‘Lula sabia’

Criador de uma técnica para algemar pessoas e instrutor de unidades especiais de várias polícias americanas, conhecidas como Swat, o capixaba Marcos do Val decidiu, em 2018, trilhar uma carreira na política com foco na segurança pública. Em 2018, ele foi eleito senador pelo Podemos pelo seu estado, o Espírito Santo. Hoje, aos 51 anos, do Val integra a Comissão Mista de Controle das Atividades de Inteligência, a CCAI, cuja missão é fiscalizar os órgãos de inteligência.

Antes dos Atos de 8 de janeiro, do Val afirma que recebeu informações de que as manifestações não seriam pacíficas e tentou falar com o ministro da Justiça, Flávio Dino. Nunca foi atendido. Ele agora acusa Dino e Lula de terem sido omissos para usar a confusão politicamente. Do Val, que tem uma agenda a favor do porte de armas, não toma só um lado no debate atual. Ele acha que o governador afastado Ibaneis Rocha e seu ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres falharam ao não proteger os edifícios dos Três Poderes. O senador também defende que o ex-presidente Jair Bolsonaro seja investigado por possível envolvimento com distúrbios. “O que chegou para mim é que Bolsonaro soube da manifestação, mas que não foi ele que a coordenou. Mas, seja quem for, deve ser investigado e, se condenado, pagar pelo que aconteceu. Sempre deixei claro que sou de direita, mas não sou bolsonarista. Sou aliado, mas não alienado”, disse ela a Crusoé, pelo telefone. Segue a entrevista.

O presidente Lula sabia que iriam ocorrer atos de vandalismo em Brasília no dia 8 de janeiro?
A informação de que os atos não seriam pacíficos chegou ao presidente Lula, mas ele deixou tudo acontecer com a intenção de usar isso politicamente contra a direita, contra os bolsonaristas ou contra Jair Bolsonaro.

Quais são as evidências?
Antes dos distúrbios, eu recebi a informação, por meio de terceiros, que a manifestação não seria pacífica e que havia a possibilidade de invasão de prédios públicos. Eu então tentei fazer contato com o ministro Flávio Dino diversas vezes. Na quinta, 5, liguei para saber se ele tinha recebido a mesma mensagem que eu. Ele não me atendeu em momento algum. Nem antes, nem durante, nem depois. Achei muito estranho, porque o assunto era delicado. Depois das invasões, Dino deu uma entrevista dizendo que viu os manifestantes pela janela e, em seguida, a fechou. Mas não houve expediente no Ministério da Justiça no domingo à tarde. Dino estava lá, portanto, assistindo a tudo de camarote. O prédio do Ministério da Justiça é o primeiro para quem sobe pelo gramado da Esplanada, saindo do Congresso. Da sala dele, ele conseguiu ver os manifestantes em ação e os vidros sendo quebrados. Como membro da CCAI, enviei ofícios para saber quem tinha sido comunicado previamente. A informação que eu tive, sem ser via ofício, foi a de que, no sábado, todos os ministros, secretários, responsáveis pelas áreas de segurança e o presidente Lula receberam um comunicado da Associação Brasileira de Inteligência, a Abin, pelo WhatsApp. Lula sabia, mas não tomou decisão alguma.

O que foi feito?
O ministro Dino só mandou um ofício esdrúxulo para o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha, dizendo que, se preciso, ele colocaria a Força Nacional em ação. Depois, Dino deu uma entrevista dizendo que não poderia acionar a Força Nacional sem uma intervenção federal. Ao dizer isso, ele mentiu descaradamente. Ele também poderia ter solicitado ao comando da Polícia Militar a tropa de choque, ter usado o Batalhão da Guarda Presidencial e os departamentos especializados em distúrbios civis da Polícia Federal  e da Polícia Rodoviária Federal. Não seria algo inédito. No dia 7 de setembro, o STF convocou a unidade de operações especiais da Polícia Federal para preservar o seu edifício. E veja que naquela época não havia nem indícios de que haveria invasão e destruição. Desta vez, com o ministro e o presidente cientes do perigo, foram dispensados vinte membros da Guarda Presidencial. Isso não tem justificativa. Não há explicação a não ser a prevaricação e outros crimes. Por causa disso, também vou pedir o impeachment do presidente Lula, por ele ter omitido a informação e não ter convocado as unidades. Ter colocado um ministro para assistir a tudo do gabinete dele foi um absurdo.

