Foto: Adriano Machado/CrusoéBolsonaro, que foi chamado de "turista" pelo antigo aliado Marcos Pereira e cobrado por não fazer oposição no Brasil

A direita sem Bolsonaro

Jair Bolsonaro, ao que tudo indica, não conseguirá iniciar uma tradição política; sobram liberais e conservadores evangélicos, que não conversam
17.03.23

“Bolsonaro é um turista nos EUA. (…) Se ele fosse líder da oposição, ele teria de estar fazendo oposição aqui no Brasil”. Com essa declaração feita em entrevista para o jornal Folha de S.Paulo, o presidente do partido Republicanos, Marcos Pereira, definiu o estado terminal da coalizão de grupos de direita que governou o país principalmente nos últimos dois anos e levantou a dúvida sobre qual será o futuro desse espectro ideológico na política brasileira.

Para simplificar a análise, é um bom caminho separar a direita em três grupos: liberais, conservadores/evangélicos e bolsonaristas. Os dois primeiros estratos são mais antigos, tendo marcado presença em governos passados. Os liberais vivenciaram seu auge no período Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), e os conservadores/evangélicos ainda vivem um processo de expansão. O Republicanos, por exemplo, partido mais “puro-sangue” desse segmento, cresceu 62% entre 2018 e 2022 em número de mandatos, considerando Câmara, Senado, Assembleias e governos estaduais, incluindo aí o comando de São Paulo, estado econômica e eleitoralmente mais importante do país.

Os bolsonaristas “surgiram” em 2018 como uma materialização do antipetismo e algum nível de revisionismo histórico no que toca ao papel do regime militar (1964-1985) na vida do país. Com apelo popular, receberam o apoio de liberais e conservadores só no segundo turno. Além de não verem o então candidato Fernando Haddad como uma opção viável após o processo de impeachment (2016), esses grupos acreditaram que Bolsonaro poderia servir como um “cavalo de Troia”, no qual seria possível injetar agendas reformistas na economia e frear iniciativas progressistas em matérias de comportamento. Pode-se dizer que a estratégia foi bem-sucedida em ambas as frentes.

Bolsonaro, no entanto, não se reelegeu em 2022 e, ao que tudo indica, não conseguirá iniciar uma tradição política, considerando que corre sério risco de ser impedido judicialmente de concorrer a novos mandatos. E, mesmo colocando a questão legal de lado, o fato é que o ex-presidente parece não ter ânimo nem condições de tocar um novo projeto presidencial, tendo desperdiçado a janela de oportunidade de construir uma oposição conservadora popular no Brasil ao não reconhecer a derrota, não anunciar bandeiras pelas quais iria continuar lutando, não ter deixado manifestações populares agendadas antecipadamente em datas simbólicas e abandonar o país sem dar explicação.

Dessa forma, sobram de novo liberais e conservadores/evangélicos — que, no entanto, não conversam. Líderes da academia e do mercado que compõem o grupo liberal deixam transparecer que não gostam da origem popular dos neopentecostais, além de questionarem a legitimidade de misturar fé com eleições. Os evangélicos, da sua parte, carecem de influenciadores ilustrados para chegar principalmente à classe média laica. Assim, acabam não participando do debate que forma a “grande” opinião pública e continuam sendo vistos com preconceito pelo establishment.

Nesse cenário, é natural se perguntar se liberais e conservadores evangélicos podem fazer uma aliança e como essa aproximação pode se dar. Além disso, é preciso saber o destino do espectro bolsonarista que caminha para ficar órfão do seu principal líder.

Olhando para o pragmatismo que uniu os três grupos em 2018, é natural que uma nova ponte entre eles tenha mais chance de ser construída se houver um nome viável para 2026. Para os liberais, esse nome nem sequer necessita estar na direita, como a trajetória do PSDB demonstra longamente. Se houver uma alternativa progressista/reformista, como o governador Eduardo Leite, do Rio Grande do Sul, há boa chance de um embarque por proximidade de círculos sociais comuns.

À direita, há pelo menos três nomes hoje que podem conectar esses grupos diferentes, todos também governadores de estado: Tarcísio de Freitas (São Paulo), Romeu Zema (Minas Gerais) e Ratinho Júnior (Paraná). Entre eles, o líder paulista, embora seja carioca, é o que tem mais pontos a seu favor pelo fato de governar o estado mais populoso e rico do país, ser evangélico, estar em um partido evangélico (Republicanos), ter proximidade com a elite econômica e ter maiores chances de ser incensado e receber o espólio de Bolsonaro, lançado que foi pelo ex-presidente à posição que ocupa agora.

Seu principal problema é o timing, pois os paulistas não têm sido muito compreensivos com governadores que largam seus primeiros mandatos para tentarem aventuras nacionais. Nesse aspecto, o tempo favorece quem está no segundo mandato, como Zema, que também governa um estado-chave e vem do meio empresarial, e Ratinho Júnior, que tem a mentoria de Gilberto Kassab, um dos principais jogadores do xadrez político brasileiro atualmente e que certamente tem todos esses cenários do mundo na cabeça.

Outra força que pode unir liberais e conservadores serão eventuais decisões do atual governo, lembrando sempre a lição de que não são oposições que vencem eleições, mas situações que as perdem. Nesse sentido, a pesquisa recente com gestores do mercado financeiro feita pela consultoria Quaest que evidenciou a desaprovação consensual da política econômica do governo Lula, por um lado, e a força demonstrada pela esquerda identitária na montagem dos ministérios, por outro, são elementos suficientes para sugerir que ambos os grupos têm incentivo para permanecerem oposicionistas, mesmo que com atuações separadas.

