Alan Santos/PR

Missão quase impossível

Sob pressão, Paulo Guedes assume o desafio de segurar o ímpeto do governo por mais gastos sem atrapalhar as pretensões eleitorais de Jair Bolsonaro -- que, necessariamente, passam por gastar mais
21.08.20

Há uma lei tácita no mundo do futebol que também costuma ser aplicada à política. Toda vez que o presidente precisa dizer que o treinador ou algum ministro está prestigiado é porque ou ele está fragilizado ou está debaixo de intensa pressão. Foi o que aconteceu nos últimos dias com o ministro da Economia, Paulo Guedes. Na semana em que os rumores sobre sua saída se intensificaram como nunca, Guedes acabou sendo prestigiado publicamente por Bolsonaro. “Eu estou tão ligado ao Paulo Guedes, mas tão ligado, que eu moro no Alvorada e ele mora no Torto. Eu não sei qual ministro vai ser demitido na presente semana pela grande mídia. Estou esperando quem é a bola da vez”, afirmou o presidente ao sancionar na quarta-feira, 19, um projeto de lei que facilita o acesso de parte do setor privado ao crédito. Guedes devolveu a gentileza: “Eu agradeço muito a confiança do presidente. (Ernest) Hemingway dizia que só há uma forma de você saber se pode confiar em alguém: confiando. Desde que conheci o presidente, confiei. E ele não faltou com a confiança nunca”, disse. “Nós estamos juntos. Quem tem os votos é o presidente, a escolha é sempre do presidente.”

Apesar do jogo de cena habitual sugerir o contrário, no atual cenário nada leva a crer que o ministro da Economia estaria balançando no cargo. Uma saída precoce, num momento em que o governo começa a recuperar sua popularidade, graças ao assistencialismo na veia direcionado às camadas mais pobres, seria recebida pelo mercado como o abandono definitivo da agenda liberal – o que deixaria o presidente à beira de perpetrar um estelionato eleitoral com menos de dois anos de mandato. E essa é uma turbulência que Bolsonaro parece não querer enfrentar agora. Mas, sim, o chefe da economia segue sob pressão e uma questão nevrálgica está posta e não se encerrou esta semana nem se encerrará nos próximos dias. Guedes está diante de seu maior desafio desde o início do governo: segurar a liberação desenfreada de gastos sem atrapalhar os planos eleitorais de Bolsonaro, que, necessariamente, passam por gastar mais.

Por ora, na relação com o titular da Economia, Bolsonaro mais impõe suas vontades do que o inverso. Para que a semana terminasse melhor do que começou para o governo, Guedes teve de ceder, embora também tenha vencido importantes batalhas internas. Havia duas semanas que o ministro resistia a liberar uma parte significativa dos 31 bilhões do orçamento que não tinha sido executada até agora – o dinheiro sobrou porque algumas áreas do governo simplesmente pararam. Os recursos precisam ser gastos este ano ou não poderão ser usados mais. O que sobrar não poderá ser utilizado em 2021, pela limitação do teto de gastos. Pressionavam pela liberação do dinheiro os ministros do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, hoje uma espécie de antípoda de Guedes no governo, e da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas. O principal argumento da dupla nas reuniões do governo, apurou Crusoé, era o de que, já que o governo estava gastando 700 bilhões fora do teto com o combate à pandemia de Covid-19, não seria problema liberar mais 31 bilhões para obras e investimentos públicos.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéLibera-geral: o que Rogério Marinho diz é música para os ouvidos de Bolsonaro
Guedes estrilou e correu para o gabinete de Bolsonaro. Alertou para as armadilhas fiscais da proposta que, de quebra, ainda poderia elevar os juros e a inflação. Num primeiro momento, o presidente achou que o ministro da Economia estava sendo rigoroso demais. Segundo auxiliares de Bolsonaro, o chefe do Planalto tem se incomodado com algo que ocorre com certa frequência desde o início do ano: ele ouve Rogério Marinho, gosta do que escuta, mas quando chega em Guedes é convencido de que abrir ainda mais o cofre é algo quase impossível – muitas vezes o presidente atribui a resistência a uma certa “implicância” do titular da Economia com o colega da Esplanada. Apesar do tom sempre alarmista de Guedes, o tema permaneceu em aberto.

