Foto: Contardo Calligaris/FolhapressO escritor Umberto Eco (1932-2016), que lá do além deve estar gritando "eu avisei! Rede social é o paraíso dos idiotas!"

O país do “not even wrong”

28.04.23

Todo mundo que me lê — obrigado, querida meia dúzia de três ou quatro; se todos fossem iguais a vocês, que maravilha viver — sabe o quanto implico com o mau uso e a má tradução de termos em inglês para substituir palavras do português que estão em pleno uso corrente: vocês sabem, há um pessoal que adora “aplicar” para um curso ou “endereçar” um problema. Este texto, porém, trata de um caso que é o contrário disso: expressões inglesas que ainda não têm tradução corrente e deveriam ter, porque o que elas descrevem acontece o tempo todo nessa contradição em termos que é o “debate político” do Bananão.

Uma delas é whataboutism, substantivo que vem de “what about…?” naquela acepção de “mas e Fulano?”. Em português, trata-se de responder a uma pergunta ou a uma acusação difícil sem responder — fazendo, em vez disso, uma contra-acusação ou levantando uma questão diferente. Fica fácil entender com exemplos práticos: o fenômeno ocorre sempre que alguém fala mal do Lula e o lulista retruca com “mas e o Bolsonaro?”, assim como os bolsonaristas vinham com “e o PT, hein? E o Lula?” toda vez que o Talquei era alvo de críticas. O whataboutism, como se vê, é democrático e pluripartidário: pode ser usado por qualquer um que seja incapaz de dar resposta direta e prefira desviar o assunto.

Outra dessas expressões para as quais é difícil achar uma versão concisa em português — e, aliás, uma das minhas favoritas em inglês — é not even wrong. Ela é usada para descrever alguma coisa que é tão absurda e sem sentido que, para chegar a ser apenas errada, tem que melhorar MUITO. O Brasil nos dá belíssimos exemplos de not even wrong o tempo todo: um deles é aquele economista unicamper que, certa vez, publicou uma tabela de investimentos públicos em relação ao PIB, com o Brasil lá embaixo, dizendo que essa era a “razão do nosso atraso”. No topo da tabela estavam grandes potências como Haiti e Nicarágua; pode ser difícil, mas quem sabe um dia não chegamos lá?

Mas o melhor exemplo recente de not even wrong foi a, digamos assim, performance do glorioso senador Cid Gomes durante a audiência do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, no Senado na última terça (25). O irmão de Ciro decidiu mostrar ao banqueiro como é que se faz: trouxe uma lousa, pegou a taxa de juros dos EUA, usou aquela regra de três que a gente aprende no ensino fundamental e “estimou” o quanto o Brasil economizaria se adotasse os mesmos juros da “Meca do capitalismo” (nas palavras do nobre senador). É JENIAL — afinal, não há diferença nenhuma da economia americana para a nossa, nem em tamanho do PIB, nem em histórico de inflação, nem em nadica de nada. Basta meter a regrinha de três e tá resolvido: pode mandar embora o pessoal do Copom que fica perdendo tempo com aquele porrilhão de números da economia brasileira. Aliás, gostaria que o senador fizesse o mesmo cálculo com o salário do Jeff Bezos e o meu, para saber certinho quanto mereço ganhar.

(A patuscada não terminou aí: Cid exibiu um boné do Santander, onde Campos Neto já trabalhou, e disse “pegue seu bonezinho e peça para sair”. Bom, pelo menos não era uma retroescavadeira; mas teria sido mais divertido o presidente do BC responder oferecendo ao senador um boné da Massey-Ferguson.)

Nem é preciso dizer que essa pororoca de not even wrong foi tratada nas redes como uma “aula” de redução dos juros, o que mais uma vez comprova a clássica frase de Umberto Eco sobre a internet ter dado voz a uma legião de imbecis. Arrisco até dizer que Cid talvez — vejam bem, talvez — soubesse estar falando besteira, mas fez de propósito para viralizar: como as eleições no Bananão têm demonstrado, lacração funciona e elege gente que não passa ilesa pelo mata-burro, mas ainda assim é marginalmente mais inteligente que os idiotas da aldeia que votam neles. Não tenham ilusões: seguiremos elegendo os palhaços mais carismáticos neste país que, para ficar errado, ainda tem de melhorar muito.

***

A GOIABICE DA SEMANA

Que disputa acirrada, meus amigos! A semana começou com Fernando Haddad assegurando que a Shein abriria uma fábrica aqui e ofereceria “cerca de 100 mil empregos” para brasileiros — nem a maior empresa do país, o Itaú/Unibanco, chega a ter 100 mil funcionários hoje. Depois veio Fabio Wajngarten, dublê de porta-voz e advogado da família Bolsonaro, jurar que Michelle Bolsonaro deixou as joias sauditas “dois ou três dias” na cozinha do Alvorada porque, puxa vida, não fazia a menor ideia do que estava dentro do pacote. Mas, na última quarta-feira (26), pintou o campeão: em depoimento à Polícia Federal, Jair Bolsonaro alegou que estava sob efeito de remédios quando postou (e depois apagou) um vídeo com fake news sobre as urnas eletrônicas, dois dias depois do 8 de janeiro. O “foi mal, tava doidão” fica, portanto, oficializado como estratégia de defesa.

O meme que, ao lado de “foi sem querer querendo”, resume a defesa de Bolsonaro
 

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  1. Pelo andar da carruagem, a escolha das goiabices mais estupefacientes vai ser por rol alfabético a cada semana. Além da ordem por importância e popularidade dos protagonistas, em geral oriundos do poder

  2. Os irmãos Gomes estão mais para Patati e Patatá sem a graça dos profissionais circenses. Coitado do Campos Neto foi jogar pérolas aos porcos.

  3. Saudades do finados chacrinha, gênio de programas de auditório. Distribuia bacalhau para o seu público. Futurista da ignorância de nossos políticos já exclamava para os presentes. "Não vim para esclarecer. Vim para confundir". Brasil, piada pronta.

  4. Unicamper é ótima essa. Falou que veio de lá já está habilitado para falar qualquer coisa e "ai" de quem contestar. Agora, estou esperando qual "bolsominion" vai defender o seu MITO doidão. Dá para defender? Se for "baseado" diríamos que faz menos mal que a cachaça, que é apreciada por outro presidente, de igual compostura.

  5. E se ainda fosse acrescentar todas as barbaridades que escutamos nesta semana do nosso ilustre turista em Portugal, a Crusoé precisaria de uma edição extra. Teria que fazer o cálculo do Jeff Bezos. Pobre de nós que não têm para onde correr.

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