Pedro França/Agência SenadoLula, Pacheco e Lira, na posse em 1º de janeiro

Os três presidentes do Brasil

A história e os traumas de eleições passadas mostram que os presidentes da Câmara e do Senado também ditam os rumos do governo
27.01.23

Em agosto de 2017, durante comício em Pernambuco, Lula disse que era grato a José Sarney e a Renan Calheiros por terem-no ajudado a “governar esse país”. O então presidenciável se referia ao fato de a dupla de aliados emedebistas ter presidido o Senado Federal por seis dos oito anos de seus dois primeiros mandatos. Lula sabe da importância das presidências das duas Casas legislativas para dar estabilidade a um governo e permitir que ele avance suas pautas. A história é prova disso e fantasmas de eleições passadas para as mesas diretoras devem servir de alerta.

“Um presidente da Câmara e um presidente do Senado que sejam próximos ou aliados do governo facilitam o encaminhamento dos projetos que lhe interessam”, diz o historiador Marco Antonio Villa. Os presidentes de ambas as Casas são responsáveis por incluir e excluir pautas da ordem do dia. Podem acelerar ou retardar o trâmite de projetos legislativos, seja a favor ou contra os interesses do governo.

Exemplo recente, a cumplicidade entre Arthur Lira e Jair Bolsonaro facilitou a promulgação relâmpago da emenda constitucional nº 123, a PEC Kamikaze. A emenda gerou um rombo fiscal de R$ 41,2 bilhões com a criação e a ampliação de programas sociais, em tentativa fracassada de favorecer a reeleição de Bolsonaro no ano passado. Aliás, a própria possibilidade de presidentes se reelegerem no Brasil se deve à relação harmoniosa entre FHC e Luís Eduardo Magalhães quando esse presidiu a Câmara entre 1995 e 1997, e conduziu a promulgação da emenda constitucional que instituiu a reeleição.

O maior caso de sucesso na promoção da agenda do governo no Congresso talvez seja a parceria entre Michel Temer e Rodrigo Maia. O então presidente da Câmara foi fundamental na promulgação das duas principais medidas da gestão Temer: o teto de gastos, em 2016, e a reforma trabalhista, em 2017. Com Maia e com Renan Calheiros e Eunício Oliveira no Senado, Temer aprovou ambas as medidas, apesar da impopularidade delas. Tirando proveito de sua própria rejeição, o governo assumiu a conta e blindou o Congresso. Como Temer disse no final de 2017, “o que fizemos foi aproveitando a impopularidade”.

Do outro lado do espectro, temos Dilma Rousseff. “Ela nunca teve a mínima habilidade ao tratar com o Legislativo”, afirma Villa. E Dilma pagou por isso. Antes mesmo do impeachment, o Congresso, por exemplo, travou proposta do governo para restabelecer a CPMF e promulgou a EC nº 88, a PEC da Bengala, que aumentou a idade de aposentadoria compulsória dos ministros do STF para 75 anos e tirou de Dilma cinco indicações para a corte.

Nos primeiros dois anos do governo Bolsonaro, Rodrigo Maia também serviu de contraponto ao presidente. Ele impediu a tramitação de projetos relacionados à chamada pauta de costumes, que estivera no centro da eleição de Bolsonaro, e criou uma agenda própria, voltada para temas como a reforma da Previdência e a a criação de um novo marco do saneamento — uma agenda que, de certa forma, deu continuidade ao trabalho que o próprio Maia havia realizado no governo Temer. O presidente da Câmara, em diversas ocasiões, deu declarações públicas bastante duras sobre ações de Bolsonaro (e de seu ministro da Economia Paulo Guedes). O que ele não fez, foi iniciar um processo de impeachment.

A abertura de processos de impeachment é prerrogativa do presidente da Câmara. O presidente do Senado pode apenas atrasar o julgamento, mas, se optar por fazê-lo, corre o risco de arcar com um pesado ônus político — afinal, um dos pressupostos do impeachment é a insatisfação generalizada da população com os rumos do governo. Foi assim que Eduardo Cunha protagonizou o impeachment de Dilma, enquanto Renan Calheiros, que presidia o Senado à época, foi apenas um figurante. E é por essas circunstâncias que Bolsonaro prezou pela sua aliança com Lira. “Ele foi conivente com o famigerado orçamento secreto e se acertou com Arthur Lira para garantir a maioria de votos contra possível processo por crime de responsabilidade”, diz o jornalista Ivo Patarra, autor do livro 20 Anos de Corrupção. Até o final de seu mandato, Bolsonaro acumulou pelo menos 145 pedidos de impeachment, mas foi protegido por Lira.

