Ricardo Stuckert

Lula está acertando em tudo

O PT não vai abrir mão de seu projeto de se delongar no governo até controlar a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido
18.05.23

O fato de Bolsonaro ser inadmissível do ponto de vista da democracia não torna Lula automaticamente admissível. Ele teria de conquistar isso, o que não está fazendo. Para começar, Lula teria que tomar, pelo menos, três medidas básicas.

Em primeiro lugar descer do palanque, parar de investir na polarização e começar um esforço de pacificação do país. Não adianta vir com o papo-furado de um plano de paz para a Ucrânia (favorável à Rússia), se em vez de promover a paz no Brasil, joga mais lenha na fogueira da política como continuação da guerra por outros meios (a autocrática fórmule-inverse de Clausewitz-Lenin).

Em segundo lugar, honrar sua palavra de que iria governar numa coalizão de frente ampla. A frente ampla democrática serviu apenas para elegê-lo. Uma vez eleito, passou a governar com uma frente de esquerda hegemonizada pelo PT. Não adianta colocar no governo dois enfeites de “frente ampla” — como Alckmin e Simone Tebet — se os cargos-chave todos estão na mão do PT ou dos partidos satelizados pelo PT.

Isso implicaria uma reforma ministerial, substituindo parte dos petistas puro-sangue por atores de um amplo espectro democrático. Não tem sentido manter nas mãos do PT Fazenda, Casa Civil, Secretaria Geral da Presidência, Relações Exteriores, Relações Institucionais, Educação, Desenvolvimento Social, Comunicação Social, Desenvolvimento Agrário, Gestão, Mulher, Trabalho, Direitos Humanos, CGU, AGU, Petrobras, BNDES. Assim como não tem sentido manter Justiça, Igualdade Racial, Integração Regional e Previdência nas mãos de partidos satelitezados pelo PT.

Em terceiro lugar, abandonar velhas pautas petistas do início do século (na verdade, do século passado), resistindo à tentação de: manipular preços de combustíveis, sair construindo refinarias, investir no desenvolvimento da indústria naval nacional, editar uma política industrial a qualquer preço e reeditar iniciativas de promover “campeões nacionais“, dar subsídios a indústrias poluentes (como a automotiva), multiplicar programas de crédito subsidiado para furar a regulação monetária do Banco Central, atentar contra a autonomia do Banco Central e das agências reguladoras e tentar reverter leis não estatistas aprovadas pelo Congresso, remover ou esticar qualquer limite para a gastança fiscalmente irresponsável, reestatizar o que foi privatizado, tentar estabelecer algum tipo de controle governamental sobre as mídias tradicionais ou sociais, financiar ditaduras amigas e socorrer regimes parasitados pelo populismo de esquerda, se aliar a autocracias (como China, Rússia e Índia) contra a coalizão das democracias liberais. Em vez disso, Lula e o PT deveriam ter corrigido sua proposta de arcabouço fiscal para que ele servisse como um efetivo sistema de controle de gastos, promover a reforma tributária e outras reformas importantes, como a reforma política.

Claro que Lula e o PT jamais farão isso. Partidos populistas de esquerda, como o PT, usam as eleições não como dispositivos normais do metabolismo democrático e sim como instrumentos para chegar ao governo e nele se manter por tempo suficiente para tomar o poder. Enquanto continuarem pensando (e agindo) assim, não serão atores admissíveis do ponto de vista da democracia liberal. Sempre é bom lembrar que a democracia liberal é medida por uma visão negativa do poder político: não propriamente a capacidade do governo de se impor à sociedade, mas a capacidade da sociedade de controlar o governo.

A maioria das análises sobre o governo Lula erram, entretanto, por desconhecer o que é uma organização política com as características do PT. Sugere-se uma releitura atenta da terceira parte de Origens do Totalitarismo de Hannah Arendt (1951), sobretudo das passagens em que ela fala da força de uma “organização viva” (ou, como disse Lula recentemente sobre o PT: do “único partido com cabeça, tronco e membros“).