A reação do empresariado, no entanto, veio a galope. No início da semana, importantes players do PIB nacional e do mercado financeiro fizeram chegar aos ouvidos do presidente que os investidores que colocam dinheiro no Brasil acreditam que estão investindo em um governo comprometido com a responsabilidade fiscal, de olho num horizonte de longo prazo, com a perspectiva de juros baixos e inflação sob controle. Qualquer sinalização fora dessa expectativa afastaria investimentos.

Foi o suficiente para forçar Bolsonaro a encontrar uma solução que pudesse agradar a todas as partes envolvidas. Na reunião de quarta-feira, 19, entre Bolsonaro e Guedes, ficou acertado que ao menos 5 bilhões de reais serão utilizados. O ministro aquiesceu, mas, segundo seus auxiliares, meio que a contragosto para não ter de esticar ainda mais a corda. Antes de o assunto chegar ao gabinete de Bolsonaro, Guedes não havia topado nem mesmo esse valor, por considerá-lo fiscalmente inviável. Um aceno do Congresso, por meio do presidente da Câmara, Rodrigo Maia, de que haveria sobra de recursos das medidas provisórias já editadas pelo Planalto contribuiu para que Guedes conseguisse digerir com mais facilidade a proposta. Com isso, ficou acertado que na próxima semana a equipe econômica deve enviar, então, um projeto de lei para realocar a verba em obras. Do total de 5 bilhões de reais, Tarcísio e Marinho poderão definir a destinação de 1,5 bilhão cada um. O restante, ficará sob as ordens de Câmara e Senado.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéMaia e Guedes voltaram às boas: presidente da Câmara defende teto de gastos
O ministro da Economia acabou tendo que aceitar outras duas exigências do presidente: o auxílio emergencial de 300 reais – Guedes planejava um teto de 200 reais – e colocar de pé o programa Renda Brasil com mais ou menos esse acréscimo sobre o Bolsa Família. Para o ano que vem, o jogo está em aberto. A equipe econômica trabalha sobre as propostas orçamentárias de todos os ministérios – especialmente daqueles com maior fatia de recursos federais –, procurando dinheiro dentro das chamadas despesas “discricionárias”, de onde podem sair verbas para investimentos.

Para aliviar o cofre, segue na mesa a nova CPMF, travestida ou não de imposto digital. O Planalto também voltou a considerar enviar ainda em 2020 para o Congresso a proposta de reforma administrativa deixada nas gavetas de Paulo Guedes por Paulo Uebel, ex-secretário de Desburocratização. O projeto versa sobre um tema sensível ao Parlamento, mas integrantes da equipe econômica apostam que a tramitação pode ser facilitada por se tratar de um texto que se aplica apenas a servidores públicos que ingressarem na máquina federal após a sua promulgação.

Mesmo que o ministro da Economia tenha capitulado agora, a preocupação no governo é de que ele pode não aguentar a sanha eleitoreira do presidente por muito tempo. Os valores atuais foram pactuados, há um consenso em torno deles, mas o Renda Brasil, além de não ter o mesmo valor, não alcançará a amplitude do auxílio emergencial de 600 reais mensais, responsável por lustrar a imagem e turbinar a popularidade do presidente. Logo as pressões pela abertura da torneira de gastos podem ser retomadas. No governo, o temor é a reedição do episódio Sergio Moro, ex-ministro da Justiça que cedeu ao presidente até não suportar mais as tentativas de intromissões vinda de cima.

No caso de Guedes, a ofensiva nem sempre vem de cima. Na queda de braço dentro do governo, o titular da Economia se sente traído por Rogério Marinho. Entende que o levou para o governo, quando o ex-deputado perdeu o mandato, e Marinho, depois de virar ministro, se voltou contra ele. De qualquer forma, a sensação na equipe econômica é a de que Guedes pode até vencer as contendas e conseguir driblar um Congresso que, não raro, e mesmo adocicado com verbas e cargos, apronta das suas. Mas o que, na verdade, Guedes mais teme é não ser possível superar o ímpeto de um presidente em permanente campanha eleitoral, e que, para se reeleger, não se constrangerá em abrir mão de princípios econômicos que, na verdade, jamais teve.

