AlexandreSoares Silva

DivulgaçãoA nova imortal Heloisa Buarque: é só ativismo político

Campanha por menos escritores na ABL

27.04.23
O melhor que se pode dizer de Heloisa Buarque de Hollanda é que ela não tem relação nenhuma com o Chico Buarque de Hollanda

Heloisa Buarque de Hollanda é a mais nova integrante da Academia Brasileira de Letras.

Não, não é a Miúcha, que também tinha esse nome e que morreu inocente de livros. Esta Heloisa Buarque de Hollanda é a autora de Feminista, Eu?, Explosão Feminista, Pensamento Feminista Hoje: Perspectivas Decoloniais, mais uns outros tantos livros com “feminista” no título, e o que parece à primeira vista ser um livro sobre a Regina Casé e o Luís Fernando Guimarães.

É só ativismo político. Ela mesma diz isso em todas as entrevistas que dá. “O que eu estou fazendo é uma militância”, responde quando lhe perguntam o que a motiva a escrever. “É o que eu posso dar. Virou um projeto político.”

Segundo o seu próprio site, Heloisa é também autora de artigos como “A Academia ao Sul do Cyberspace”, “O Declínio da Autoria na Web e nas Artes”, “Vida Literária na Web”, “Política Cultural ao Sul da Web”, etc. Sim, Heloisa é o tipo de pessoa que ainda fala “web”, e como todas as professoras encantadas com a internet você meio que espera que ela fale “internautas” ou “rede mundial de computadores”.

Literatura de avozinha prafrentex. Livros de senhorinha ainda lúcida que vai sozinha na feira. Essa datada imortal de Ribeirão Preto parece aceitar todas as inovações juvenis do ativismo atual com uma ansiedade evidente de não ser deixada pra trás.

Em entrevistas: ”Essa geração nova, que tem um gás e uma consciência incrível já adquirida…” “A geração dos anos 90 não era feminista e não se interessava por isso. Mas de repente com a internet explodiu essa quarta onda do feminismo. As filhas nos traíram, mas as netas nos resgataram. É uma alegria ter essas ‘netas’ mandando ver (risos).”

E por aí vai. O vocabulário, pelo menos o vocabulário de ativista, é au courant: “escravizados” no lugar de “escravos”, “povos originários” no lugar de “indígenas” ou “índios”, “decolonial” pra todo lado, etc.

O feminismo, diz ela, foi uma fascinação na sua pós-graduação em Nova York. “Você começa a ler tudo com outro olho, que é seu, mas que até então nunca tinha usado.”

Parece que estou recebendo uma revelação sobre os métodos de leitura das feministas que eu preferiria não ter recebido. Isso lembra o velho poema:

Camões, poeta caolho,
Grande vate português,
Enxergava mais com um olho
Do que nós todos com três.

Eis um poeta que merecia entrar na ABL, mas infelizmente morreu anônimo.

Numa entrevista para o UOL:

P: Qual é o grande mérito da escrita feita por mulheres?
HBH: A mulher bota a primeira pessoa no texto, sua biografia, coisa que o homem não faz. É uma visão do texto completamente diferente. A mulher registra sua experiência e diz de onde está falando. Homem não diz de onde está falando, porque homem é “universal”, é “a verdade”.

Talvez ela tenha razão, e as escritoras mulheres não consigam mesmo escrever com objetividade, e tudo no que elas escrevem seja “eu, eu, eu, eu, eu”. Talvez eu mesmo já tenha dito algo parecido, embora com o atenuante de que eu nunca disse que era feminista, quanto mais nos títulos dos meus livros.

Mas duas coisas: primeiro, quem me dera que os escritores homens atuais realmente escrevessem assim, como um Tolstói universal da objetividade flutuando no espaço da observação pura. Isso acabou faz muito tempo, e todos eles parecem agora estar “botando a primeira pessoa no texto, sua biografia”, como ela diz.

E a segunda coisa: não encaixo minha escritora favorita, Muriel Spark, nisso que ela está falando; nem George Eliot, Edith Wharton, Willa Cather, Mary Renault, Molly Keane, ou Donna Tartt. Mas que sei eu sobre “literatura feminina”?

Enfim. Toda vaga que abre na Academia Brasileira de Letras vem essa discussão de que não-sei-quem não deveria poder entrar, “porque nem escreve literatura”.

Essa polêmica é sempre colocada nos termos errados. O problema de Gilberto Gil, Heloisa Buarque, Sarney etc não é que não escrevem literatura. Antes fosse, porque o que é menos prejudicial para a literatura do que pessoas que nem sequer escrevem literatura? 

O problema deles é que seja o que for que eles fazem está perto demais da literatura. O que escrevem tem uma semelhança caricatural e deformada com a literatura, e essa semelhança distante é obviamente pior que não escrever coisa nenhuma.

Deem-me um honesto não escritor! Tem gente demais que escreveu livro na ABL. Ela deveria abrigar todas as pessoas que nunca escreveram um livro nas suas vidas. Chamem pagodeiros, perfumistas, taxidermistas, um sujeito que vende quibe.

Os livros de HBH não são literatura, certamente, mas a sua semelhança caricatural com a literatura me faz desejar que quem tivesse entrado na ABL fosse alguém incapaz de escrever uma lista de compras; alguém como um filhote de weimaraner, ou um gorila que se comunica por gestos marcel-marceausescos, ou até um envelope com sessenta sementes de girassol.

O melhor que se pode dizer de Heloisa Buarque de Hollanda é que ela não tem relação nenhuma com o Chico Buarque de Hollanda. E às vezes me parece uma boa ideia chamar todo mundo que não tem relação nenhuma com o Chico Buarque de Hollanda para entrar na Academia Brasileira de Letras.

 

Alexandre Soares Silva é escritor

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500
  1. Muito bom. A desfiguração da literatura pela lente pessoal e activismo exacerbado é um argumento extremamente oportuno

  2. Pois é… vale tudo mesmo, exceto premiar com a tal imortalidade quem construiu carreira e notoriedade sem par, escrevendo e contando longas estórias para a criançada… chega a parecer resultado da inveja e do temor de comparações entre os fardados!

    1. Obviamente estou falando do brilhante Maurício de Souza e sua Turma da Mônica.

  3. Tiririca é um nome de peso para ocupar uma próxima cadeira na ABL, a letra de “Florentina” nada deixa a dever aos escritos dos demais 39 membros.

  4. Quando vi que Fernanda Montenegro iria ganhar uma cadeira na Academia chegou ao fim todo o respeito que essa entidade deveria manter. Ainda que Sarney eu já não tivesse engolido e nem Gilberto Gil. E gostei muito, mas muito mesmo sobre a sua frase; o melhor que se pode dizer de Heloisa Burque de Hollanda é que ela não tem relação nenhuma com o Chico Buarque (outro que nos dá alegria em manter-se longe)

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