Foto: Reprodução/FacebookO paradigma envolvendo o “caso Lula” foi decisivo para as eleições de 2022, na medida que viabilizou uma candidatura

STF e STJ contrariam entendimento do ‘caso Lula’

20.01.23

Na data de 8 de março de 2021, em julgamento paradigmático, o Supremo Tribunal Federal, pela relatoria do eminente ministro Edson Fachin, ao apreciar os embargos de declaração no habeas corpus nº 193.726, concedeu a ordem impetrada em favor do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (que na época, como se sabe, não ocupava esse cargo), para “declarar a incompetência da 13ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Curitiba para o processo e julgamento das Ações Penais 5046512-94.2016.4.04.7000/PR (Triplex do Guarujá), 5021365-32.2017.4.04.7000/PR (Sítio de Atibaia), 5063130-17.2018.4.04.7000/PR (sede do Instituto Lula) e 5044305-83.2020.4.04.7000/PR (doações ao Instituto Lula), determinando a remessa dos respectivos autos à Seção Judiciária do Distrito Federal.

“Declaro, como corolário e por força do disposto no art. 567 do Código de Processo Penal, a nulidade apenas dos atos decisórios praticados nas respectivas ações penais, inclusive os recebimentos das denúncias, devendo o juízo competente decidir acerca da possibilidade da convalidação dos atos instrutórios, escreveu o relator. 

Como se verifica, ao apreciar o feito, Fachin declarou nulos, por força do art. 567 do Código de Processo Penal, os atos decisórios praticados no juízo declarado incompetente, inclusive os atos de recebimento das denúncias, cabendo aos juízo competente decidir sobre a convalidação ou não dos atos instrutórios. Essa decisão monocrática do ministro foi posteriormente ratificada pelo plenário da Suprema Corte, no julgamento de agravo regimental no mesmo habeas corpus nº 193.726, ocasião em que inclusive a Corte explicitamente prestigiou a observância ao princípio do juiz natural, previsto no art. 5º, inc. XXXVII e LIII, da Constituição Federal.

Ora, se o Supremo Tribunal Federal, pelo Plenário, decidiu que a incompetência relativa (territorial) é causa de nulidade absoluta, com muito mais razão deve-se concluir que a incompetência absoluta é causa de nulidade incontornável e também de natureza absoluta, nos termos do art. 567 do Código de Processo Penal. Em realidade, pode-se dizer que a Suprema Corte equiparou a incompetência relativa no processo do presidente Lula a uma autêntica incompetência absoluta, talvez pela gravidade do vício encontrado, devendo-se compreender, a partir da fixação dessa jurisprudência, no mínimo, que toda incompetência absoluta é causa de nulidade insanável.

Em sentido análogo, no julgamento da RCL 43479, o eminente ministro Gilmar Mendes enfatizou, quanto ao alcance da declaração de nulidade, a necessidade de se proceder a uma nova denúncia perante o juízo competente. Resulta evidente que, assim como no “caso Lula”, qualquer pessoa que venha a ser condenada por juízo absolutamente incompetente, o princípio do juiz natural estará violado, e o prejuízo será irreversível e presumido de forma concreta, violando-se não apenas o devido processo legal, mas também os direitos de defesa (C.F., art. 5º, LIV e LV). No precedente julgado pelo laborioso ministro Edson Fachin (HC 193.726 ED), no “caso Lula”, a eminente ministra Rosa Weber assinalou que não se aplicaria a “teoria do juízo aparente” para ratificar o recebimento da denúncia, na medida em que a “aplicação da teoria, como instrumento de preservação de atos praticados por juízo incompetente, demanda superveniência de elementos fáticos ou probatórios ou desconhecimento de sua existência à época da prática dos atos processuais […], o que não ocorre na hipótese”.

Todavia, observa-se que, se a “teoria do juízo aparente” não se aplicou naquela hipótese, certamente não se aplica a nenhuma hipótese de competência absoluta, sobretudo quando a incompetência é arguida tempestivamente e por meios processuais adequados, inclusive em habeas corpus. E tampouco se aplicaria a “teoria do juízo aparente” para salvar jurisdição absolutamente incompetente quando o réu resulta condenado, sofrendo prejuízo concreto, por juízo absolutamente incompetente. Veja-se que, no “caso Lula”, a “teoria do juízo aparente” foi afastada porque se tratava de incompetência que se considerou, na prática, como de natureza absoluta, violando o princípio do juiz natural.

