Foto: Rosinei Coutinho/SCO/STFAlexandre de Moraes, designado sem sorteio para relatar o "inquérito das fake news", que acaba de completar 4 anos

Meus três pedidos no aniversário do inquérito das fake news

17.03.23

Odeio festas de aniversário. Vou só para não ficar chato. Comprar presente então, afe, que martírio. Mas acredito que essa minha birra seja porque no Brasil, em geral, o que faz aniversário é ruim e o que é bom não dura.

Veja, amigo leitor: na política, é comum a piada de que os mais corruptos são longevos. Nas cortes de Brasília, sempre foi um folclore a idade avançada de magistrados casca-grossa. Com a limitação de idade de 75 anos, isso aparentemente havia se resolvido, mas parecem ter encontrado uma forma de nos torturar, nomeando magistrados jovens, alguns deles bem indigestos. Dessa forma, mesmo que saiam aos 75, duram… duram… e como é duro que durem…

Uma outra coisa que tem durado demais é o inquérito 4781, alcunhado como “das fake news” por uns, “do fim do mundo” por outros, rebatizado depois como “dos atos antidemocráticos”. Muito bem, o inquérito completa nesta semana exatos quatro anos de existência. Como passou o tempo sem notarmos, como o inquérito cresceu, está um homenzinho, deve estar pensando o leitor. De fato. E eu não posso me furtar a esta festinha de aniversário; afinal, advogo nele desde seu início — mais precisamente, desde que esta revista Crusoé, dentro do inquérito, sofreu censura do STF, nos idos de abril de 2019.

Para os que têm memória fraca, ou seletiva, o tal inquérito já começou errado. Com base em uma interpretação insolente do artigo 43 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, que prevê a possibilidade de investigação pela corte de crimes ocorridos nas dependências do tribunal, entendeu-se que potenciais ofensas digitais ao STF atrairiam sua competência. A interpretação era ainda acompanhada da designação do ministro Alexandre de Moraes, sem nenhum sorteio, e do afastamento do Ministério Público de atos jurídicos e decisões judiciais mais relevantes.

Dali para a frente, foi só para trás. Tudo passou a ser sigiloso, ninguém mais sabia do que tratavam as investigações e até hoje, após quatro anos, assim permanece. Num e noutro momento, prende-se um zé-ninguém; numa e noutra ocasião, vira-se o canhão a um político que nada tem a ver com a investigação, mas que, por supostamente ter propagado alguma mentira, desinformação, fake news, ódio ou ter deixado de ir à missa, cai nas garras do inquérito.

E assim tem sido. Mas por qual razão? Imbuído desta dúvida sincera, nesta semana da festinha de aniversário do inquérito, dou uma de chato e, além de tratar aqui das mazelas do aniversariante, na hora de cortar o bolo, passo à frente de todos e faço eu os três pedidos. Depois, deixarei que confraternize com os seus em silêncio — ou melhor, em sigilo.

Meus três pedidos são:

1) Mostrem o resultado das investigações: que grande indústria das fake news foi desbaratada? Que grande golpe foi impedido? Que financiador está por trás do que quer que seja? O inquérito custa aos cofres públicos, ao bolso de todos; logo, temos o direito de saber como estamos gastando nosso dinheiro.

2) Se não querem mostrar a todos o resultado das investigações, mostrem ao menos aos investigados e a seus defensores. Que se cumpra a súmula vinculante 14 do próprio STF, que determina que todo defensor deve ter acesso amplo aos elementos de prova dos autos para o devido exercício de defesa.

3) Se não querem mostrar o resultado das investigações a ninguém, após quatro anos, passo a ter razões para acreditar que não há resultados e, neste caso, por sua duração irrazoável e ausência de causa justa a que siga, que se encerre.

Sabemos bem, caro leitor, que os pedidos feitos ao se cortar um bolo nem sempre se realizam. Não tem problema. No aniversário de cinco anos, volto e os refaço. Alguns desejos são pedidos tão óbvios, concretos e razoáveis que demora mesmo um pouco para que as pessoas tenham coragem de realizá-los.

 

André Marsiglia é advogado, professor e articulista. Escreve sobre direito e política.

@marsiglia_andre

andremarsiglia.com.br

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  1. Caro André, me parece que essa coluna é anti-democrática. Talvez seja boa ideia incluí-lo no inquérito - Alexandre de Moraes.

  2. O artigo me faz refletir sobre as instituições "inclusivas" e "extrativistas". O progresso de um país se deve às instituições. Parece que estamos falhando há muito tempo.

  3. Não há mesmo adjetivo melhor para esse inquérito do que "do fim do mundo", do mundo jurídico, do mundo da Constituição, do mundo da razoabilidade, do mundo dos fatos. Estamos agora no mundo que o Exmo. magistrado diz que quer que seja. Parabéns pelo artigo.

  4. Ok, mas... Tem certas coisas que não se resolve porque não se quer resolver. No caso das fake news, por exemplo, fala-se muito mas não se age para resolver o problema. Basta a identificar o autor do suposto ilícito, coisa as big techs podem fazer. Identificado o autor caberá à justiça a tarefa de julgar o que é ofensa, garantida a liberdade de opinião. Vale lembrar que no Brasil é vedado o anonimato. Portanto, se a mensagem for apócrifa, ou de origem desconhecida, não se publica. Simples assim!

  5. Além de produzir ilegalidades e abusos por parte do judiciário esse inquérito serve para o Escalvado praticar seu deslumbramento. O pior disso é o congresso acovardado e o consórcio de mídia leniente.

  6. Inquérito é para investigar infração penal (obviamente já ocorrida), para apurar a autoria e as circunstâncias do crime. É uma aberração jurídica este inquérito abarcar outras situações ocorridas após sua instauração, ficando patente sua utilização em caráter policialesco e para perseguir desafetos. VERGONHA. Deve ser encerrado e tornado público para que as arbitrariedades neles contidas sejam expostas e exemplarmente punidas.

  7. Num inquérito a vítima só pode ser a vítima. Não pode a vítima ser investigador, acusador e julgador. Ora bolas... assim a vítima acabará por ser também réu.

  8. Perfeito, Marsiglia! Chuta o traseiro dessa turma (os auto-proclamados editores da nação) pra ver se acordam e cumpram estritamente seu papel constitucional !!

  9. Muito, muito bom, Marsiglia! Lendo vc logo após o Alexandre S Silva, vemos o panorama perfeito de onde estamos hoje. Lembrei de Nelson Rodrigues: “ o mundo será dominado pelos idiotas, não pela capacidade, mas porque são muitos”.

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