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Se não houver alternativa em 2023, não haverá em 2026

Uma oposição democrática não se articula apenas em campanha, como se caísse do céu nos poucos meses anteriores a uma eleição
03.02.23

Começo este texto com um aviso de utilidade pública. Bolsonaro não governa mais. O governante atual chama-se Luiz Inácio Lula da Silva. É o governo Lula que tem de ser fiscalizado pelo Parlamento e pela imprensa, criticado pelas oposições e controlado pela sociedade. É assim que funciona numa democracia.

Ah! Dizem em coro os lulopetistas. Bolsonaro e seus auxiliares cometeram muitos crimes. OK! Que sejam todos então entregues à Justiça. Que a Justiça faça o seu trabalho. É assim que funciona numa democracia.

O que não dá para comprar é a ideia de que, por causa disso, não podemos criticar o governo realmente existente, o governo que entrou, porque temos que exorcizar o governo que saiu. Se fosse assim ficaríamos quatro anos só criticando o governo passado (que não existe mais como tal) e nos abstendo de criticar o governo atual. Não é assim que funciona numa democracia.

Não me canso de repetir. Não há democracia sem oposição democrática. Nenhuma democracia do mundo chegou a ser uma democracia liberal (ou uma democracia plena) sem oposição democrática. A questão é: onde está nossa oposição democrática?

Sabemos onde está a oposição antidemocrática. É a oposição bolsonarista. E ela está viva. Agora mesmo alcançou 32 votos para a presidência do Senado; e 40% não é pouca coisa.

Entre a situação neopopulista de esquerda (que não é liberal) e a oposição populista-autoritária de extrema-direita (que é francamente iliberal), é necessário que exista vida inteligente e razoável na política, o que só pode ocorrer se houver oposição democrática não populista.

Na campanha eleitoral de 2022 surgiu uma esperança para os democratas, esboçada pela candidatura de centro liberal de Simone Tebet. Muitos democratas liberais abraçaram essa candidatura e ela se revelou decisiva para impedir a reeleição de Bolsonaro, que representava, na época, o perigo mais iminente: transformar nossa democracia eleitoral numa autocracia eleitoral. É claro que isso teve de ser feito com a pior solução possível,mas na época a única existente, posto que no segundo turno: reconduzir Lula à Presidência para um terceiro mandato (o quinto do PT).

Para a democracia liberal, a solução foi ruim porque trocamos um populista, Bolsonaro, por outro, Lula – que embora seja um democrata eleitoral, não é liberal (no sentido político do termo). Ora, o venezuelano Hugo Chávez também era um democrata eleitoral quando assumiu (a ditadura na Venezuela só se consumou mesmo com Nicolás Maduro), assim como Evo Morales e Luis Arce, Fernando Lugo, Cristina Kirchner e Alberto Fernández, Maurício Funes e Salvador Cerén, López Obrador, Pedro Castillo e Gustavo Petro. Essa é a companhia dos populistas de esquerda de Luiz Inácio Lula da Silva. Não, não elegemos um Gabriel Boric, líder de esquerda não populista de um dos dois regimes democráticos liberais da América do Sul, o do Chile (com o do Uruguai).

Mas é importante, porquanto revelador da nossa sinuca política, ver o que aconteceu no primeiro turno. Se os que votaram em Simone Tebet achassem que Lula seria um governante adequado, teriam votado logo nele no primeiro turno – e não nela. Se não votaram nele é porque tinham razões suficientes para não fazê-lo. Os que votaram em Simone o fizeram porque ela não era Lula, nem Bolsonaro. Simone, entretanto, recusou o seu papel de defensora da democracia liberal ao aderir ao governismo.

Ninguém votou em Simone para 2026 – não foi uma ação entre amigos para ajudá-la a fazer sua carreira política. Votaram para que ela, mesmo não vencendo o pleito, se dedicasse a articular a defesa de uma democracia liberal (quer dizer, não populista) em 2023, 2024, 2025… Os que nela votaram, entretanto, ficaram pendurados na brocha quando ela passou de armas e bagagens para o governo, servindo ainda de enfeite (juntamente com Alckmin) para uma falsa frente ampla – que na verdade é uma frente de esquerda hegemonizada pelo PT.