Com efeito, rigorosamente, o então acusado Luiz Inácio Lula da Silva foi condenado por várias instâncias judiciais, como se a 13ª Vara Federal de Curitiba fosse competente, e, inclusive, foi mantido preso pelo próprio Supremo Tribunal Federal, na presunção de que aquela mesma 13ª Vara Federal de Curitiba fosse o juízo competente para julgar a matéria. Tal circunstância, por si só, demonstra que o julgamento proferido pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, no precedente do HC 193.476 AgR, aniquilou a “teoria do juízo aparente”, em matéria de nulidade absoluta derivada, pelo menos, da incompetência absoluta.

Não obstante, posteriormente ao julgamento pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal, observa-se a superveniência de decisões, pelos próprios ministros do STF, no sentido de mitigar nulidades advindas de incompetência absoluta, tolerando a ratificação do recebimento da denúncia. Com efeito, em recente decisão, posterior ao julgamento do “caso Lula”, o eminente ministro Roberto Barroso, que havia votado pela nulidade absoluta no julgamento do presidente Lula, em caso análogo julgou de modo completamente diferente, dizendo que a “orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal é no sentido da possibilidade de ratificação de atos decisórios pelo Juízo competente”.

Em outro julgado recente, igualmente posterior ao “caso Lula”, o Supremo Tribunal Federal, na voz da ilustre Ministra Rosa Weber, que também havia votado pela nulidade absoluta no caso do presidente Lula, decidiu, em matéria análoga, pela preservação do recebimento da denúncia, apesar da incompetência absoluta do juízo processante. Esquecendo-se completamente do julgamento anteriormente efetuado pelo Plenário da Corte, a ministra Rosa Weber afirmou que “esta Suprema Corte tem endossado, com base na teoria do juízo aparente, a possibilidade de ratificação de atos processuais praticados por juízo aparentemente competente ao tempo de sua prática”. Ademais, a eminente ministra, discrepando do que foi decidido no caso julgado em relação ao presidente Lula, assinalou que “a alegação e a demonstração do prejuízo são condições necessárias ao reconhecimento de nulidades, sejam elas absolutas ou relativas, ‘pois não se decreta nulidade processual por mera presunção’ (HC 107.769/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, 1ª Turma, DJe 28.11.2011)”.

Além dessa orientação do Supremo Tribunal Federal discrepante relativamente à decisão do Plenário, tomada no HC 193.726 AgR, em 15.04.21, da relatoria do eminente Min. Edson Fachin, também é preocupante a divergência do Superior Tribunal de Justiça em relação ao entendimento encampado pelo mesmo Plenário do Supremo Tribunal Federal quanto ao “caso Lula”. Essas manifestações contraditórias, tanto de ministros do próprio Supremo Tribunal Federal quanto das Turmas Criminais do Superior Tribunal de Justiça, podem causar grave insegurança jurídica no sistema judicial brasileiro. Isso, porque o paradigma envolvendo o “caso Lula” foi decisivo para as eleições de 2022, na medida que viabilizou uma candidatura. Ademais, esse parâmetro fixado pelo Supremo Tribunal Federal adotou o critério da nulidade absoluta derivada, pelo menos, da incompetência absoluta, forte no art. 567 do Código de Processo Penal, o que nos parece correto no campo jurídico. Aliás, esse critério está em sintonia com o tratamento dispensado pelo próprio Supremo Tribunal Federal à nulidade derivada da suspeição do juiz, conforme decidido no Habeas Corpus nº 164.493/PR, de relatoria do eminente ministro Gilmar Mendes, pois a suspeição, tanto quanto a incompetência absoluta, remete ao princípio do juiz natural (C.F., art. 5º, XXXVII e LIII).

Simplesmente não seria razoável, tampouco compreensível, que, após o julgamento do paradigma fixado no HC 193.726 (ED e AgR), da relatoria do Min. Edson Fachin, ministros do Supremo Tribunal Federal pudessem, em decisões monocráticas, retroceder no seu próprio entendimento e, sem justificativa alguma, simplesmente desprezando e ignorando os votos proferidos no Plenário, reformular a sua própria jurisprudência, de modo aleatório e arbitrário. Nesse mesmo contexto, o Superior Tribunal de Justiça igualmente não tem obedecido à jurisprudência do Plenário da Suprema Corte e trata a incompetência absoluta como se fosse possível convalidar os atos de recebimento da denúncia. Veja-se, a propósito, decisão do eminente ministro Ribeiro Dantas no sentido de que “havendo reconhecimento da incompetência absoluta da Justiça Federal, a ação penal deve ser remetida à Justiça Especializada, mas com anulação apenas dos atos decisórios praticados e sem prejuízo da sua ratificação pelo juízo competente”.

