Circo itinerante
Foi em 1910 que o fazendeiro Francisco Madero desafiou o então presidente mexicano Porfírio Díaz nas eleições.
O resultado seria uma sucessão de eventos conhecida como Revolução Mexicana, o mais mortífero conflito na história do continente americano, com 2 milhões de vítimas e que serviu de base para a construção do atual México.
Díaz, um general forjado na guerra entre o México e a França, de 1861-1867, presidia o país com poderes ditatoriais há 31 anos. Em 1910, buscava sua 8ª reeleição, contando com apoio dos americanos.
Figura polêmica, Díaz é mais conhecido por aqui por ter cunhado a clássica frase “Pobre México, tão longe de Deus, tão perto dos Estados Unidos“.
Ironicamente, Díaz foi um grande entusiasta das relações entre os Estados Unidos do México e os Estados Unidos da América.
Sob seu governo, americanos se tornaram onipotentes na agricultura mexicana, com investimentos massivos, que levaram a uma concentração de terras sem igual, com 97% das terras nas mãos de 1% dos agricultores, motivo pelo qual os EUA sentiam-se confortáveis em fazer vista grossa para prisões políticas (como a de Madero), além de outras brutalidades.
As relações entre os dois países é repleta de momentos de tensão do tipo, para usar de um eufemismo, como não deixam mentir Los Angeles, San Francisco, San Diego e outras dezenas de marcas da origem mexicana de boa parte do território americano.
Justamente por isso, é simbólico que os dois países estejam entre um dos maiores exemplos de integração econômica recente.
Unificar países ricos e pobres sob um mesmo bloco é uma receita complicada, fadada a gerar problemas, como mostram os casos de disparidades entre a Alemanha e a Grécia, ou outros países menos afortunados da União Europeia.
Ainda assim, o caso do México, por meio do Acordo de Livre Comércio da América do Norte (que inclui ainda os EUA e o Canadá), é simbólico.
Trata-se de um acordo essencialmente comercial, visando a integrar a economia dos três países.
Lançado em 1993, no mesmo período em que George H. Bush propunha a Alca (Área de Livre Comércio das Américas), o Nafta durou até 2018.
O motivo da extinção, que ocorreria em função da assinatura de um novo acordo entre os três países durante o governo de Donald Trump, foi justamente o oposto daquilo apregoado no Brasil dos anos 1990 e início dos anos 2000: Trump considerava o acordo ruim para os Estados Unidos.
Na prática, enquanto a esquerda brasileira de reunia para denunciar as intenções malignas dos EUA de dominar as economias locais, o que ocorria era o exato oposto.
Durante esse período o México construiu um sólido saldo comercial com os EUA.
Em 2019, os dois países comercializaram US$ 677 bilhões, uma cifra superior a todo o comércio exterior brasileiro. O resultado foi um superávit comercial de US$ 98 bilhões para os mexicanos.
Estimativas de um relatório do Congresso americano de 2010 apontam que o Nafta foi responsável por criar 23,1 milhões de empregos, dos quais 5,4 milhões nos EUA.
A ausência de tarifas de importações também contribuiu para menor custo de vida nos EUA, uma vez que o petróleo mexicano passou a ser mais barato que o do Oriente Médio.
O total de investimentos dos EUA no México saltaria 600%, de US$ 15 bilhões para US$ 104 bilhões.
Esse aumento expressivo de investimentos levaria ao exato oposto do que nossos políticos mais à esquerda pregavam por aqui. Estados como Califórnia, Novo México, Michigan e Texas, perderam 600 mil empregos em manufaturas com empresas migrando para o México (justamente o motivo de Trump demandar uma revisão).
Como saldo final, o Congresso americano estimou em 0,5% o crescimento anual gerado pelo acordo.
Como ironia das ironias, o lado negativo para os mexicanos ficou com o fato de a agricultura americana ter tomado parte do mercado do país. Em suma, o México se tornou mais industrializado e perdeu espaço na área agrícola.
Tudo isso, claro, não chega a ser novidade. Desde ao menos 9 de março de 1776, quando Adam Smith publicou A riqueza das nações (curiosamente 117 dias antes da independência americana), sabemos que o comércio é uma questão fundamental na criação de riqueza.
Por causa disto, e neste momento em que o presidente brasileiro circula pela Europa dando declarações estapafúrdias sobre a invasão russa à Ucrânia, convém relembrar uma pauta renegada por aqui: o livre comércio.
O acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia teve suas discussões iniciais ainda em 1999. Em 2019, após duas décadas de conversas, chegou-se a uma conclusão.
Desde então, porém, a ratificação do acordo segue a passos lentos. Um dos maiores entraves está justamente na questão agrícola. Franceses temem que o acordo possa prejudicar o país e por causa disso se utilizam de desculpas como “preocupação com o meio ambiente” por parte do Brasil.
A viagem à Espanha foi uma boa oportunidade de retomar essa discussão. Infelizmente, porém, as manchetes mais uma vez ressaltam as falas do presidente Lula sobre a guerra na Ucrânia, deixando em segundo plano o acordo.
A Espanha irá presidir a União Europeia neste ano, sendo portanto parceiro fundamental para avançar no acordo. O Brasil por sua vez deverá assumir a liderança do Mercosul.
Trata-se portanto de uma obrigação do atual governo sedimentar esse acordo, em especial pois durante seus outros dois governos, o atual presidente limitou-se a dois acordos comerciais, com o Egito e a Palestina.
A expectativa é de que o acordo Mercosul-UE elimine impostos de importação para cerca de 90% dos produtos entre os dois blocos.
Seria o suficiente para dar um boom no comércio, atualmente em pífios US$ 90 bilhões (entre importações e exportações). O valor é o equivalente a apenas as exportações brasileiras para a China.
A viagem do presidente brasileiro à Europa, portanto, é uma oportunidade única de levar adiante um acordo que poderia beneficiar, e muito, o país. Algo que deveria, em tese, estar acima de opiniões furadas a mando do Kremlin sobre a guerra no leste europeu.
Felippe Hermes é jornalista
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No final de abril de 2014, portanto há 9 anos atrás, Lula na qualidade de ex-presidente do Brasil, concedeu uma leviana entrevista à televisão portuguesa RTP afirmando um monte de besteiras, bobagens sem fundamento sobre fatos que o levaram à prisão. Foi cínico e vergonhoso como continua sendo agora. Viva a Lava Jato!
O PT não tem interesse em acordos de livre comércio por 2 motivos: patologia ideológica que encara qualquer acordo de livre comércio entre um país rico e outro pobre como em desfavor do pobre; por ser completamente capturado pelos interesses protecionistas do empresariado nacional
Cada povo faz o governo que merece ... nunca um dito popular foi tão justo ... que lixo.
Assim como o Lula tem opiniões furadas sobre a guerra na Ucrânia ele também conhece pouco de livre comércio.
Com o Descondenado jogando caca no ventilador é difícil qualquer acordo avançar.
Torcemos para que o disparatado envolvimento do nosso obscuro e pouco esclarecido governante nos problemas alheios, não seja mais um empecilho aos nossos interesses nacionais, outra vez!