Foto: Tauan Alencar/Câmara dos deputadosCom Lula: 48% dos entrevistados afirmaram ser contrários à recondução de Lira à presidência da Câmara

Do “bolsolulismo” ao acordo Lula-Lira

O recorde histórico na reeleição de Lira à presidência da Câmara e o capote de Pacheco sobre Marinho no Senado celebram a impunidade, e não a democracia
03.02.23

O deputado Arthur Lira (PP-AL) foi reeleito presidente da Câmara dos Deputados por mais dois anos num único turno, com o apoio de 20 partidos da direita moderada à extrema-esquerda. Obteve 464 votos no primeiro turno, sem enfrentar nenhum candidato de peso, a não ser ínfimos 20 votos do esquerdista Chico Alencar e 19 da direita domesticada, representada por Marcel van Hattem. É a maior votação para o cargo da história. Cinco deputados votaram em branco, completando o quórum de 509 eleitores. Ao contrário do que previam os noticiários especializados desta semana do pleito, também foi reeleito presidente do Senado Rodrigo Pacheco com 49 sufrágios contra 32 do bolsonarista tentando se enrustir Rogério Marinho.

O filho do ex-senador Benedito Lira já estava no cargo com o apoio do então presidente Jair Bolsonaro, da extrema-direita vândala, no biênio 2021 a 2023. Tal apoio foi mantido no pleito atual, mas sua oportunista adesão ao candidato à Presidência da República, afinal eleito, diplomado e empossado, afastou também do ringue o atual e legítimo governo federal. Lula, que afastou as pretensões da ridícula terceira via à polarização com o ex-presidente Bolsonaro, disputou o segundo turno da eleição presidencial vencendo-o depois que ambos puseram de pé o aparentemente inviável “bolsolulismo” e chegaram à disputa final com facilidade. Após a acirrada luta vencida pelo petista por 2 milhões de votos, o atual presidente, disposto a afugentar o espantalho que, de fato, levou sua correligionária e sucessora, Dilma Rousseff, apenada pelo inevitável impeachment em reunião do Congresso presidida pelo então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Ricardo Lewandowski, seu amigo pessoal e por ele indicado à cúpula do Judiciário. Mas preferiu engrossar as fileiras do chefão do Centrão. Como lembrou na cobertura da sessão o ex-deputado Fernando Gabeira, os partidos da aliança governista não apresentaram uma opção viável para enfrentar o ainda candidato de Bolsonaro à permanência na Mesa diretora. Não há dúvidas a respeito: a obsessão de Lula é resgatar a biografia de companheira “presidenta”, que não foi deposta pelo beneficiário, o vice Temer, Sua Excelência sabe muito bem que ela caiu porque insistiu em lançar Arlindo Chinaglia para enfrentar Eduardo Cunha, o Caranguejo da Odebrecht, que fez questão de comparecer à votação da quarta-feira, 1º de fevereiro de 2023, para ver a aliança Lula-Lira triunfar.

O resultado final das refregas na Câmara e no Senado, então, não demonstram a força da democracia. Ao contrário, são vergonhosas comprovações de que a nossa é uma democracia no mínimo capenga sob o comando de um chefão alagoano, que teve votação absurda numericamente porque ninguém se opôs à sua pretensão. Inventor do orçamento secreto e líder das sessões noturnas que aleijaram a lei da responsabilidade fiscal e puseram fim às punições da Operação Lava Jato numa prévia do “bolsolulismo”, que resultou nas eleições do capitão em 2018 e do sindicalista em 2022, passando pela desmoralização do ex-juiz Sergio Moro, Lira não pode ser tido como herói da liberdade da cidadania.

Depois da proclamação, enfim abortada, do crescimento da eventual votação do neto de Djalma Marinho para a presidência do Senado, este levou um capote (gíria de resultados desmoralizantes em disputas esportistas) do já presidente Rodrigo Pacheco. A diferença folgada de 17 votos a favor do atual presidente, apoiado na legislatura anterior pela direita extrema, apesar de ter sido sempre moderado, como mineiro que é, inspira previsões de aprovação das pautas governistas na Câmara Alta. Isso põe em dúvida as profecias apressadas de especialistas, segundo as quais a direita, inadequadamente apelidada de “conservadora”, embora, como comprovam as ocorrências de 8 de janeiro, seja mesmo “demolidora”, teria recebido nas urnas mais poder no Parlamento. De fato, não é bem assim, pois a votação de Pacheco não foi toda de governistas, a menos que se considere Gilberto Kassab um apoiador confiável. Lembro que o dono do PSD, partido de Pacheco, foi ministro de Dilma até o último dia do mandato dela e de Temer a partir do primeiro dia do mandato dele.

Enquanto isso na Câmara apostará certo quem prever que Lira – pouco afeito à gramática como demonstrou na tentativa de ler o texto que algum assessor escreveu em português precário e ele leu em algum idioma desconhecido, que tem vago parentesco com a língua criada por Camões – dificilmente desistirá de ressuscitar sua obra aprovada no desgoverno anterior. O mais provável é que ele presidirá da mesa da Câmara o drible da vaca que o Legislativo tentará dar no Supremo para ressuscitar a maior excrescência da tal democracia à brasileira: o orçamento secreto. Pode anotar aí. E participará de outros avanços da impunidade que garantirá a permanência do Centrão no poder, seja qual for o presidente que se reelegerá no futuro: seja Lula, seja Bolsonaro, que escapará de todas as condenações eventuais e duvidosas, se sobreviver por mais anos. Apesar da acusação que lhe faz o ex-aliado capixaba Marcos do Val, que afirmou ter recusado um convite ao golpe feito pelo ex-deputado Daniel Silveira na presença do eventual beneficiário, Bolsonaro Silveira, por sinal, foi preso um dia depois das votações.

A disputa da presidência do Senado teve ainda a cereja do bolo no lance sujo do bolsonarista cearense Eduardo Girão. que renunciou à candidatura na última frase de seu discurso do candidato para levar vantagem. O que, no final da contas, foi mais um golpe fracassado dos terroristas de extrema-direita. Tais malogros têm sido sempre repudiados pela população. De acordo com pesquisa do Atlas Intel, publicada pelo Antagonista na quarta 1, 48% dos entrevistados afirmaram ser contrários à recondução de Lira à presidência da Câmara e 47% disseram ser contra a reeleição do presidente do Senado. Era o que tinha a demonstrar.

 

José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. A ideologia de muitas "excelências: $$$! (Pobre Brasil, parece que está fadado a jamais "dar certo", a ser uma eterna república de bananas, a viver um eterno "dia da marmota"!)

  2. Entre congressista, sai congressista, a composição das casas segue com o mesmo objetivo de servir-se do que é público. A reeleição do pai e do padrinho do orçamento secreto deixa isso bem claro.

  3. O Congresso que temos é o que podemos ter, dadas a capacidade e ética do povo que o elege. Nenhum vislumbre de mudanças, até onde a vista alcança …

  4. Lira agride a gramática e Nêumanne Pinto agride a pontuação. O texto precisa de uma revisão urgente para se tornar inteligível.

    1. Achei que só eu tinha percebido isso: tem hora que fica difícil entender e estrutura da frase.

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