Um trecho, em especial, deve ser lido e relido:

As organizações de vanguarda cercam os membros dos movimentos com uma parede protetora que os separa do mundo exterior normal; ao mesmo tempo, constituem a ponte que os leva de volta à normalidade e sem a qual os membros, na fase anterior à tomada do poder, sentiriam com demasiada clareza as diferenças entre as suas crenças e as das pessoas normais, entre a mentirosa ficção do seu mundo e a realidade do mundo normal. A engenhosidade desse expediente, durante a luta do movimento pelo poder, é que a organização de vanguarda não apenas isola os membros, mas lhes empresta uma aparência de normalidade externa que amortece o impacto da verdadeira realidade de maneira mais eficaz que a simples doutrinação.

Organizações desse tipo criam uma espécie de réplica do mundo, perfeitamente lógica, mas de uma lógica distinta daquela que orienta o pensamento das pessoas que não veem a realidade refratada pela organização. É por isso que o PT está achando que temos uma situação revolucionária no Brasil. Mesmo na ausência de condições objetivas, avalia que bastam as condições subjetivas (configuradas pela volta do PT ao governo) para avançar em seu projeto de controle sobre a sociedade.

E é por isso que o PT não vai abrir mão de seu projeto de se delongar no governo até conseguir controlar a sociedade a partir do Estado aparelhado pelo partido. Ele sabe que não há mais condições objetivas para alcançar tal objetivo. Mas já definiu como imperativo não sair do governo. Para seus partidários é um tudo ou nada. Vamos ver o que acontecerá.

Enquanto isso, porém, o colunismo político continua achando que Lula está cometendo erros porque está mal assessorado ou influenciado por uma suposta “esquerda do PT”. Dois erros conjugados. O primeiro é que Lula não está errando em nada. Como mostrei em artigo nesta Crusoé, intitulado “Lula não está cometendo nenhum erro, ele está acertando em tudo, de acordo com sua concepção, que é a concepção do PT. O segundo erro é que a esquerda do PT é o PT. É a presidente do partido. É a tendência majoritária do PT, não um grupo marginal minoritário. E é, fundamentalmente, o presidente de honra eterno (e dono) da organização.

Lula está acertando em tudo. É justamente por isso que ele não é admissível do ponto de vista da democracia liberal.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. Lula e PT almejam o que Putin e Li já conseguiram. Perpetuação no poder. Mas, para nossa sorte nosso projeto de autocrata já demonstra sinais evidentes de debilidade física e senilidade mental e, simplesmente, não vai dar tempo para completar a obra e a ``obra´´. Lula sendo retirado de cena pela megera levará à derrocada e desaparecimento desta seita maldita. Putin já está levando a Rússia ao colapso e o terceiro mandato de Li fará o mesmo com a China.

  2. A parceria do PT com a elite do Judiciário já caracteriza uma ditadura, caçam opositores, revogam leis aprovadas pelo Congresso ou legislam pelo Congresso.

  3. Não há mais dúvida que o objetivo do bando no poder em infeliz unção pelo povo nas urnas indevassáveis do dr. Verboso é virarmos e rápido um lixo à venzuelana ou se sorte tivermos um galinheiro à argentina aqui com a quadrilha "peronista" na essência a escravizar nação de manés de si algozes ... e tome jerimum rabo arriba em vez da picanha prometida enquanto a prima dama Esbanja se esmera na construção de um Taj Mahal no Alvorada para nossa intrépida Muntaz . e aos cães as sobras do butim !!!

  4. Parabéns! Mais um excelente artigo. Ver a realidade como ela é, de fato, não é para muitos. A maioria das pessoas, infelizmente, cai na armadilha das interpretações fantasiosas dos fatos. Lula e Bolsonaro são farinhas do mesmo saco. Até quando o nosso Brasil continuará a ser governado por esse tipo de gente? Eu pergunto e eu mesmo respondo: quando eliminarmos o analfabetismo funcional. Sem educação não há esperança.

  5. Artigo preciso, visão correta. A mentalidade desse governo é seu partido levará o País ao desastre do atraso e da pobreza. Muito triste o que se passa em nosso Brasil.

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