Na mesma direção, e refletindo a orientação do Superior Tribunal de Justiça, o eminente ministro Reynaldo Soares da Fonseca decidiu, em matéria de ordem pública, posteriormente ao julgamento do “caso Lula”, que “verificada a competência da Justiça Eleitoral para conhecer do contexto apresentado nos presentes autos, haja vista a conexão com crime de “Caixa 2”, devem ser considerados nulos os atos decisórios, nos termos do art. 567 do CPP, ressalvando-se a possibilidade de ratificação dos demais atos pelo Juízo competente”. O que se verifica, nesse cenário, é que resulta necessário que a jurisprudência, tanto do próprio Supremo Tribunal Federal, como do Superior Tribunal de Justiça, se ajustem definitivamente ao precedente relatado pelo ministro Fachin, para que haja um tratamento isonômico aos jurisdicionados, fixando-se a tese de que a incompetência absoluta gera nulidade insanável nos processos.

Evidentemente não se pode aceitar, em hipótese alguma, que o julgamento de um paradigma tão importante quanto aquele que envolveu o presidente Lula tenha sido um “ponto fora da curva” na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou um julgamento casuístico. Os ministros do Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, são obrigados a seguir a orientação do plenário, inclusive porque os autores dessas monocráticas subscreveram o entendimento do plenário. E ao Superior Tribunal de Justiça cabe se curvar ao entendimento do Supremo Tribunal Federal, definitivamente. Segurança jurídica e previsibilidade são pressupostos de um Estado Democrático de Direito, assim como a isonomia de tratamento de todos perante a Lei.

Fábio Medina Osório, advogado, ex-ministro da AGU e ex-promotor de Justiça no Estado do Rio Grande do Sul

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  1. Para mim, como cidadão brasileiro, formado em Engenharia, Lula roubou e comprou todos que pôde com o dinheiro roubado do Tesouro Nacional. Toda essa papagaiada não apaga o mal que fez e continua fazendo ao Brasil! Para mim, o presidente eleito continua sendo LADRÂO! Viva a Lava Jato!

  2. Texto excelente, técnico, expõe a incongruência das decisões sobre o tema. Só senti falta da citação do número das decisões do Barroso e da Rosa Weber, após o julgamento do Lula, mencionadas no parágrafo 8 e 9, que comprovam a incoerência.

  3. Que artigo b0s t@! Babação de ovos e cheio de adjetivos para enaltecer uns m3rd@s. Vcs poderiam traduzir o juridiquês, falação enrolada que não deixa passar para o segundo parágrafo. Na época essa carmem miranda decidiu que era Brasília o foro correto. Parecia que era uma estratégia para tentar uma rasterira no "eminente b0st@ do gm". mas que na real f0d3u com a lava jato e soltou o maior lad rão do ERÁRIO que já tenha passado pela PR. O Brasil não tem a menor chance de dar certo!

  4. Minha dúvida: quanto de fato pesou a questão LLuLLa, frente a aparente necessidade do "sistema" em enterrar a LavaJato? Parece que havia e que ainda há muitos poderosos (nos 3 Poderes) que tinham e têm muito medo do fenômeno da LavaJato.

  5. Palavras chaves: 1) "ponto fora da curva" - 2) "julgamento casuístico". Essa é a definição clara para o circo armado em torno da descondenação, pelo STF, do ex-tudo Lula da Silva. Não há melhor explicação possível. Não se pode aceitar, diz o artigo, mas assim foi aceito.

  6. Quando estudante, e o professor mostrando muitas vezes incapacidade na explanação de um argumento convincente, nós alunos, dávamos o nome de "Casa da Mãe Joana". Para bom entendedor, isso é suficiente entendimento dessas decisões.

    1. José Carlos resumiu com perfeição. Nada mais, nada menos. Tudo dito!

  7. Fica cada vez mais claro que o STF criou jurisprudência casuística para ter Lula como seu candidato. Os crimes de Lula não desapareceram por essa razão. Ele foi descondensado por artifícios jurídicos vergonhosos. Tristes trópicos.

  8. Artigo em linguagem própria para uma publicação especializada na área do direito. Péssimo para uma revista que queira ser entendida pelo público em geral. Advoguês na veia.

    1. Menina do cèu.. seu coments està apropriadíssimo.. clap clap clap👏🏼👏🏼👏🏼

  9. não entendi .... sei que o mula é ladrão, corrupto, safado, etc. ... sei que houve um acordão político jurídico para ele se candidatar e ganhar aas eleições pelas bobagens do bozzo e pela aliança de grande arco incluindo os ministros dos supreminhos... o mula deve ser julgado de novo ou terá que cometer crimes e ser pego de novo para ser preso e julgado?????????????

