Cesar Greco/PalmeirasAbel Ferreira, em foco, ao fundo, e Vitor Pereira, em primeiro plano, na final da Supercopa do Brasil

A colonização portuguesa do nosso relvado

É impossível questionar os feitos de Abel Ferreira e Jorge Jesus no Brasil, mas os fracassos de seus conterrâneos denunciam nosso fetiche pelos treinadores lusitanos
03.02.23

As armas e os barões nos nossos gramados… Ou seria melhor dizer relvado? É para uma versão futebolística de Os Lusíadas, na qual Vasco da Gama treina o Palmeiras. Enfim, ninguém aguenta mais ver Abel Ferreira empilhar troféus, com exceção dos palmeirenses. E, desta vez, ele levantou a taça da Supercopa do Brasil contra outro português, Vitor Pereira, cuja sogra virou pauta do debate nacional na virada do ano. Ainda estão por aqui Luís Castro (Botafogo), Renato Paiva (Bahia), Ivo Vieira (Cuiabá) e Pedro Caixinha (Red Bull Bragantino). Está claramente ocorrendo uma invasão, e tudo começou com o inesquecível Jorge Jesus.

O ilustre lusitano fez o Flamengo jogar tão bem que todos os treinadores que passaram pelo rubro-negro desde 2019 trabalharam à sua sombra — nem os títulos da Copa do Brasil e da Libertadores da América foram suficientes para Dorival Júnior permanecer no cargo. Dorival chegou para substituir um português, Paulo Sousa, e foi substituído por outro, Pereira, que levou o Corinthians à final da Copa do Brasil vencida pelo brasileiro. Os corintianos nunca perdoarão Pereira, que alegou problemas pessoais para ir embora e, logo em seguida, assinou com o clube carioca. E esse foi apenas um dos desconfortos causados pelos patrícios no Brasil.

Abel Ferreira ganhou duas Libertadores da América desde que chegou ao Brasil, em 2020. Também foi campeão brasileiro, da Copa do Brasil e do Campeonato Paulista. Ganhou uma Recopa Sul-Americana e uma Supercopa do Brasil, no último sábado. Ganhou tanto que passou a ser cotado para assumir a seleção brasileira, o que seria o golpe fatal no amor próprio dos treinadores brasileiros, que não se emocionam nem um pouco com as conquistas do comandante alviverde. Mas Abel não incomoda apenas por suas vitórias.

O português ganhou sete títulos pelo Palmeiras e foi expulso seis vezes de campo — a última delas, depois de chutar um microfone ao reclamar a marcação de um escanteio para seu time (ele estava certo na reivindicação, não no comportamento). O intenso treinador recebeu 41 cartões, 35 deles amarelos, por reclamações e protestos à beira do campo, desde que chegou ao Brasil. A fúria grande de Abel não é nada sonorosa, como cantou Camões. Seu pavio curto já causou muito desconforto em entrevistas coletivas e contagia toda a equipe palmeirense, que reclama com a arbitragem do início ao fim dos jogos. E, ainda assim, a reação ao seu comportamento no Brasil soa exagerada.

A obscura Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol (Fenapaf) pediu ao STJD uma punição pelo comportamento de Abel durante a última final contra o Flamengo. Mas o português não fez nada que Cuca ou Renato Portaluppi já não tenham feito à beira do campo. As atitudes do treinador palmeirense também têm inspirado opiniões esquisitas, como uma insinuação aloprada de incentivo à violência doméstica. O que importa, contudo, é saber se os portugueses são assim tão melhores que os brasileiros.

Oswaldo de Oliveira acha que não. “Precisamos de estrangeiros no arco e flecha, esgrima, handebol… No futebol, não. Chegam aqui, metem o pé na porta e qualquer um dirige o melhor time do Brasil. É só falar: ‘Ora, pois’. Não pode isso!”, reclamou Oswaldo em setembro passado. O brasileiro destacou ainda que “a gente não consegue sair daqui para treinar um time de segunda divisão em Portugal, porque tem que mostrar o ‘bagulho’ lá”, em referência à licença exigida pela Uefa para estrangeiros.

