Marcelo Camargo/Agência Brasil

Diabólica tragédia no Nordeste brasileiro

Nem avisadas da iminência de quebra-quebras, saques e incêndios comandados de celas das prisões autoridades evitam que eles ocorram
17.03.23

“Do fundo do meu coração, se fosse para cumprir muitos anos em alguma prisão nossa, eu preferia morrer”, disse, em novembro de 2012, o ministro da Justiça da terceira gestão petista na Presidência de nossa insana República, José Eduardo Cardozo. Como se não bastassem a ênfase suicida da frase e a estupefação causada num auditório inusitado, reunindo a fina flor da burguesia brasileira em São Paulo, pela confissão bombástica, Sua Excelência ainda a exalou convocando o testemunho do músculo cardíaco, cuja pulsação testemunha sua vida. Apelos à Indesejada das Gentes à parte, é útil lembrar que, apesar de nunca ter sido forçado a conviver com prisioneiros em celas, o profissional das leis tem larga experiência de ofício no cálculo para atingir o ápice do apelo. Com ele o ocupante da pasta mais antiga do governo federal reagiu a um relatório da Subcomissão de Prevenção da Tortura da ONU. Nele foi denunciado o estado terminal de muitas prisões brasileiras, chegando ao ponto de recomendar o fechamento imediato do presídio Ary Franco, ainda funcionando como porta de entrada do sistema penal no Rio de Janeiro. O documento detalhava que ali foram registrados casos de tortura e tratamento degradante aos detentos, além de as celas apresentarem condições de insalubridade, sujeira e estarem infestadas de insetos.

A bomba retórica atinge grau mais elevado de explosão pelo fato de que o militante do PT era, então, o mais graduado encarregado pela administração do sistema presidiário nacional, tendo sua parcela de responsabilidade por parte relevante do problema. E, principalmente, pela política de Estado a ser adotada, se não para pôr fim a esse absurdo, pelo menos para atenuar seus efeitos. Qual o quê?! Passados 11 anos e meio da confissão capaz de fazer o bispo de Hipona, Santo Agostinho, tremer na tumba, o cidadão livre desse martírio e financiador do aparato estatal montado para isolar os malfeitores dos patrícios de bem nunca foi informado de nada que possa contestar ou relativizar a consequência bombástica do discurso ministerial, ou seja, oficialíssimo. Se há algo no planeta chamado Terra que possa ser comparado com as penas a serem purgadas no inferno, descritas no Apocalipse do evangelista João, no poema fundador da transmutação do dialeto toscano para a língua italiana da lavra de Dante Alighieri ou nos folhetos de cordel do genial Leandro Gomes de Barros, são as ditas “canas duras”. No mundo em geral e no Brasil em particular, por nosso estado de catalepsia agônica. Comprovam a afirmação as consequências funestas das rebeliões deflagradas nesse ínterim em estabelecimentos penais como o de Alcaçuz, em Nísia Floresta, na mesma Grande Natal que agora pena, Manaus, Salvador, Monte Cristo (RR), Itaitinga, na região metropolitana de Fortaleza, Altamira (PA) etc.

Desde o episódio momentoso de Carandiru, em São Paulo, a violência interna nas celas reflete guerras de facções criminosas, que exploram a superlotação dos ambientes prisionais. No Brasil há 725 mil pessoas presas, ficando atrás apenas da China (1,6 milhão) e dos EUA (2,1 milhão) em população carcerária. As prisões do país têm uma taxa de ocupação de 200% — ou seja, elas têm capacidade para receber somente a metade do total de condenados. Os massacres das madrugadas de terça-feira, 14, que se estenderam até após quarta-feira, 15 de março, revelam uma novidade que deveria acender de vez o sinal de alerta apagado de nossas imprevidentes autoridades públicas. Desta vez, não são banhos de sangue no intimidade dos calabouços, mas perturbações da ordem e da paz das ruas além dos muros que antes confinavam as vítimas. Das duas vítimas fatais da madrugada de terça, uma tinha participado de ataques a ônibus, prédios públicos (inclusive sedes de prefeituras) e estabelecimentos comerciais privados. A outra, um comerciante, tentou defender-se.

A diferença relevante do momento é que o comando parte de ordens dadas pelo celular de dentro das celas, mas as vítimas ensangüentam as calçadas, o asfalto das vias públicas e imóveis particulares. As consequências são nefastas não apenas para a ordem e a segurança, mas ainda para a rotina do cidadão livre de pena impossibilitado de transitar pelo seu habitat no cotidiano. Na terça e na quarta, as prefeituras de Natal e Mossoró suspenderam o funcionamento de serviços públicos. Nas redes sociais, a prefeitura de Mossoró, burgo famoso por ter impedido a entrada de Lampião em suas ruas, divulgou a paralisação em escolas, unidades de saúde e unidades de assistência social. Lá transporte público e sistema de coleta de lixo foram suspensos. Em Natal, a coleta também foi suspensa. A prefeitura anunciou ainda que, para garantir que a população se desloque pela capital, apenas táxis, veículos do transporte escolar e semoventes de fretamento turístico podem circular. A Universidade Federal do Rio Grande do Norte voltou a suspender as aulas presenciais em todos os seus campi após o sistema rodoviário anunciar nova paralisação na circulação de coletivos.

A impotência do poder público para evitar esses efeitos maléficos é grotesca. O coronel Francisco Araújo, secretário de Segurança Pública do Estado do Rio Grande do Norte, confessou, como se fosse algo natural, que o governo foi avisado das ações criminosas e tinha reforçado o policiamento para tentar conter os atos. “Colocamos todo o sistema em atenção, com ações que começamos a empreender ontem à tarde para atenuar qualquer ação que tivesse”, informou, confessando publicamente a própria incapacidade de enfrentar o desafio de marginais que assumem em comunicados lavrados em espinhos da flor do Lácio a condição de instituição republicana, o “crime”, promovido a força armada pública.

