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Entregando o jogo no WhatsApp

Os acusados de manipular jogos do futebol brasileiro contam nas próprias palavras os detalhes do esquema
18.05.23

Sócrates questiona: ”Como uma cidade continuaria existindo se as sentenças anunciadas nos tribunais pudessem ser violadas por qualquer pessoa?” Quem responde não é Críton, mas o apostador Luis Felipe Rodrigues de Castro, via WhatsApp: “Você só precisa fazer o certo. Você precisa levar o cartão amarelo. Entendeu? Não pode ter erro, tem que ser seguro”. Reveladas pela Operação Penalidade Máxima, as mensagens trocadas entre acusados de manipular resultados de partidas de futebol estão no polo oposto dos Diálogos de Platão, mas também ajudam a se aproximar da verdade.

Conhecido como LF, Luis Felipe Rodrigues de Castro respondia a uma pergunta de Kevin Lomónaco, zagueiro do Red Bull Bragantino. O argentino queria saber se era “tudo legal”, se não aconteceria nada caso ele forçasse o cartão amarelo combinado. Obviamente, o trapaceiro diz que não há problema algum, que faz o mesmo com “vários jogadores da Série A”, e oferece 70 mil reais ao defensor, que, após a deflagração da operação do Ministério Público de Goiás, acabou afastado do time e suspenso, entre outros atletas investigados, por decisão do Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD). Lomónaco é um dos quatro suspeitos que não foram denunciados, porque fizeram acordo para colaborar com as investigações.

Em outra troca de mensagens, “Ps zagueiro” parabeniza assim o lateral-direito Mateusinho, que defendia o Sampaio Corrêa e foi contratado em janeiro pelo Cuiabá: “Ai ai, tu, a partir de hoje, tu cresceu muito comigo, véi. Tu é como juvenil, mas agora é profissional. Tamo junto”. Ele complementa: “Descansar aqui também, que a mulher já tá olhando torto, porque eu tô só no celular. Valeu rapaziada. Até amanhã”. Mateusinho foi elogiado após registrar que a “missão foi cumprida”. As mensagens sugerem que ele cometeu uma falta dura para ser punido com cartão. Em um diálogo seguinte, ele faz uma sugestão aos colegas do grupo com sete pessoas: “Fala, Vitão, manda a boa pra nóis. Tô durinho meu irmão. Entendeu? Fazer um dinheiro aí com a tipiçazinha de… Pô, pra botar cem para mil. 100 (cem) pra qualquer coisa aqui. Fala com nóis. Boa tarde”.

Em outro grupo, o lateral-esquerdo Denner Barbosa, que teve passagem pelo Corinthians, diz que recebia uma mesada de 5 mil reais para aliciar colegas a participar do esquema. Em conversa com Bruno Lopez, acusado de liderar um esquema de manipulação, o jogador diz ter “um time no campeonato goiano com a linha de trás todinha”. Ele se referia a todos os jogadores de defesa do Goiânia, que perdeu por 2×0 para o Goiás em 12 de fevereiro deste ano, com dois gols marcados no primeiro tempo. A aposta combinada por Barbosa previa exatamente isso, que o Goiânia terminaria a primeira etapa daquela partida perdendo.

Nós temos mais de 50 jogadores na Série A”, garantiu LF, quando emparedado por cinco jogadores do Sampaio Corrêa que cobravam dinheiro não recebido. “Faz esse Pix logo aí, mano. Já fizemos e temos que receber. Não somos bobos. Quem não pode estar no prejuízo somos nós. Correr o risco e não receber, tá doido? Sem condições, irmão. Papo é um só”, cobrou Ygor Catatau, que tem passagem pelo Vasco e hoje joga no Irã. LF se explica: “Ninguém vai deixar de fazer o combinado não. Só que entenda uma coisa. A aposta deu ‘red’ [eles perderam]. Nós estamos na missão com jogador que vacilou”. E acrescenta que o prejuízo foi de 492 mil reais.

As mensagens indicam que os manipuladores de resultado almejavam ganhar até 2,5 milhões de reais por fim de semana. Nesta quinta-feira, surgiu mensagem em que LF diz a Lomónaco, do Bragantino: “Temos um jogador do Flamengo”. O apostador não detalha mais nada, não há qualquer pista pública, até agora, sobre o que seria a aposta ou qual poderia ser o flamenguista envolvido. Nenhum atleta do time de maior torcida do país foi citado na investigação e o clube diz confiar em seus contratados, mas as mensagens comprometedoras seguem emergindo e espalhando suspeitas pelo futebol brasileiro.

A CPI da Manipulação de Resultados foi instalada nesta semana na Câmara prometendo rigidez com os envolvidos nas trapaças. A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) já negou a possibilidade de parar o atual Campeonato Brasileiro, sob a alegação de que não há clubes envolvidos, apenas jogadores. Mas é muito difícil imaginar que o que está acontecendo fora de campo não terá impacto direto nos gramados. Ao final do ano, quatro clubes estarão entre os rebaixados em cada uma das três principais divisões nacionais. Não deve pagar muito a aposta de que pelo menos um desses 12 vai se escorar nas suspeitas de manipulação para tentar escapar.

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