  10. Na prática, a impressão que fica é que a decisão do STF (Fachin) no caso Lula só foi tomada, em tempo, para impedir que a Lavajato investigasse Suas Excelências …

  11. Em suma, dois pesos e duas medidas, além da memória fraca, o que entristece jurisdicionados e juristas. Faz lembrar do velho ditado sobre o bicho esperteza e seu crescimento…

  12. Em suma, falta clareza jurídica. Falta objetividade da lei. Cadê o Poder Legislativo? Os deputados e senadores não foram eleitos para isso?

    1. Claro que Não. Deputados e senadores foram eleitos para saquearem os cofres públicos !!! Em que país vc vive?

  13. Complicado de entender esse vocabulário pra quem não é da área. Se captei a essência, que dizem ser o que realmente importa, o supremo está agindo de forma contraditória, é isso?

  14. O Dr. Fábio Medina Osório me fez lembrar o dilema suscitado numa propaganda de marketing do passado: "... vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais?". E, enquanto a celeuma continua nos círculos mais restritos e de notório saber jurídico das mais altas cortes de butiquins de beira de esquina país a fora; "nós" e "eles" - e não "nós" contra "eles" -, tentamos socorrer uma tal sra. Constituição que se afoga num lamaçal viscoso, próximo a outra Sra. com vendas nos olhos.

  15. Com a palavra os paladinos da defesa da democracia e do estado de direito. A insegurança jurídica e desconfiança de decisões pautadas em critérios políticos só enfraquecem o tênue tecido da democracia, abrindo espaço para a desconfiança da idoneidade e imparcialidade dos nossos magistrados superiores. A dúvida incutida na lisura de decisões cruciais são ruins para a Justiça e para a democracia. Com a palavra os magistrados indecisos, para esclarecerem as iinconsistências.

  16. Embora sem compreender minimamente os argumentos do autor, compreendo sim perfeitamente que a justiça servida aos poderosos - desde que sob serviços advocatícios milionários, depende do freguês, da ocasião e dos ventos intestinos. O autor parece não acreditar - ou quer nos convencer - que essas cortes superiores e inferiores tem sim um menu de entendimentos para cada julgado, com argumentos e textos prêt-à-porter para cada caso do presente, do futuro e o que é pior, do passado.

  17. A defesa do estado democrático de direito é o pressuposto básico dessa corte suprema, porém, inúmeras votações que resultaram em 5 a 6 ou em 6 a 5 em passado recente pelo plenário do STF fazem-nos refletir: essa nossa constituição é peça de péssima redação, ou temos um problema de outra natureza?

  18. Na verdade a justiça é a lacarte , depende dos interesses, conjugados, da pessoa a ser julgada e dos juízes envolvidos!!

  19. Sou leiga no campo do Direito para discutir e aprofundar meus comentários sobre este artigo. Mas, na minha leitura, me sinto frustrada de ver ao longo de todo o processo que ficou claro que Lula não é inocente, e ganhou o campo das interpretações das Leis. Não me conformo com o tempo que levou para, de repente, acharem que a Vara Federal de Curitiba era incompetente para julgar o caso. E também me entristece ver que tudo foi jogado no lixo, e a LAVA-JATO sendo considerada inimiga da lei.

  20. As meras contriedades jurisprudenciais que ocorrem dia sim e dia tembém aqui em Bananaland sã lógicas e facilmente explicáveis, dado seu fundamento na respeitável obra "Revolução dos Bichos" de George Orwell: "Todos iguais perante a lei, mas alguns são mais iguais que os outros !!!" Fonte: https://www.conjur.com.br/2012-fev-10/todos-sao-iguais-lei-alguns-sao-iguais-outros

  21. Segurança jurídica? Previsibilidade? Isonomia de tratamento? Mas do que é que o articulista está falando? Essas coisas aí, aqui não existem. Somos um país fora da curva, com um direito (com minúscula mesmo) fora da curva e achado na rua...

  22. Cessa todo o bom senso nos tribunais superiores atuais. O que vale é o seguinte. Para os amigos tudo. Para os inimigos nada. Para os indiferentes a lei! Uma vergonha. E só neste caso.

  23. Argumentar juridicamente sobre a descondenacao daquele elemento socialmente pernicioso é impossível, dentro das bases e pricipios legais e jurídicos vigentes! O país todo sabe que aquela decisão foi totalmente arbitrária com o único intento de proteger o bandido de estimação

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