No campo das ideias, um “match” estaria numa releitura brasileira de O Espírito Protestante e a Ética do Capitalismo, escrito pelo sociólogo alemão Max Weber. Nele, o pensador identificou em aspectos da religião calvinista elementos para a formação de uma cultura propícia ao desenvolvimento de relações econômicas liberais e ligadas à prosperidade individual. Se nossos ilustrados econômicos puderem enxergar na secularização da doutrina neopentecostal um caminho para a construção de uma cultura liberal num projeto de longo prazo, algo que os partidos conservadores/evangélicos já sabem, podem promover um casamento que possa ir além da conveniência eleitoral. Apenas assim podem sedimentar uma oposição orgânica capaz de fazer frente ao esquerdismo progressista que já está na sua enésima fase de maturação.

Se Bolsonaro inaugurou a “direita turista” para fazer frente à “esquerda caviar”, hoje é impossível vislumbrar um futuro para o seu projeto. Deve sobrar para ele o papel de um grande eleitor, assim como foi o final de carreira de Paulo Maluf. Já o processo de construção de uma oposição é um projeto hands-on, como se ouve muito na Faria Lima e como Marcos Pereira traduziu para o português — isto é, algo que exige viabilidade eleitoral, união entre estratos sociais diferentes, alguma convergência ideológica e, claro, um adversário em comum. Todas as condições existem em potencial, com exceção da última, já bem personificada no presidente Lula.

Leonardo Barreto é cientista político

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  1. Como liberal, nada me importa a origem popular do eleitor evangélico, mas sim a sua vulnerabilidade à influência do pastor/bispo, esse sim muito mais preocupado com a melhor forma de sacar sua próxima isenção fiscal do que com um projeto de país com que eu possa concordar.

  2. Leonardo, se você puder explicar melhor o que quis dizer com "pode-se dizer que a estratégia foi bem sucedida em ambas as frentes" se referindo ao governo bolsonaro? Não consegui achar nada bem sucedido nessa desgraça - olha que eu votei nele em 2018... Nem na economia, nem na pandemia, nem na agenda liberal, nem na conservadora, nem nas armas, nem nas privatizações, nem nas reformas e nem da reforma da previdência que saiu meia boca e "apesar" dele! Pode explicar melhor por favor? abraço.

  3. O que tem de estranho em tudo isso, é o seguinte: foi a esquerda progressista e identitária, que jogou no colo da direita, os conservadores religiosos. Via de regra, esses conservadores o são apenas nos costumes, e não na economia, o que significa que pra eles a pauta econômica de esquerda é muito tolerável. Assim sendo, o que os afastou do Lulismo, foi a competição com as pautas progressistas/identitárias - que acharam lugar na esquerda, e não no liberalismo, com o qual até combinariam mais.

  4. Bolsonaro é anti-petista, e só! Está longe do conservadorismo! Não tem substância política, é imprudente e claramente metido a ditador. Portanto, não tem atributos necessários para representar a direita. O Brasil precisa ser repensado politicamente, a começar pela busca de novos caminhos, longe dessa polarização artificial. Direita e esquerda, no nosso caso, não passam de retóricas para manter plateias.

  5. Infelizmente, por tudo que JB plantou e desconstruiu nestes últimos 4 anos, a direita sai de 2022 muito chamuscada e desprestigiada. Felizmente, novos bons e promissores exemplos de direita séria e competente insinuam-se para 2026…

    1. Eu não vejo o bolsonarismo como direita e sim como extrema-direita. E tudo que é extremista não é bom. De outro lado não consigo ver esses grupos evangélicos como representantes de uma religião, são seitas onde o povo sofre lavagem cerebral e os chefes vivem uma vida nababesca. Se for evangélico, ou ligado a grupo evangélico, não terá meu voto. Simples assim.

  6. Nosso País só terá alguma chance de se desenvolver, se os extremos forem eliminados. Espero que a Centro-direita (civilizada) tenha reais condições de se concretizar …

  7. Construção intelectual mergulhada e complacente com o pântano da política brasileira: desmancho, desmoralização e inversão de valores. O maior problema atual do país é a impunidade obscena que predomina. Enquanto esta praga não for neutralizada continuaremos atolados, os recursos continuarão à ser desviados. Dr. Moro é o presidente que o Brasil precisa.

  8. Leonardo, desejo que essas suas palavras sejam bem lidas pelos bolsonaristas, e que estes esqueçam, de vez, o Bolsonaro medroso e fujão, que deixou muitos órfãos acreditando que ele voltaria como Jesus encarnado. Bolsonaro mostrou-se incompetente politicamente, uma vez que ele estava com um grande número de seguidores-eleitores, perdeu por pouco, e perdeu a oportunidade. Que não incomode mais o brasileiro.

  9. Acho muito difícil… O #bolsopetismo é idêntico ( ainda que no extremo oposto ).Os de direita, centro direita e conservadores ( em essência ), tem muito mais em comum com liberais! Evangélicos, fiquem na fé ( alguns na fé cega ), mas longe da política.

    1. Concordo…evangélicos fiquem longe da politica. O que se viu até agora é o uso da “fé” pra alçar estes falsos religiosos a postos nos governos. Vivem de enganar os mais humildes e mamarem nas tetas do Estado.

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