Juca Varella/ Flickr LulaAloizio Mercadante, o novo presidente do BNDES: competição com o mercado

O BNDES e a era do dinheiro grátis

O mesmo governo que nos entrega juros maiores enquanto culpa o mercado, quer nos fazer crer que ele voltar a escolher quem paga juros menores pode ser uma boa ideia
03.02.23

Uma frase normalmente atribuída a Albert Einstein, mas nunca confirmada, afirma que “insanidade é continuar fazendo sempre a mesma coisa e esperar resultados diferentes”.

Quando George W. Bush nomeou Hank Paulson como secretário do Tesouro americano em 30 de maio de 2006, a situação chamou a atenção por um fato curioso. Paulson estava trocando um cargo de US$40 milhões anuais, como CEO do Goldman Sachs, por um outro com salário estimado em US$ 183 mil.

As razões para essa troca repentina foram questionadas na mídia, com alguns apontando que uma lei do governo permitia a pessoas vindas do setor privado venderem suas ações sem pagar impostos de ganhos capital (o que rendeu US$ 100 milhões em impostos a menos a Hank, que detinha 1% do Goldman).

Mas, coincidência ou não, e deixando de lado as finanças pessoais de um dos CEOs mais bem pagos do mundo, Hank Paulson assumiu o cargo em um momento providencial.

Dali a dois dois anos, os americanos voltariam a encarar o temor de uma crise econômica como a de 1929. Paulson, que havia passado os oito anos anteriores presidindo o banco que mais lucrou com os Credit Default Swap, os derivativos envolvendo hipotecas americanas, agora era o encarregado pelo governo de resolver a crise.

Sob seu comando, o governo americano resgatou o Bear Stearns, bancando US$ 30 bilhões para que o JP Morgan comprasse o banco (evitando assim prejuízos bilionários ao Goldman que estava abarrotado de dívida do Bear), além de criar o TARP, o Programa de Alívio de Ativos Problemáticos.

Em 3 de outubro de 2008, o governo americano lançou um pacote de US$ 700 bilhões para comprar ativos podres e salvar os bancos, além de inúmeras grandes empresas. Seria o primeiro de inúmeros programas, que seguidos pelos Quantitative Easing, mergulharam o mundo numa década de juros zero e estímulo econômico.

Em 4 de outubro de 2008, após uma carreata ao lado do candidato a prefeito de São Bernardo do Campo, Lula daria a senha para que as coisas mudassem por aqui também. Segundo ele: Lá (nos EUA), a crise é um tsunami; aqui, se ela chegar, vai chegar uma marolinha que não dá nem para esquiar.

Se não deu pra esquiar na marolinha, é certo que Lula e o PT surfaram a onda. A lógica era simples. Afinal, se o governo americano, o “bastião do livre mercado no mundo” estava resgatando bancos e empresas além de estimular a economia injetando dinheiro, por qual motivo o PT não poderia fazer o mesmo?

Sob este argumento, o governo resgatou empresas com problemas, como a Aracruz e a Sadia, ambas repletas de prejuízos com derivativos cambiais. O Banco do Brasil também compraria parte do Banco Votorantim, além de a Caixa resgatar o Panamericano lá por dezembro de 2009. Já o Unibanco acabaria sendo salvo em uma operação de fusão com o Itaú, pra lá de curiosa (dado que oficialmente foi uma fusão, na prática um resgate).

Se nos EUA Hank Paulson estava criando uma nova categoria de empresas, as chamadas “grandes demais para falir”, além de permitir que bancos se organizassem em estruturas de holding, separando partes e ativos, além de ter acesso a recursos direto do FED, o Banco Central Americano, por aqui também criamos nossa versão tupiniquim destes eventos.

O ano de 2009 foi um ano prolífico para as campeãs nacionais, com grandes conglomerados nascendo sob as bênçãos do governo, além de ser o ano onde começa o Programa de Sustentação do Investimento, o popular Bolsa Empresário.

Por meio do PSI, um legado da dupla dinâmica Guido Mantega e Luciano Coutinho (esse último conhecido até então por ser o pai da lei da informática), o BNDES pode atuar ostensivamente para ganhar espaço no mercado de crédito. No auge, o banco chegou a ser responsável por 21% do crédito no país.

Para garantir esse crescimento, o BNDES passou a contar com recursos do próprio Tesouro Nacional, que injetou títulos públicos no banco, para que esse os colocasse no mercado e levantasse recursos. O banco ficava obrigado a pagar cerca de 5,5% ao ano ao Tesouro, que por sua vez assumia o custo dos títulos, de 14,25%, sozinho.

O banco por sua emprestava recursos cobrando um spread, que poderia chegar a 1%, elevando o custo para cerca de 6,5% (com alguns empréstimos contendo juros menores até mesmo do que isso).