Os comentários não representam a opinião do site. A responsabilidade é do autor da mensagem. Em respeito a todos os leitores, não são publicados comentários que contenham palavras ou conteúdos ofensivos.

500
  1. Tenho um conhecido que presta serviço comunitário em uma "comunidade" aqui em SP, e não acreditou quando viu várias famílias pegando os 600 e comprando celular.

  2. A inflação já vem a galope pra cobrar a conta da gastança, as donas de casa já perceberam aumento em todos os itens básicos. Deram 600 e os preços dispararam nas gondolas dos supermercados.

  3. de 5 bilhões 2 ficarão para Câmara e Senado administrarem. Boa opção!!! Paulo Guedes, da forma como é tratado por um presidente mentiroso e dissimulado, está fazendo hora extra no ministério.

  4. Deixe o barco, Paulo. A presidência do BID ainda é uma possibilidade. A aliança com o PT será eventualmente costurada, se não o foi. O Quadrilhão está em festa. A grande coalizão constituirá mais um jacá de maldades. No âmbito castrense, fala-se na zumbificação do regime; há mesmo quem se queixe de ter de segurar a vaca para que outros mamem -- com sofreguidão, mas sem qualquer sobressalto. O pior é que alguns sentem saudade de Dilma e seus notórios Três Porquinhos. Que pocilga, não é verdade?

    1. Não fique triste, não! As eleições se acercam e o contribuinte -- que a todos remunera -- já aprendeu a abater vampiros e zumbis. Trajando-se como Davi Eleitor e sempre munido de seixos e estilingue certeiros, o contribuinte é avesso a dar tiro no pé. Prefere, ao contrário, alvejar quadrilhas integradas por bandidos travestidos de políticos, empresários sugadores do estado obeso e disfuncional e jabutis arborícolas, os demiurgos onipresentes. O voto não é santo, mas ainda pode fazer milagre.

  5. Paulo Guedes, o mais novo Pinóquio do pedaço, pode pedir demissão, porque ministro da economia em que ninguém acredita e o fim da picada! vai levar o Brasil mais ainda para o fim do poço, tornando o País sem futuro.

    1. É um fanfarrão! Não entrega nada de concreto. A Reforma da Previdência, mixuruca, só saiu por causa de Botafogo. Não é à toa que PG se juntou a outro falastrão do mesmo naipe. A incompetência os une. #forabolsonaro

  6. #foraguedes, #forabanqueiros, #foraincompetentes, PG pior ministro do Bolsonaro, representante da pior classe social, a dos banqueiros, os verdadeiros sanguessugas e parasitas da sociedade, nada produzem, nada contribuem para a riqueza do País, apenas e tão-somente exploram a sociedade e o governo.

  7. Socialismo, comunismo, liberalismo, esses "...ismos" nunca funcionaram em lugar nenhum do mundo. O Paulo é ultraliberal totalmente ultrapassado, está no governo apenas para representar a sua classe (os bandidos banqueiros e rentistas mundiais), não sabe absolutamente NADA de serviço público, enfim o projeto dele era fazer o governo economizar R$ 3 trilhões (1 tri na previdência, 1 tri na reforma tributária e administrativa e 1 tri com as privatizações) e entregando essa grana para os banqueiros.

  8. Guedes Guedes, pule fora desse barco enquanto é tempo.... O naufrágio virá tanto pelo lado econômico como pelo lado político.. É meramente, uma questão de tempo...

  9. Bolsolixo PROMETEU não candidatar-se à reeleição. Prometeu lutar e apoiar a Lava Jato. BOLSOLIXO É TRAIDOR E MENTIROSO!!!

  10. Enquanto rola a água de baixo da ponte o MINTO vai fazendo campanha alegre e feliz. O Guedes sabe que está em canoa furada.

  11. Como nos lembrou Mario Sabino, a nossa verdadeira herança maldita é a reeleição. Esse presidente acha que nós seus eleitores somos tontos e cegos? A 1a vez que ele subiu no palanque dos evangélicos no início do mandato eu já esconjurei a quebra da palavra dada de que não queria se reeleger. Sempre pensou nisso.

