Foto: Adriano Machado/Crusoé

O Congresso está maduro para o parlamentarismo?

O Legislativo dá sinais de querer mais espaço na formulação de políticas públicas, que é onde o jogo grande acontece. É aí que entra a questão do parlamentarismo – ou do semipresidencialismo
18.05.23

“Deputado, se Lula decidir gastar irresponsavelmente, o Congresso Nacional lhe colocará freios?” A pergunta nada inocente foi feita em uma noite de segunda em Brasília, quando as caldeiras da política ainda não esquentaram, a um influente parlamentar que concedia uma coletiva informal a jornalistas num pequeno restaurante da cidade.

O contexto da conversa era o futuro da relação entre Executivo e Legislativo, ainda longe de chegar a um equilíbrio. A faísca da indagação foi o discurso do presidente Arthur Lira (PP/AL) em evento realizado em Nova York no qual defendeu o papel do Congresso Nacional como ator garantidor dos avanços institucionais/reformistas obtidos nos últimos anos, como a autonomia do Banco Central, o novo Marco do Saneamento, a privatização da Eletrobras e a Lei das Estatais, entre outros.

Hoje há um impasse claro – retratado na metáfora “presidencialismo de trincheira” – na qual nem os líderes do Congresso Nacional e nem o Planalto conseguem avançar em uma agenda. Apesar de boa parte da imprensa analisar rasamente o problema, apenas como uma questão pecuniária, de má distribuição de emendas e cargos, a realidade é mais complexa do que isso. Além da dimensão material, que é condição necessária, mas não suficiente para o governo construir sua base, o Legislativo quer um compartilhamento da formulação de políticas públicas, que é onde o jogo grande acontece.

O processo de formulação de um marco regulatório, por exemplo, traz os setores empresariais para dialogarem, dá mídia para os relatores, gera aprendizado de políticas públicas e permite um contato qualificado com setores da sociedade. Se esse processo fica encapsulado na Casa Civil, se o projeto já vem todo negociado do Planalto, cabendo ao Congresso apenas o papel de carimbador, a correlação de forças entre os poderes fica desbalanceada. Um modelo mais equilibrado é o que o Congresso quer e Lula teima em não reconhecer porque não confia nos parlamentares (nem mesmo nos do PT).

A pergunta de 1 milhão, portanto, é a seguinte: e se Lula não ceder? Se decidir não compor e mantiver a agenda de reversão, apostando excessivamente na capacidade de costurar acordos que, até agora, não deu o ar da graça? O que acontecerá se, em meados do segundo semestre, ficar claro que a economia não vai dar as respostas que o governo espera até 2024 e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, começar a ser fritado pelo seu partido? E se resolver, em resposta à falta de perspectiva, agredir, por exemplo, a autonomia do Banco Central para desviar a atenção? Será o Congresso a voz da razão?

É aí que a questão do parlamentarismo – ou semipresidencialismo – aparece.

Mudanças no sistema político podem ocorrer de duas formas. A primeira como rupturas, normalmente seguindo a algum evento dramático, como uma crise econômica, uma guerra ou revolta popular. A segunda, típica de tempos ordinários, vêm por meio de inovações incrementais, avançando ponto a ponto, a partir de decisões que vão sendo tomadas ao longo do processo de desenvolvimento institucional e mirando ganhos marginais.

No horizonte, há as duas possibilidades, embora uma ruptura seja menos provável. O tensionamento endereçado, em maior ou menor medida, deve criar oportunidades para que o parlamento continue avançando nas suas prerrogativas, como tem feito desde a segunda presidência de Fernando Henrique (1999-2002). No curto prazo, a MP de reestruturação do Executivo pode ser alterada ineditamente para que os parlamentares definam, por exemplo, como devem ser distribuídas as competências entre as pastas ministeriais. A gestão de emendas, por exemplo, pode vir a ser realocada no Planejamento, ao invés da Casa Civil.