Apesar disso, a professora Fátima Bezerra, governadora em segunda gestão, estava em Brasília enquanto o tal do crime saqueava 18 municípios de seu estado e se dava ao luxo de invadir com idêntica violência cidades da vizinha Paraíba. No segundo dia de conflagrações, toda a coragem que lhe restou foi para admitir: “Estamos trabalhando 24 horas, como é nosso dever. Ainda não é possível garantir a normalidade no total, mas está diminuindo a violência”. Como diria o locutor esportivo Sílvio Luiz, “pelo amor de meus filhinhos”

Aos cidadãos indefesos, desprotegidos na reação ao banditismo institucionalizado, que ousa usar a sofisticadésima tecnologia telefônica para comandar desastres, resta somente prestar atenção ao dístico que o poeta florentino da Divina Comédia imaginou na porta de seu visitado: “Deixai toda esperança, ó vós que entrais”. A quem tem tirocínio suficiente para saber o alcance disso tudo, restará mudar o título da própria desgraceira anunciada invertendo o título da obra de Dante: Diabólica Tragédia.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor.

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  1. Uma criminosa vagabunda esmaga o povo potiguar usado como boi de piranha para a revolução assassina bolivariana que uniu os PeTralhas ao PCC e o sangue de tolos jorra.

  2. A governadora, em Brasília, teve ainda de dar uma declaração em que "condenava" as ações dos bandidos. Isso mesmo, o estado pegando fogo, os cidadãos reféns e o melhor que ela tem a fazer é condenar os ataques. Se tal incapacidade não é digna de impeachment eu não sei o que seria.

  3. Falta de visão, descaso e uma série de desmandos políticos continuam produzindo resultados como esse. Até quando a sociedade brasileira vai continuar convivendo pacificamente com isso?

  4. O povo sem escola, sem saúde pública,sem coleta de lixo, vivendo um inferno e os presos com celular ,comandando a barbárie nas cidades. Cada povo tem o governo que merece

  5. E as verbas do governo federal chegam no RN mas não são utilizadas… Como pode isso? Onde fica o tribunal de contas do estado? E as políticas públicas?

    1. É no caos que os bandidos se criam. A classe política (com raríssimas exceções) ,não se interessa em construir uma Nação. Seus interesses está acima de tudo e de todos.

  6. Similar a um grande zoológico, as feras presas são da raça humana também. Eles observam o cidadão comum sem qualquer fraternidade e sabem, pelo modelo econômico e social que adotamos que não haverá grade suficiente para tantas feras. A panela de pressão não tem válvula de escape e o fogo em sua base é constante. Os felinos vão facilmente devorar os cordeiros quando as grades caírem.

  7. A questão social econômica e criminal no Brasil São "coisa de teóricos ". O problema virá quando " Homens Práticos " entrarem em cena. A corrupção , o roubo , desprezo a valores familiares , violência cotidiana , insegurança física e econômica estão no limite da tolerância. Até quando a " tampa da chaleira " vai aguentar ?

  8. Brilhante seu artigo. Além de trazer dados históricos, nos faz compreender melhor as condições em que nós brasileiros precisamos viver. Não posso deixar de comentar, inclusive que, essa Prefeita é somente o que se pode conseguir em um dos cantos esquecidos do Brasil. Ela não tem competência e inteligência para gerir o problema que o RGN sofre, não de hoje.

  9. Essa maluca Fátima não competência para gerir cantina de colégio primário. Viram a atuação dela no Senado. Fica-se com vergonha de nosso País. Coisa ridícula.

  10. Chamem-me do que quiserem. Sou do Ceará. Meus irmãos nordestino são (2/3) SAO manipulados por ladrões daqui mesmo. Fátima Bezerra? Viram a atuação dessa sra. No Senado? Manipulada, só falava asneira, manda pela dama do consignado Gleise. O O Rio Grande do Norte Teria outro destino? Ferrem-se. Quem ele anta vai ser comida de onça, idiotas.

  11. Eu não entendo o governo Lula, tem um ministro da Segurança Pública e Justiça, que foi no complexo da Maré no RJ, sem qualquer escolta armada, sentou lá, fez reunião, tirou fotos e nada de tiros, então temos um verdadeiro pacificador. Para resolver no RN é só o Dino ir lá a e aplicar a mesma técnica que usou no RJ. Mas vale um lembrete, complexo da Maré é dominado pelo CV (e usa CPX como sigla de sua áreas) o mesmo que Lula usou, ,as RN o problema é o PCC, sou seja um rival do CV.

  12. O crime organizado é o “braço armado” da esquerda. Eles, neomarxistas que são, sabem que o povo trabalhador não quer saber de revolução, quer emprego e salário para dar uma voda decente à sua família. A visitinha do comunista Dino, à area dominada pelo tráfico no Rio, é um sinal de que coisas piores virão.

    1. O crime organizado já se instalou no governo. E não de agora. Colômbia, Venezuela e México são aqui.

    1. @Marcia E., até fui injusto, nem sei contra quem ela concorreu, pois provavelmente deve ter sido polarizado igual nas eleições federais, então independente de quem vencesse, o resultado seria sempre ruim.

    2. Naquelas paragens me parece difícil imaginar que hajam bons gestores públicos. Quem manda mesmo são essas organizações que contam com mentes engenhosas e estratégicas.

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