“Vou pedir o impeachment do presidente Lula, por ele ter omitido a informação”

Que atitude Dino tomou com relação a essas unidades contra distúrbios após os atos antidemocráticos?
Na segunda, 9, ele baixou uma portaria para acabar com o grupo de operações especiais da Polícia Federal, especializada em distúrbios civis, e com a unidade especial da Polícia Rodoviária Federal. Ele fez o inverso do que deveria. É inacreditável.

Qual seria a razão?
Para Dino, quanto mais a direita fizer protestos, com a participação desses radicais, melhor. Isso marca uma mudança na postura oficial. Se formos fazer um levantamento dos últimos quatro anos, quando tivemos um presidente (Jair Bolsonaro) que esticava a corda o tempo todo, que gostava de confusão, a direita não fez nenhum movimento de destruição. Agora, com apenas uma semana do atual governo, aconteceu tudo isso. É algo estranho.

Dino alegou que só recebeu mensagens do sr. querendo falar sobre o decreto do Lula sobre armas de fogo, mas nada sobre os atos de vandalismo do dia 8…
No dia 31 de dezembro, enviei uma mensagem de boas-vindas falando que poderíamos marcar uma audiência. No dia 1º de janeiro, após a assinatura de um decreto sobre o porte de armas, eu mandei uma mensagem por escrito pedindo para falar sobre esse assunto. Na quinta, 5, depois de ter tido acesso às informações sobre o que poderia ocorrer no domingo, eu liguei, em vez de mandar mensagem. Assuntos de inteligência não são falados pelo telefone. Ele nunca atendeu ou respondeu. Teve até uma hora que eu comecei a achar que tinham me passado o número errado, porque um ministro precisa atender a um senador. Quando ele, depois, divulgou o print da tela para um jornalista, provou que havia várias ligações perdidas minhas e que aquele celular era mesmo o dele. Dino é um sujeito muito mentiroso, em um nível assustador. Nunca vi nada igual. Ele agora quer espalhar que eu só o procurei para falar de armas, mas isso não é verdade. O assunto era a manifestação, e ele não me atendeu.

Esta semana, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, rejeitou o pedido de uma investigação sobre Flávio Dino, apresentado pelo deputado federal eleito Nikolas Ferreira. Há como contornar isso?
O STF fez isso porque o Nikolas se baseou apenas em notícias da imprensa. Moraes entendeu que não haveria como afastar um ministro tendo só reportagens como base. É preciso apresentar documentos. A Abin vai me mandar um relatório hoje (na terça, 17). Nós estamos terminando de providenciar isso, para formalizar um pedido similar. Dino e Lula colocaram vidas em risco e se beneficiaram politicamente disso.

Agência Senado“Dino é um sujeito muito mentiroso, em um nível assustador”

O governador afastado do Distrito Federal Ibaneis Rocha e o seu ex-secretário de Segurança Pública Anderson Torres também foram omissos?
Sim. A premissa de quem trabalha na área de segurança é se preparar para o pior, mas esperar o melhor. Quando vem uma informação de que existe a possibilidade de algo acontecer, isso deve ser considerado como certo.

A PGR pediu ao STF a inclusão de Jair Bolsonaro no inquérito sobre atos de vandalismo em Brasília. O ex-presidente teve alguma participação?
O que chegou para mim é que Bolsonaro soube da manifestação, mas que não foi ele que a coordenou. Mas, seja quem for, deve ser investigado e, se condenado, pagar pelo que aconteceu. Sempre deixei claro que sou de direita, mas não sou bolsonarista. Sou aliado, mas não alienado.

A PM escoltou os manifestantes até a Praça dos Três Poderes no dia 8. Houve conivência?
Isso faz parte da técnica policial de distúrbios civis. É preciso jogar uma rede para pescar. Tem horas em que vem o peixe que você quer. Outras, o que não precisa. A técnica de choque é essa, uma rede arrastando todo mundo para um determinado lugar. Quando começou a baderna, era hora de pegar o filho e a vó e sair dali. Quem foi detido no final é porque estava no lugar em que não deveria. Nos Estados Unidos, quando ocorre uma operação policial em um bairro, os moradores fecham portas, as janelas e se escondem. Essa é a cultura deles, para não atrapalhar o trabalho das forças de segurança e para não ser atingido por uma bala perdida. Aqui é o contrário. Quando há uma operação na comunidade, as pessoas vão para o meio da rua para tentar filmar o que está acontecendo.