  12. O artigo é bom nas informações que traz,mas a conclusão não procede,Guedes só saí do Governo junto com Bolsonaro.Que Deus nos ilumine a todos e um abraço fraterno em agnósticos e ateus!

  13. O poder tem enebriado/ enlouquecido os corações da maioria dos governantes.poucos se salvam desta sanha maluca em se autopromover, numa vida ping ping., vivendo em um vazio astronômico que preenche com vaidade e poder(dinheiro).Triste sina de um povo governado por gestores publicos enganadores

    1. Às vezes acho estranho a cegueira de Paulo Guedes. Bolsonaro não merece confiança. O que ele quer é reeleição. E o que ele teme é ser empichado. .

  14. no meu tempo de juventude as pessoas que tinham capacidade de ler o futuro ou premonição eram chamadas de "Bidú". O que temos hoje de "Bidús" no jornalismo brasileiro chega a impressionar.

  15. “NOVA CPMF” para COMPRAR o CENTRÃO e a REELEIÇÃO! BOLSONARO e PAULO GUEDES: os DEGENERADOS MORAIS que IMPEDEM o BRASIL de AVANÇAR! Em 2022 SÉRGIO MORO “PRESIDENTE LAVA JATO PURO SANGUE”! Triunfaremos!

  16. Se este patife deste GUEDES tivesse 30% da hombridade de do Dr. Mouro,já teria sumido deste governo palhaço que enganou a todos

  17. A situação de Guedes é confortável, porque é o único que conta com bomba armada pra implodir o governo. A sua saída vai gerar tamanha instabilidade econômica, que jogará o Brasil na sua pior crise monetária. E o governo vai virar pó, sem apoio da elite e sem dinheiro pra captar apoio.

    1. Isso seria o menos ruim para nós brasileiros que já estamos ferrados nesse mar de corrupção e abuso de poder dos sanguessugas que se apoderaram da máquina pública desse país.

  18. A velha política de, dá o peixe ao invés de ensinar a pescar. O socialismo causa dependência, decrescimento. A maior parcela de responsabilidade são das pessoas. Que pela comodidade, mesmo que a qualidade daquilo que lhe é oferecido,ñ satisfaça plenamente seus sonhos e necessidades, ainda assim, aceitam essa condição. Perpetuando o socialismo, a Era Tupiniquim. Lamentável. Finalmente, concluo que as pessoas são, o que são, por opção. Quando optam em mudar, ocorre progresso ou regresso.

    1. Maria é liberal com o dinheiro nosso. Libera renda brasil, libera cargo para o centrão, libera ai PGR uma agenda para o Wassef falar da JBS, Libera verbas para a area militar, Libera verba para propaganda, Libera .....Mas corta verba para a educação e saude.

  19. Guedes “subiu no telhado” mas botaram lá uma escada para ele descer. Se for uma pessoa decente, deverá retirar o time em futuro bem próximo. Como Bolsonaro não abrirá mão de utilizar dinheiro, que não existe, para conseguir se reeleger, duvido que Paulo Guedes admitirá essa mancha na sua biografia. Embora tenha aceitado participar desse governo porque realmente queria ajudar o Brasil não pode apoiar procedimento incorreto. Sou Roberto Bruzadin.

    1. Guedes é a salvação da lavoura, único com responsabilidade fiscal no governo. Agora que JB caiu nos braços do Centrão, o risco de haver brutal irresponsabilidade fiscal é imenso, podendo levar o país à bancarrota. Mas Guedes não vai deixar, por isso precisamos dele lá. O risco é JB querer gastar mais. Derrubaro teto é fácil, seja o de gastos como o da nossa casa. É só JB e o centrão querer. Aí, o primeiro tijolo a derrubar será o Guedes. Esse será o sinal "salve se quem puder".

    2. Roberto, me pergunto constantemente porque PG permanece em um governo de sanha progressista. Atualmente não acredito que ele tenha fé em emplacar uma agenda liberal, pois vejo se curvando à situação progressivamente. Começo a crer que ele tem motivos não-diletantes (portanto desvinculados à biografia ou ideais) para ficar no cargo...

Mais notícias
Assine agora
TOPO