes daquele proposto em 2005, com crescimento limitado a 70% do PIB.

O resultado poderá ser positivo a longo prazo; o problema, claro, foi o tempo perdido entre essas duas opções.

Para além dessa questão, é importante notar que o mesmo Lula que deu aval para derrubar a ideia dos “neoliberais” do Ministério da Fazenda em 2005 continua sendo pautado pela lógica do “gasto é vida”.

A criação do arcabouço fiscal foi uma mera conveniência para sair do teto de gastos e migrar para uma regra mais permissiva, que permita aumentar gastos, ainda que não na escala avassaladora que seus dois primeiros governos fizeram.

Fernando Haddad pode ter conquistado simpatias na Faria Lima ao soar como razoável, mas Lula, esse continua sendo o mesmo Lula de sempre.

Completados seis meses de governo, temos que Lula repete aquilo que sempre defendeu sobre economia.

O presidente repisa a ideia de que a Petrobras deva pautar o PIB com investimento público. Também repete os famosos “tax holiday” de Mantega (quem não lembra do IPI zerado pra carros?), intervenção nos preços, maquiando a inflação e colocando o BNDES para jogo.

Há zero autocrítica sobre as causas da Grande Depressão Brasileira de 2014-16.

Há quem aponte que Dilma seja culpada. Discordo. Creio inclusive que seja uma das estratégias mais machistas já vistas na economia brasileira. Lula se aproveitou da baixa capacidade intelectual de Dilma para colar nela a responsabilidade pela crise que dividiu a história do país.

Mas, em retrospecto, é possível ver todas as suas digitais nas políticas que levaram o país à crise no início do segundo governo Dilma.

O problema, ao menos para Lula, é que o jogo da política já não é mais o mesmo.

Lula tenta apoiar a Argentina, incentiva sandices de moeda única, mas se depara com a lei que proíbe o Banco Central de assumir o risco soberano argentino. Em outros tempos, Lula poderia ter poder para passar por cima disso. Com este Congresso? Não vai rolar.

O Congresso no governo Lula 3 é uma entidade que, finalmente, assumiu um poder que é seu por direito: passou a definir o Orçamento e a ter independência em relação ao Executivo.

E é este choque de realidade (para alguns) que deve pautar o atual governo.

Lula 3 completa seis meses mostrando que há pouca ou nenhuma inovação. Não há ideias novas. Não há métodos novos. São as mesmas políticas de antes, agora sem a conivência do Legislativo.

É um governo que deve se prolongar sem grandes marcas, exceto pelo choque do Congresso e dos ministros que tentam disputar o legado do atual presidente para sucedê-lo.

Veremos nos próximos anos um Lula desesperado por encontrar meios de financiar suas ideias.

O caminho mais provável, claro, segue sendo o das estatais. Elas estão com caixa robusto e são mais fáceis de manipular.

Mas mesmo nelas a situação não é a mesma de antes. A Lei das Estatais, ainda que seja combatida pelo atual governo, ainda barra algumas sandices.

Se, ou quando, Lula conseguir voltar a consolidar poder nessas empresas, o resultado poderá vir tarde demais.

E até lá, restará comemorar os resultados positivos do agro, o setor mais rejeitado por Lula, que financiou seu sucesso antes e financiará agora essa sobrevida política.

Como apontam os dados do PIB, serviços e indústria seguem patinando. O agro, porém, segue com resultados extraordinários, fruto de uma moeda desvalorizada e um aumento avassalador de produtividade nas últimas décadas.

E essa talvez seja a maior ironia deste governo: ser obrigado a depender de um setor que tanto rejeita, mas que por sorte sobreviveu imune aos desastres causados por esse samba de uma nota só chamado de “política econômica do PT”.

Felippe Hermes é jornalista

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  1. Não sou tão otimista com essa tal independência do congresso. São uns vendidos de rabo preso, tanto q aprovaram a MP dos ministérios. E o Senado vai aprovar a indicação do Zanin pro stf, aguardem.

  2. O que eu não consigo compreender é como essa trupe teve tanto apoio de tantos segmentos da nossa sociedade. Tudo isso, além dos direitos dos manos, era claro, cristalino. E esse é o legado que Bolsonaro conseguiu deixar: Alguém mais indesejável que essa corja de criminosos. Não por ser pior que eles, mas por ser muito mais claramente idiota.

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