Interferir nas eleições para as mesas diretoras do Legislativo é uma aposta de risco, diz em reservado um ex-presidente da Câmara. Ele observa que, ao tomar partido, o governo pode se ver subitamente do lado dos perdedores. Em 2015, por exemplo, Dilma apostou no petista Arlindo Chinaglia, contra Eduardo Cunha. O PT acabou fora da mesa diretora da Câmara e a presidente, fora do governo. O problema de Dilma não foi enfrentar o Congresso. Ela errou ao fazê-lo sem ter uma base sólida no Legislativo e esquecendo-se que havia conquistado o segundo mandato, pouco antes, com margem de menos de 2% dos votos válidos. Chinaglia teve míseros 136 votos para a presidência da Câmara, um a menos do que Dilma teria de apoio na votação da abertura do seu processo impeachment, no ano seguinte.

Lula passou por revés semelhante, mas reagiu imediatamente. Em 2005, o então presidente apoiou a candidatura do deputado petista Luiz Eduardo Greenhalgh, que perdeu para o deputado de baixo clero Severino Cavalcanti. A derrota custou o fim da medida provisória 232, que alterava as alíquotas do imposto de renda. Mas Lula não tardou a buscar uma composição com Cavalcanti, oferecendo a ele o controle sobre a indicação do ministro das Cidades.

Lula se lembra de Cavalcanti e de Cunha e sabe que não deve provocar o Congresso. Ele tem demonstrado apoio ao status quo, ou seja, a Lira e Pacheco, evitando se impor. “É preciso que a gente saiba que é o Congresso que nos ajuda. Nós não mandamos no Congresso, nós dependemos do Congresso e, por isso, cada ministro tem que ter a paciência e a grandeza de atender bem cada deputado”, disse Lula na reunião ministerial de 6 de janeiro. Para o ex-presidente da Câmara ouvido por Crusoé, o petista sabe que ainda não tem uma base parlamentar consolidada o bastante para uma empreitada desse tipo.

Ivo Patarra acredita que Lula deve manter o modus operandi de Bolsonaro para manter relação harmônica com o Congresso, apesar de o STF determinar em dezembro a inconstitucionalidade do orçamento secreto. “Ao que parece, mesmo sem o orçamento secreto, o novo governo vai disponibilizar bilhões de reais em emendas parlamentares e assegurar maioria de votos no Congresso. Os cargos de segundo escalão também vão ajudar a obter essa maioria”, diz. Lula sabe que, no Brasil, existem três presidentes.

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  1. Três presidentes tentando se acertar de forma desprezível e abafada para manter o próprio poder e cada um com a sombra de uma espada levantada pelo STF, q ñ foge de acordos, mas escolhe as regras...

    1. Estes idiotas só esquecem uma coisa ... o comuno-fascismo personalista se impõe através de assassinos basta ver o que fez Stalin que assassinou nos anos trinta TODO o Politburo (o último foi Trotsky a picarete no México exilado) e sua política de coletivização destruiu a Rússia e os países esmagados e obrigados a participar da URSS ... o criminoso descondenado já impõe sua América LaTRIna e depois do carnaval iniciaremos nosso calvário .. felizes nós os idosos com pouco tempo de vida.

  2. Incrível… noite de 6ª feira.. e Zero comentário.. putz.. melancólico isso..melancólico.. Volta Diogo.. volta Sabino..senão teremos mais um fim de um dos veículos mais independente dos últimos 20 anos.. voltem caras.. voltem..

    1. Foi muito cômoda a saída do Diogo e do Sabino. Tanto discurso de amor ao Brasil ,de combate a corrupção e saíram da chuva para não se molhar.

    2. Acho que não há muito o que comentar… as cartas já estão marcadas, parece que tudo se encaminha para um início de governo favorável ao molusco. Esperemos que as coisas não saiam como Lula quer e que o barco de Lula comece a afundar…

  3. Os poderes institucionais do país jazem em podridão e teremos poderes bem mais apodrecidos pela cumplicidade criminosa ladra do Executivo com o Legislativo ambos sob terror do Judiciário que tem a quadrilha e bandos sob controle por seus muitos crimes contra o Estado e Nação ... o Brasil morreu e quem sobreviver chorará e o fedor é insuportável.

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