Simone seria um ativo importante da necessária oposição democrática brasileira. Que fique bem-entendido. O papel democrático principal de Simone Tebet não seria o de jogar pedra num governo cuja eleição apoiou decisivamente no segundo turno. Nada disso. Seu papel seria o de ajudar a articular uma oposição democrática que pudesse: a) elogiar e apoiar medidas governamentais que avaliasse favoráveis à democracia (e, poder-se-ia acrescentar, ao desenvolvimento humano e social sustentável), b) criticar medidas que julgasse desfavoráveis e apontar alternativas, e c) além disso, tentar substituir o governo eleitoralmente em 2026 ou antes, se fosse o caso, mas sempre segundo a Constituição e as leis, procurando não violar as regras não escritas da democracia sem as quais não se sustenta qualquer sistema legal. Eis resumida, nas linhas iniciais deste parágrafo, uma definição de oposição democrática – radicalmente diferente de uma oposição antidemocrática, que visa sempre a destruição de qualquer governo democrático.

Ao final do segundo turno de 2022 havia um campo imenso para trabalhar uma alternativa democrática não populista. Nesse campo estavam, potencialmente, os que votaram em Lula só para remover Bolsonaro e parte dos que não votaram em ninguém ou até votaram em Bolsonaro apenas para impedir a volta do PT ao governo. Esse conjunto somava dezenas de milhões de brasileiros e brasileiras. Simone renegou tudo isso, imaginando que, como ministra, ficaria em evidência durante mais de três anos, saindo então para se candidatar novamente em 2026 e esperando arrebanhar o apoio dos seus eleitores e eleitoras de 2022. Vai ser difícil acontecer novamente. Os que foram frustrados por sua opção governista, não esquecerão em tão pouco tempo a sua, digamos, “transfugação”.

Pode-se dizer que o “Efeito Simone” vacinou os democratas liberais contra líderança emergentes com pouca convicção democrática. Além de tudo, desmoralizou futuras tentativas de terceira via, dando a impressão de que alternativas à polarização populista são apenas truques eleitorais. Sim, é isso que acontece se, passada a eleição, os próceres de uma via alternativa correm logo para se aboletar no governo do populista vencedor. Lamentável. Seria melhor que apoiassem uma candidatura populista logo no primeiro turno.

Claro que isso não é bom para ninguém, nem para Simone, nem para os democratas liberais, nem para a democracia no Brasil. Mas os democratas liberais não podem ficar esperando Godot em 2026. Se não houver alternativa aos populismos que polarizam a disputa política no Brasil em 2023, também não haverá em 2026. É simples. Não há oposição sem que alguém faça oposição: hoje, não amanhã. Uma oposição democrática não se articula apenas em campanha, como se caísse do céu nos poucos meses anteriores a uma eleição, já pronta e acabada. Sem ter lançado suas raízes na sociedade, acumulado forças com seu desempenho cotidiano, conquistado corações e mentes durante continuados anos, não haverá oposição capaz de competir com os populismos.

E aí, babau. Nem em 2030 será possível não desesperar.

 

Augusto de Franco é escritor

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  1. Interessante... Eu quis acompanhar DAGOBAH no Twitter, assim como faço com vários colunistas, jornalistas, estudiosos, etc... mas, ESTOU BLOQUEADO... Gostaria de saber o motivo ou se foi algum engano... Devo ter comentado alguma coisa que não foi bem interpretado no passado. Se foi isso, sorry, lamento e me desculpo. Privar-me de boas ideias não é a melhor ideia. Gosto do bom debate, muito embora eu esteja muito aquem da sapiência destilada por Augusto Franco e seus colaboradores no site.

  2. Augusto, você não pratica o que propõe, um "oposição democrática", aquilo que seria o papel de Simone Tebet. Você faz oposição sistemática contra Lula como "neopopulista", para que sua ideologia pareça correta, mas para isso precisa falsear a realidade. Lula de 2023 tem o ministério mais democrático da história do Brasil. Gabriel Boric não o alcança em espírito democrático. Quem prioriza a sustentabilidade, a paz, os direitos humanos, a justiça é Lula. Não é você, que só faz oposição sistemática

  3. Penso como o senhor, votei na Simone achando que poderia formar uma oposição firme ao governo Lula, apontasse os erros e as mentiras elaboradas para se tornarem "a verdade". Entrou para um governo que tanto criticou, assim ela perdeu o lugar de oposição liberal e sócio-democrática. Uma pena.

  4. Então RELAXEMOS todos pois o que prevejo que é a total derrocada do país é mera questão de data pois não há a mínima chance deste país a nadar em ódio, ignorância, lama e lixo não ir ao caos e quiçá o nosso Natal este no já não seja um cruel funeral ... FazOÉle e encham o bucho de PICAnha idiotas.

  5. Excelente. Cabelo, barba e bigode. A Simone Tebet deu um conto do vigário em todos nós que acreditávamos numa Terceira Via. Se igualou aos políticos oportunistas, que são a maioria no congresso. Uma líder bolha de sabão.