Frente à paralisia de ação do Executivo no Congresso, corre nos bastidores que Lira e Rodrigo Pacheco (PSD/MG) estão aparando arestas para a discussão de uma agenda do Congresso para o país, que pode até contrariar convicções de Lula. A reversão das mudanças no Marco do Saneamento, a Reforma Tributária e mesmo a política de combustíveis são itens sobre os quais os parlamentares podem requerer liderança e forçar o Planalto a entrar num franco e duro processo de negociação.

Potencialmente, o Congresso terá apoio de grande parcela da sociedade, de boa parte dos setores econômicos mais liberais. Ele já controla muitos recursos orçamentários e convive com um governo que tem sinalizado uma agenda que divide as pessoas. A janela de oportunidade para que algo aconteça, que é o que um analista busca identificar, está aberta.

O teste de fogo é saber se os parlamentares exercerão poder de moderação sobre o governo caso ele resolva chutar o balde fiscal. Daí a malícia da pergunta feita na noite de segunda. Apesar de o deputado não ter respondido, no dia seguinte, a Câmara apresentou uma versão do marco fiscal mais dura do que tinha recebido de Fernando Haddad, com gatilhos que, sabe-se, afetam pontos caros ao PT, como a impossibilidade de aumentar gastos permanentes caso o limite tenha sido descumprido no ano anterior. Tem-se uma dinâmica típica de processos de amadurecimento: mesmo que uma pessoa – ou uma instituição – ainda não confie em si, vai tendo que se superar para dar conta dos desafios imediatos.

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  1. Eu sou a favor de um regime parlamentarista (votei assim no plesbicito de 1992), porém o que está sendo instalado no Brasil é um "parlamentarismo jaboticaba". Não há parlamentar que aceite o fim de seu mandato se não conseguirem formar maioria convocando-se novas eleições, não há o compromisso deles com o gabinete formado, sempre querem uma negociação nova a cada projeto importante a ser votado (e novos "jabaculês"). São quase todos (ou todos) uns "Justo Veríssimo", o personagem de Chico Anysio.

    1. Com os atores eleitos pelo povo não vejo a menor chance de sairmos disto MAS a cassação ilegal e imoral de Dalagnol deputado eleito e diplomado algo que só sua casa pode fazê-lo É O MOTE para o parlamento estocar o bando em seu coração já que qualquer um sabe o que e quem dá sustentação ao bando empoderado ... Lira com processo nas mãos de TofolI ex advogado do "hômi do qual não se pode dizer las qualitás" com 2 anos sob vistas (pasmem é isto mesmo) terá tutano para freá-los? yo no lo creo.

  2. O parlamentarismo seria uma vacina contra o populismo, contra a esperança de eleger o salvador da pátria. Talvez melhore a qualidade dos eleitos para o congresso a partir do entendimento de que o Congresso definirá o rumo do País

  3. Em santa ignorância o povo equilibrou o Congresso Nacional mas ainda elegeu canalhas que se vendem ou se rendem ao poder ditador sem qualquer reação . não tenho dúvida em afirmar que corremos sério risco de antes do Natal vivermos uma ditadura bolivariana com uma elite a comer caviar e uma nação a lamber o seu lixo e "primus actus" do cínico teatro enfiado rabo a dentro de idiotas a abóbora em vez da picanha e a sra. Esbanja a construir o Taj Mahal no Alvorada ... só falta a banheira de espuma.

  4. Sinceramente, não está maduro, mas prefiro um parlamentarismo com voto distrital do que esse nosso modelo capenga de presidencialismo de coalizão, altamente populista, da esquerda à direita. No fim das contas, não somos sequer uma democracia madura, haja visto uma tentativa recente de golpe militar e atualmente a censura que estão querendo nos impor. Que venha o parlamentarismo! Tá na hora do congresso dar a cara a tapa pra população.

  5. 1- o sistema político está definido na constituição. Qualquer alteração a ele sem consulta popular, de forma declarada ou disfarçada, é golpe; 2- não interessa qual o o sistema, com os atores que temos qualquer deles falhará.

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