Você se considera uma pessoa racional? Dá risada de quem acredita em astrologia, usa homeopatia, organiza os móveis da casa de acordo com os ditames do feng shui? Acha que Deus é o amigo imaginário preferido de uns 85% da população do globo? Pois aposto que, nesta Copa do Mundo que acontece bizarramente em novembro/dezembro, você está na mesma situação do ateu que faz o sinal da cruz enquanto o avião dele sacoleja no meio da turbulência.

Assim como na Copa quem vence o bolão é sempre aquela sua tia-avó que não acompanha futebol e mal sabe quem é a bola, há uma espécie de suspensão da descrença provocada pelo torneio naqueles que torcem: o racionalista mais convicto usa a mesma camisa em todos os jogos, fica na mesma posição no sofá, passa a partida inteira no banheiro se algum gol do Brasil saiu quando ele estava lá — sem dúvida, gestos com influência decisiva sobre o resultado em campo. Já que a gente não pode entrar no gramado para decidir (graças a Deus, diriam o Tite e todos os outros técnicos), o que nos resta é acreditar que na Copa todas as bruxas existem e, por intermédio delas, nós podemos interferir cosmicamente, mesmo estando a uns 12 mil quilômetros de distância dos estádios lá no Catar.

Eu tenho uma crença que se renova a cada quatro anos: a extraordinária capacidade seca-pimenteira das redes sociais. E não quando elas torcem contra uma seleção ou um jogador, mas quando elas elogiam. Vejam o caso de Richarlison, o centroavante do Tottenham e da seleção. Depois do golaço que ele fez contra a Sérvia — de fato, um dos mais bonitos que vi em Copas —, choveram posts mostrando como ele é um cara bacana, socialmente consciente, comprometido com as boas causas e tal. Era um contraponto óbvio ao bolsonarismo de Neymar, ainda o principal jogador do Brasil, que saiu machucado do jogo contra os sérvios. Chegaram até a fazer montagens em que o voleio de Richarlison na direção do gol sérvio se transformava no L de Lula.

O que aconteceu depois disso? Claro: o centroavante não fez nada no jogo seguinte, contra a Suíça, muito porque o bolsominion não estava em campo (entre outras razões, porque Neymar atrai a marcação dos rivais e deixa mais livres atacantes como Vinícius Jr.). Ficou mais que provado que aquela chuva de elogios nas redes secou o pobre do Richarlison. O Brasil jogou bem contra os suíços, que são um adversário difícil — especialmente no segundo tempo, depois das mudanças feitas pelo “professor” Adenor. Mas é preciso não entender absolutamente nada de futebol, ou colocar as simpatias/antipatias políticas acima de tudo, para achar que não faz diferença alguma ter ou não ter o Adulto Ney em campo, por mais “odiável” que ele seja. E, se para você tudo é político, OK: seja coerente e risque todas as Copas ganhas pelo Brasil, em especial a de 70, com aquele timaço que veio abraçar o general-ditador Médici após a vitória.

Eu também procuro ser coerente: estou escrevendo este texto na quinta-feira, 1º, véspera de Brasil x Camarões, o último jogo da seleção na fase de grupos da Copa, exatamente para funcionar como contrassecação. A intenção é produzir uma chuva de gols, tal qual um Cacique Cobra Coral do futebol, e fazer até Gabriel Jesus (que será titular contra os camaronenses) deixar de merecer o apelido de Gabriel Jejum. Se bem que, agora que eu escrevi isso, acho que não vai rolar; mas, se acontecer, estejam cientes de que fui eu que contrassequei com sucesso. Essas bruxas do futebol são meio volúveis, vocês sabem como é.

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A GOIABICE DA SEMANA

Tivemos bons candidatos na semana que se encerra. Eu curti, por exemplo, o “Festival do Futuro” planejado por Janja para a posse do marido, Lula, com muitas “atividades lúdicas” (medo de imaginar o que seja). Já sabemos que Marcelo Jeneci e Valesca Popozuda estarão na festa, mas não o nome do ministro da Fazenda, o que indica boa noção de prioridades; não me surpreenderei se trocarem as listas e a Valesca, de repente, descobrir que virou ministra.

Mas a campeã foi o pen drive de Eduardo Bolsonaro. Você, patriotário que passou semanas tomando chuva na frente de quartel e viu o 03 curtindo a Copa adoidado lá no Catar, não fique indignado — veja bem, ele fez questão de ir lá pessoalmente levar os tais “vídeos mostrando a situação do Brasil”, mesmo existindo WhatsApp, e-mail e outras 200 maneiras de enviar arquivos de vídeo. É muito empenho pelo país! Espero que os pen drives contenham filmes da finada produtora Brasileirinhas, sempre a melhor descrição da “situação do Brasil”.

Reprodução/Instagram/Eduardo BolsonaroOs pen drives do 03, que certamente estão repletos de informações fundamentais