    1. Você e Augusto de Franco parecem nunca ter estudado o que significa "terceira via".

  6. Corretíssimo. Nunca acreditei na Simone, por sempre desconfiar de políticos de carreira ou por herança, mas ela deu uma forte bofetada em todos os seus eleitores. E sairá o seu tiro pela culatra, pois de maneira alguma o PT permitirá que um possível futuro adversário eleitoral se cacife a tal no seu governo.

  7. Os lulopetistas dizendo que Bolsonaro cometeu muitos crimes soh pode ser piada! O fato do STF ter arquivado os crimes do Lula nao diz nada, os crimes estao gravados a ferro e fogo.

  8. Simone Tebet é só mais uma decepção, entre tantas. Fraca, medrosa e sem condições de liderar NADA. Preferiu a boquinha do governo a trabalhar para o Brasil para tentar liderar a oposição democrática em 2026. Fraca e covarde. Prestou um IMENSO desserviço ao país ao se jogar, sem medo de ser feliz, a um governo de ideias velhas.

  9. Simone Tebet, aliás Simone “Stebs” como bem a chamou o Lula, foi e continua sendo a maior decepção política de toda a minha vida!!! Realmente trocou o Tebet do pai pelo “Stebs” do Ladr@ão!!!! E viva a “liberdade” de expressão!!!

  10. Simone apenas se apegou ao poder. Não concordo com a análise. A trajetória dela foi um fiasco. Se perdeu na CPI da COVID, de extrema covardia ao aceitar agressões às médicas que defendiam o tratamento precoce. Foi candidata porque não se reelegeria contra a ex ministra Tereza Cristina , que se mostrou líder do agro, desbancando a outra de Tocantins. Apoiar a "democracia" com luladrão é apenas mais uma mentira para o cidadão de segunda, o contribuinte, sempre desrespeitado por mentirosos.

  11. Não chorem os que estão apedrejado a Simone, por sua "traição" Ela simplesmente se manteve a tona, para emergir em 25/26 com muito mais musculatura. Esse movimento foi efetuado inúmeras vezes nesse Brasilsão veio de guerra. É um problema nosso e do mundo essa polarização desenfreada. Mas um dia acaba. Espero que acabe bem.

  12. Simone para mim, não é mais alternativa. Que apareçam opositores sérios e responsáveis urgentemente! E que não passe nem perto do #bolsopetismo

  13. Excelente artigo. Mas peca quando afirma que os 32 votos para o senador Marinho representam a oposição bolsonarista. Muitos desses votos são de oposição ao governo Lula, são votos de uma nascente oposição democrática.

  14. O engraçado é que toda semana a Crusoé tem alguma matéria pedindo que se organize uma oposição democrática e séria, mas nunca dá espaço ao Kim Kataguiri, melhor deputado do Brasil, que é de oposição, democrático, sério e altamente produtivo na sua atividade parlamentar!!!

    1. Kim é o melhor deputado sim

    2. Né não, fia. Sou Oficial de Justiça e um dia fui intimar o MBL. Tinha um mandado e encontrei o Kim. O que ele me disse? Que não "reconhecia" o mandado e virou as costas. Na verdade, nunca passou de um moleque brincando de político.

  15. Parabéns pelo artigo, na mosca! Eu preferi votar nulo porque já tinha percebido que as intenções da Simone não eram reais. Ela morreu politicamente é questão de tempo para ela perceber isso, assim como o PSDB morreu lá na época do impeachment da Dilma, só faltava uma pá de cal, que veio em 2022. Infelizmente temos poucas pessoas de convicções, o que se tem mais é oportunistas de direita e de esquerda.

  16. Simone acabou com qualquer ideia de alternativa à dupla de fanfarrões quando aceitou um cargo no governo de um deles. Como vai ser oposição se faz parte da turma por escolha própria e deliberada? Ao final do governo vai pedir pra sair e começar a jogar pedras no chefe? Depois de 4 anos de conluios? Difícil de acreditar numa pessoa assim…

  17. Acha mesmo que a disputa pela presidência do Senado se resumiu a uma quebra de braço entre lulismo e bolsonarismo? Não estavam envolvidas ali também forças com potencial para criar uma cultura de oposição democrática? Dificilmente uma liderança tradicional como Tebet abandonará o adesismo antes de que a necessidade de uma oposição democrática se torne uma pauta relevante na própria sociedade. Não se pode contar com a classe política para liderar esse processo

  18. Votei nela no 1o turno. O 2o turno foi uma desilusão. Criticou o Lula na campanha e depois foi se juntar a ele no governo. Foram palavras vazias.

  19. O problema Augusto, que estamos considerando a Simone como opção para 3ª via, ela nunca o foi, digamos, elas serviu de ajuste para a vitória do "Amigo". Acredito que o movimento dela foi pensado, o que aponta, até certo nível de bom senso por parte da senadora.

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