DivulgaçãoBalzac: Seus personagens que vivem no contexto revolucionário e pós-revolucionário francês, com a novidade da imprensa.

Fake news e as ilusões perdidas de Balzac

No mundo descrito pelo romancista francês, jornais eram criados, eram vendidos a antigos inimigos ou faliam, tudo muito rapidamente. A imprensa era uma força disruptiva como hoje é a internet
05.05.23

Em 2022 foi lançado o filme As Ilusões Perdidas, baseado no romance homônimo do francês Honoré de Balzac. Dirigido por Xavier Giannoli, o filme retrata o conturbado contexto pós-revolucionário na França, em que jornais nasciam e morriam, autores obtinham a glória repentina, reputações eram destruídas – não raro por mentiras. Hoje seriam chamadas de fake news.

Tudo isso está no filme e no livro. A comparação com os tempos atuais é inevitável.

O livro é um dos mais importantes de Balzac. Há quem diga que é sua obra-prima junto com a continuação, Esplendores e Misérias das Cortesãs. Oscar Wild chegou a dizer: “A tragédia da minha vida é a morte de Lucien de Rubrempré [protagonista das Ilusões Perdidas]”. As Ilusões Perdidas são parte da Comédia Humana, conjunto monumental de romances de Balzac, com 95 obras em 17 volumes.

Napoleão inspirou com seus feitos toda uma geração. Balzac não foi diferente. Ele dizia que desejava completar com a pena o que Napoleão fez com a espada. Enquanto o imperador conquistou um mundo, ele criava um mundo à parte, diretamente de sua imaginação. E de sua pena.

Se Dante Alighieri escreveu A Divina Comédia, um poema épico e teológico, Balzac escreveu a Comédia Humana, marco do romance realista. Para Otto Maria Carpeaux “a história do romance como gênero literário divide-se em duas épocas: antes e depois de Balzac”. É que o nome – romance – vem de história romanesca, fora do comum. Balzac a transforma em “espelho de nosso mundo, de nossas cidades e ruas, de nossas casas, dos dramas que se passam em nossos apartamentos e quartos”.

Seus personagens vivem no contexto revolucionário e pós-revolucionário francês, com novas perspectivas de ascensão social, e com a novidade da imprensa.

Balzac dedica grande parte do livro a uma descrição minuciosa dos processos de impressão. O desenvolvimento de tal tecnologia permitiu a grande influência que a imprensa passou a ter – de consagrar obras ou artistas, derrubar ministros ou até mesmo governos inteiros.

Lucien de Rubempré é um poeta da província, almeja a glória literária, se torna amante de uma baronesa e vai a Paris. Mas lá, o jovem provinciano não é bem aceito, é desprezado, passa por necessidades. Até que encontra esse grande carrossel de possibilidades que é a imprensa.

Ali podia-se comprar a aprovação de um livro, de um autor, de uma peça de teatro. Ou, melhor ainda, podia-se comprar uma crítica negativa. “Os artistas pagam os elogios, mas os mais hábeis pagam as críticas”, diz o narrador do livro. É que a polêmica é o pedestal das celebridades, também segundo ele. Se não se tem uma, fabrica-se.

Jornais eram criados, eram vendido a antigos inimigos ou faliam, tudo muito rapidamente. A imprensa era uma força disruptiva como hoje é a internet.

A internet e as redes sociais são o que atualmente produz celebridades instantâneas, cria e destrói reputações, faz fortunas, gera mobilidade social com uma rapidez nunca antes vista. Também se paga por aprovação, por elogios, por críticas, criam-se polêmicas artificiais. Até o teatro de variedades – outro elemento marcante daquele contexto pós-revolucionário – se parece com o que hoje temos no Instagram e Tik Tok.

Atualmente, a imprensa de tornou um poder estabelecido, mainstream. E recentemente, no Brasil, parte da imprensa apoiou a iniciativa do Governo Lula de regular a internet com a PL 2360, o que abre espaço para a censura nas redes. Também a imprensa, naquelas circunstâncias da Restauração da Monarquia Francesa, veio a ser regulada. O governo monarquista fez votar leis contra a imprensa, a fim de amordaçar a oposição. Era o fim dos pequenos jornais e de uma época.

Terão a internet e as redes sociais – esse imenso show de variedades, ao mesmo tempo um espaço disruptivo – o mesmo destino dos pequenos jornais sob a Restauração?

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  1. Questão pertinente e texto perspicaz. Para a última questão, a diferença é que, dessa vez, a imprensa, futuramente censurável, aplaude as determinações desse PL por crer que a censura apenas cairá sobre seus rivais das mídias sociais, nessa afã desesperado de recuperar os perdidos dinheiro, prestígio e poder.

  2. Balzac deixou importante contribuição literária, ressaltando as hipocrisias existentes nos códigos de comportamento do homem. Concluiu em 20 anos a sua “Comédia Humana”, um retrato verossímil das faces perversas, em geral dissimuladas, de grupos sociais em ascensão. É muito útil que o jornalismo recorde trabalhos dos grandes autores, como fez a “Crusoé” nesse artigo de Teófilo. Se legados como o de Balzac se perderem no esquecimento, tempos virão em que perderemos também referências e sabedoria.

    1. Muito bom esse paralelo. Os jornais eram majoritariamente opinativos, partidários e ideologicamente engajados. A diferença é que era preciso saber escrever para se destacar e hoje o texto foi substituído pelos vídeos e tais.

  3. ...essas referências de Balzac são, além de : Redes Sociais de Castell e Bourdieu , são fundamentais à compreensão da obsessão da esquerda brasileira e mídias tradicionais pelo controle das redes sociais.

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