Adriano Machado/CrusoéO Congresso brasileiro: suprimido em nome da democracia, sob a justificativa de torná-la mais eficiente

Um alienígena visita nossa democracia

Se ele, acostumado a visitar países pelo mundo, pousasse sua nave por aqui, perceberia num piscar de olhos que somos um país autoritário
10.02.23

Parece que Executivo e Judiciário enterraram de vez o Legislativo brasileiro.
Num único mês, o governo Lula conseguiu emplacar um combo que atropela todas as leis que protegem as liberdades de expressão no país.

Na Advocacia-Geral da União (AGU), instalou uma procuradoria para fiscalizar, processar e punir quem desinformar a respeito de políticas públicas ou, na prática, quem contrariar a versão oficial do que o governo faz. O Judiciário não deixou por menos. As Cortes de Brasília, acostumadas a suprimir as funções do Ministério Público em seus inquéritos sigilosos, agora legislam, inventando, sem diálogo com o povo ou seus representantes, um projeto para regular as mídias.

Se algum alienígena, acostumado a visitar democracias maduras pelo mundo, enganado pela propaganda, pousasse sua nave por aqui, perceberia num piscar de olhos que somos um país autoritário. Que nossos demais poderes da República entendem o Congresso como um grande incômodo. Num país onde manda quem pode e obedece quem tem juízo, como fazer sentido um poder que vive de debater ideias? Se o Judiciário determina o que pode ou não ser feito e dito, se o Executivo empreende e realiza, se em conjunto ditam ordens que servem como se leis fossem, de fato, parece inútil um Congresso que somente fala, fala e não faz nada.

Dirá o visitante alienígena, estudioso das democracias, que “falar” é, para o Legislativo, “fazer algo”. Mas o alienígena argumentará em vão e, se insistir, terá seu perfil no Twitter derrubado.

O meu atento leitor decerto estará pensando que eu e o alienígena estamos completamente errados em nossa avaliação, pois o Congresso terá perdido sua credibilidade por outra razão: ser corrupto. Longe de mim contrariar o leitor dizendo que a casa do povo não é chegada, muitas vezes, a uma polpuda propina, mas precisaremos ser muito pouco maliciosos para acreditar que apenas o Legislativo se corrompe. Seria até mesmo ilógico concluir que os demais poderes são impolutos, menos o Congresso, pois quem afinal o corromperia se assim fosse?

Se nossa corrupção é sistêmica, um elemento naturalizado, caro leitor, desqualificar apenas o Congresso e crer nos demais poderes parece no mínimo injusto. O buraco, creio, é mais embaixo. Acontece que nosso Parlamento, mais do que corrupto, tornou-se inútil em nossa República. Executivo e Judiciário, com base nesse sentimento em relação ao Congresso, já há muito tempo governam sozinhos e absolutos no Brasil. Só não vê quem não quer. Mesmo a alienígenas visitantes, fica claro que o Congresso é mero coadjuvante; os atores principais são e estão nos demais poderes, que propõem, legislam, executam e punem. Sobra para o Legislativo o papel cartorário de carimbar suas realizações.

Porém, o mais estranho ao nosso alienígena, experiente estudioso das democracias mundiais, será notar que, no Brasil, o Legislativo foi suprimido em nome da democracia, sob a justificativa de torná-la mais eficiente. Pior ainda, Executivo e Judiciário venderam a narrativa de que limitam e controlam as liberdades do povo para lhes assegurar a democracia. E o povo aceita e aplaude as medidas que lhes são impostas, agradecidos por tamanho zelo.

O alienígena definitivamente fica confuso: como é possível um país salvar sua democracia sem Legislativo e sem liberdades, elementos estruturadores da própria democracia? Cuidado, esta é uma pergunta antidemocrática, alguém alertará ao alienígena, que pensará melhor e decidirá ir embora visitar outras democracias na América Latina. Recomendaram-lhe agora passar na Venezuela.

André Marsiglia é advogado, especialista em Liberdades de Expressão. Escreve sobre Direito e Política.
@marsiglia_andre
andremarsiglia.com.br

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  1. O Brasil sempre foi uma Cleptocracia, e as instituições organicamente vão se moldando para maximizar o roubo e minimizar a chance de serem punidos.

  2. Discordo. O Congresso ganhou muito poder desde a presidência da Dilma. Infelizmente, sendo um poder a soldo, permite muitas vezes se rebaixar aos outros 2, mas também sabe puxar de seus galões quando julga necessário.

  3. O congresso age na delinquência a maior parte do tempo, as altas cortes estão contaminadas e convivem na promiscuidade, o executivo nunca foi alheio às tramoias e agora com o Descondenado não tem freio.

  4. Aí a gente faz de conta que o autor também está defendendo a Democracia... Não está saudoso da situação anterior, né??

  5. Otima análise! E muito preocupante é a exiguidade de jornalistas e parlamentares diante a esta situação esdrúxula, a grande maioria silente, condescendente, militante e indolente, como se estivéssemos na mais absoluta normalidade.

  6. Perfeita análise. Quando haverá uma “ sociedade civil organizada” que fará jus ao nome, para por um paradeiro nessa gente torpe?

  7. Marsiglia e o Alienígena, estão certos: congresso, judiciário e executivo são sistemas corruptos, porém endêmico, de fato, no país da Jaboticaba é a impunidade.

  8. A velha frase cai como uma luva para nossos atuais Executivo e Judiciário: democracia é quando eu mando e você obedece, ditadura é quando você manda e eu obedeço.

  9. Quero acreditar que alienígenas existem e façam uma grande abdução de figuras como Lula e sua gangue mais próxima, seus fanáticos, e também a turminha do Bozo. Eles teriam material de sobra para estudar o por quê deste país tão rico pode ser tão pobre. Ah! pode levar Gilmar Mendes e alguns outros juízes do STF.

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