Talvez Oswaldo tenha dito mais do que devia. A chegada dos portugueses não tem nada a ver com a saída dos brasileiros. O fato é que se tornou impossível questionar os feitos de Abel e Jesus. A imposição do Flamengo de 2019 nunca mais foi repetida. O Flamengo de Portallupi, batido pelo Palmeiras de Abel na final da Libertadores, até lembrou aquele futebol vistoso de Jesus, mas sucumbiu sem o título. Já Abel conseguiu ultrapassar Felipão na sala de troféus do Palmeiras. Em apenas três anos.

No caso do treinador palmeirense, merece menção especial a compreensão rápida sobre onde veio parar. Sua primeira conquista da Libertadores foi uma das mais feias da história. Abel jogou apenas pelo resultado durante seus primeiros meses de Palmeiras, mesmo tendo um dos elencos mais caros do país — se não o tivesse feito, provavelmente acabaria demitido antes do primeiro título. Longe da escola de domínio de jogo de Pep Guardiola, o português vem da linhagem pragmática de José Mourinho e, mesmo assim, fez o Palmeiras jogar bonito quando encontrou condições para tanto.

Feitas as devidas loas aos lusitanos, é preciso destacar que a maioria deles não vingou no Brasil nos últimos anos — o que indica, sim, que nossos dirigentes desenvolveram certo fetiche pelos estrangeiros. Ricardo Sá Pinto não deu certo no Vasco: foram apenas 15 jogos em 2020. Já Jesualdo Ferreira só comandou o Santos em 12 partidas. Paulo Sousa caiu numa armadilha de reformulação no Flamengo e sobreviveu apenas 32 jogos, mesmo com quase 70% de aproveitamento.

No fim das contas, essa história não tem — ou não deveria ter — nada a ver com a nacionalidade dos treinadores. Quem consegue se manter por mais de um ano treinando o mesmo time num futebol maluco como o brasileiro já merece todas as homenagens, venha de Portugal, da Argentina ou da China. E aqueles, que por obras valorosas se vão da lei da morte libertando; cantando espalharemos por toda parte, se a tanto nos ajudar o engenho e arte.

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  1. O treinador do “Coxa” também é português ( António Oliveira), e foi expulso ontem do clássico paranaense: Athetico x Coritiba. Não sei por conta dele mas a briga se generalizou entre os jogadores. Uma pena.

  2. Jesus e Abel são muito superiores aos treinadores brasileiros. Vítor Pereira e Luís Castro também são melhores, ainda que estejam abaixo dos outros dois. Jesualdo estava ultrapassado quando foi contratado. Sá Pinto é um desastre por todo lugar onde passa e Paulo Sousa também não tem muito sucesso. Caixinha e Oliveira ainda estão construindo suas carreiras. Nível de técnicos no Brasil é péssimo, mas a classe é corporativa e a imprensa sofre de um pachequismo febril.

  3. O que mais me chama a atenção no Abel Ferreira é que, sempre nas entrelinhas, trata à imprensa com subdesenvolvida. Nos trata como povo sem educação, sem cultura, etc e tal. Pode até ter razão. Mas não tem esse direito pq não é brasileiro. Aliás a culpa é de Portugal que, precisando colonizar o Brasil, mando tudo que tinha de ruim lá, bandidos, assassinisos, ladroes, prostitutas etc. obs. Li o livro de” Cabeça Fria Coração Quente” Muito competente. Mas o gajo precisa de um sossega leão.

  4. Não é que o técnico português seja necessariamente bom. A questão é que os técnicos brasileiros são muito precários no geral. Pouco profissionais, sem preparação, nem visão estratégica. Parece que são reflexos dos dirigentes locais.

  5. Jesus e Abel vieram, viram e venceram. Mas os outros compatriotas não convenceram. Portanto, nada justifica tanto endeusamento em torno dos portugueses…

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