Na prática, quando descontada a inflação, os juros do BNDES ficavam ali entre 1% e 2%, enquanto a Selic ainda estava em 6-7%. Uma diferença brutal. Ao contrário do mercado, o BNDES não cobrava execução, não queria saber se você estava entregando no prazo ou nada do tipo, apenas se você pagava o valor contratado.

Por razões como essa, o país mergulhou em um efeito chamado de “crowding-out”. O governo foi entrando e o mercado privado foi saindo. Pode parecer muito bacana se você é dono ou acionista de uma das mil maiores empresas no país que levaram R$ 1,2 trilhão em crédito subsidiado, mas a longo prazo, essa dinâmica é bastante infrutífera.

Em suma, o resto do mundo migrava para uma era de juros extremamente baixos, com o Brasil pretendendo fazer o mesmo. A única diferença, claro, é que nossa moeda não é o dólar. O meio dessa história você já deve lembrar, foi a Grande Depressão Brasileira de 2014 a 2016.

Desarmar os custos gerados por esses eventos foi, não por coincidência, uma das primeiras missões de Mansueto de Almeida, o secretário do Tesouro no governo de Michel Temer. Sob Mansueto, o Brasil começou a contabilizar o custo da diferença entre os juros que o Tesouro pagava e os que o BNDES pagava ao Tesouro. O resultado foi uma conta que, se mantida a situação original, poderia custar R$ 323 bilhões.

Também com Mansueto o governo avançou em uma nova regra, mudando a TJLP, Taxa de Juros de Longo Prazo (que cobrava cerca de metade da Selic), para a TLP, uma taxa de juros mais próxima do custo efetivo da dívida. O BNDES também passaria a devolver os recursos de maneira antecipada, permitindo equilibrar a dívida pública e reduzir os juros.

Agora, entretanto, o novo presidente do banco, Aloizio Mercadante, espera retomar uma vantagem competitiva do BNDES, que lhe tire dos atuais 9% de market share do mercado de crédito: juros menores.

Com o Brasil tendo a maior taxa de juros do mundo neste momento, a expectativa inicial era de que o Banco Central brasileiro, que foi o primeiro no mundo a subir os juros, fosse também o primeiro a derrubar os juros, algo que já não se vislumbra mais.

Desde que o novo governo assumiu, a expansão de gastos e as críticas constantes aos “fiscalistas”, ao “mercado”, têm dado o tom. E como você já deve saber, o mercado é tão democrático que lhe permite xingá-lo de todos os impropérios imagináveis, desde que você pague por isso.

Entre a eleição de Lula em sua primeira semana como presidente, os juros para janeiro de 2024 saíram de 11% (queda em relação aos atuais 13,75%), para 13,9%, se não houver alta ou menor estabilidade.

Com o mundo em recessão, o novo governo acredita que terá uma nova oportunidade para incentivar o crédito público. O problema, claro, é que ao contrário de 2008, sabemos o fim, ou o meio, da história. E sabemos o novo contexto brasileiro, como este gráfico elaborado pelo ex-secretário do Tesouro Mansueto Almeida ajuda a entender:

 

Mansueto Almeida

 

O CFO do BNDES por sua vez nega que pretenda competir com o mercado, mas a bem da verdade, essa competição é impossível. É inviável que o BNDES exista como só mais uma entidade no mercado de crédito. Ou ele atua distribuindo dinheiro de graça, ou será um banco pequeno, dada sua burocracia e letargia. E o governo sabe disso.

O problema maior, entretanto, está em mudar a lei para reduzir os juros. É preciso uma boa narrativa para empurrar isso no Congresso. Curiosamente, após anos de ajuste, aportes do Tesouro seriam completamente desnecessários.

Um estudo de economistas do Citibank estima que apenas com os recursos que já possui, o BNDES poderia triplicar sua capacidade de crédito e manter índices seguros de Basiléia (o acordo que mede a relação entre crédito e capital próprio de um banco, para garantir sua segurança em caso de calotes).

Não há dúvida de que juros menores seriam bons para a economia. O problema, entretanto, está no fato de que o mesmo governo que nos entrega juros maiores enquanto culpa o mercado, quer nos fazer crer que ele voltar a escolher quem paga juros menores pode ser uma boa ideia. Resta saber quem acredita.

 

Felippe Hermes é jornalista

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  1. É chocante que o PT não tenha aprendido nada. Ele vem com a sanha da vingança e a vontade de impor ao país suas ideias e ideais estúpidos, infundados e ignorantes. E nossa única defesa é um congresso a saldos! Deus ajude!.

  2. País paupérrimo dando dinheiro a países falidos que voltam( em parte) para o PT e seus corruptos que dele fazem parte O roubo continua igual da lava jato

  3. Delcidio Amaral cometeu um ato feio no caso Cerveró, lembram .""; Perdeu o mandato e quase foi em cana. Mercadante comeu o mesmo “ crime “ em relação ao Delcidio. Ganhou cargo no BNDS. Chupa essa manga

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