Divulgação/Redes SociaisEm 2015, economia caminhava para uma retração de 3,8%, maior do que a queda no pior ano da pandemia

A culpa é da Dilma

O partido superestima a variável política e subestima os erros econômicos, acreditando que desta vez tudo vai dar certo porque “Lula é o cara”
27.04.23

A vaia monumental de mais de 1.500 empresários fez o ministro Gilberto Kassab perder seu ar natural de quem tem sempre tudo sob controle. O local era o imponente teatro Castro Alves, em Salvador. O quando era setembro de 2015, início do segundo mandato de Dilma Rousseff (PT), que ainda não poderia saber que estava a apenas oito meses do seu afastamento e a um ano do seu impeachment. O motivo era a tragédia anunciada da economia, que caminhava para uma retração de 3,8%, maior do que a queda de 3,3% registrada em 2020, pior ano da pandemia.

No discurso interrompido pelos atos de agravo, raríssimos em eventos empresariais com autoridades, Kassab tentava explicar que a redução do ritmo da economia era uma consequência da desaceleração chinesa. De fato, uma matéria de Natália Cacioli e Yolanda Fordelone publicada no Estadão no dia 25 de agosto, mostrava que o volume de valores exportados para o país asiático havia caído 19,4% nos últimos 12 meses e os preços de produtos importantes como soja, minério de ferro e petróleo estavam em média 21% menores do que em 2011.

Traduzindo, o boom das commodities havia acabado e estava obrigando o Brasil a fazer um pouso forçado do qual o país só escaparia se sua pauta de exportações fosse mais diversa e a capacidade de análise das razões do crescimento ou da falta dele fosse mais sofisticada.

O fato é que o constrangimento imposto ao ministro anunciava que a crise cobraria seu preço político e a inabilidade de Dilma Rousseff a tornou um alvo fácil. Pesava contra a presidente não apenas a dificuldade de dialogar com o Congresso, mas principalmente a traição cometida pelo seu próprio partido. Quando Joaquim Levy assumiu o ministério da Fazenda com a missão de fazer um freio de arrumação ortodoxo, o primeiro a discordar da sua agenda foi o PT. Por sua vez, ao perceberem que petistas não apoiavam a agenda impopular, outras legendas aliadas também tiraram o corpo fora, freando o governo e criando a condição inicial para o impeachment, isto é, a sensação de paralisia decisória.

Numa última tentativa de salvar o governo, Dilma tentou nomear Lula para a Casa Civil, ato bloqueado pelo juiz Sério Moro, que experimentava o auge da popularidade com a operação Lava Jato. É difícil saber se o ex-presidente salvaria o mandato de Dilma (muita gente boa jura que sim), mas o fato é que a condição central para a crise ainda estaria à mesa: uma contração econômica monumental que exigia saídas que o PT não tinha capacidade de formular, nem de apoiar.

De todo modo, a narrativa foi criada. A culpa era da Dilma, muito mais do que a agenda econômica petista. Se ela tivesse habilidade para manter todo o mundo político remando para o mesmo lado, como Lula faria se lá estivesse, seria mera questão de tempo para que o período de prosperidade voltasse a ser experimentado. Nasceu assim um dos mitos mais perigosos dos últimos tempos,  porque cria as bases para uma repetição da política econômica.

Todo esse exercício não deseja reabilitar Dilma. Mas entender por que o PT resolveu voltar a paradigmas antigos que remetem à nova matriz econômica. A hipótese é a de que o partido simplesmente não fez qualquer avaliação crítica do período em que comandou a economia a atribuiu toda responsabilidade do naufrágio de 2015 à instabilidade política, não percebendo que sua origem se deu exatamente na piora do cenário externo e na pouca capacidade de reação do país. O partido superestima a variável política e subestima os erros econômicos, acreditando que desta vez tudo vai dar certo porque “Lula é o cara”.

Na reportagem já citada, o então presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, dizia que “o País não soube aproveitar o bom momento dos preços dos insumos e não fez acordos comerciais quando tinha força para negociar” e pecou por se colocar “como dependente da China, e não o contrário”. Roberto Dumas, da FGV, disse à época que “em vez de apenas estimular o consumo, o governo precisava ter melhorado a capacidade produtiva”. Essas análises, que hoje podem soar como avisos, são familiares para quem tem acompanhado o noticiário recente sobre declarações que revelam o tamanho da aposta que Lula tem feito nesses velhos dois pilares, China e Consumo, como motores do desenvolvimento econômico.

A questão “o que o PT aprendeu após o governo Dilma”, que passou longe de ser respondida durante a campanha, continua sendo feita com muita intensidade pelo mercado, demais agentes econômicos e pelo Congresso Nacional, que não consegue identificar ainda qual é o plano do novo governo para o país. Mas, se a agenda fiscal do ministro Fernando Haddad disfarça as formas reais do que o partido pensa sobre a economia, há sinais de que a verdade não tardará a chegar.

Membros do Congresso Nacional já conversam nos bastidores como será a reação do governo quando ficar claro que o crescimento econômico deste ano e de 2024, ano de eleição municipal, já está comprometido. Um cenário bastante provável é que o PT critique Haddad e exija que ele migre para um caminho “raiz”, isto é, com aumento de impostos, endividamento e investimentos estatais. Sem apoio político, pode caminhar para uma nova falta de perspectiva econômica e outra crise política. E tudo isso porque, lá atrás, se acreditou que a “culpa era da Dilma”.

 

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