O humor não tem limite por uma razão muito simples
A polêmica da semana ficou por conta do humorista Leo Lins (foto) ter feito uma piada extremamente cruel envolvendo crianças com hidrocefalia e, ao que consta, por esta razão ter sido demitido. Como é comum em situações assim, surge a pergunta: qual o limite do humor? Advogados e juízes costumam responder que o limite é...
A polêmica da semana ficou por conta do humorista Leo Lins (foto) ter feito uma piada extremamente cruel envolvendo crianças com hidrocefalia e, ao que consta, por esta razão ter sido demitido. Como é comum em situações assim, surge a pergunta: qual o limite do humor?
Advogados e juízes costumam responder que o limite é quando se torna um crime e debatem se a ofensa contida na fala de um humorista e se a lesão à honra do ofendido são suficientes para a configuração de um tipo penal. Como a avaliação depende de interpretação, ninguém chega a consenso algum e, na próxima polêmica, a pergunta hamletiana retorna: qual o limite do humor? Eis a questão.
Não concordo com essa abordagem. Para mim, e para Aristófanes – o que me coloca em muito boa companhia – o humor é, sem sombra de dúvida, uma arte. Aliás, das mais sérias, pois dotada necessariamente de elementos críticos. Mesmo o humor mais tosco sempre teve na história uma dupla função: servir como instrumento de crítica social, como nos ensina o provérbio latino ridendo castigat mores, e aliviar a tragédia com o riso.
Se o leitor admitir nossa premissa – minha e de Aristófanes – de que o humor é arte, a pergunta correta deverá ser: qual o limite da arte? E, nesse caso, o Direito não poderá dar sua resposta padrão – “quando for crime” –, afinal, um ator que faz no teatro o papel de um pedófilo não comete o crime de pedofilia, um assassino num livro não comete assassinato, o personagem de uma piada, seu autor e intérprete não são capazes de cometer crimes.
O humor sendo arte, a piada é ficção. Desde que no humorista se manifeste a intenção artística – o animus jocandi, não há crime contra a honra possível de lhe ser imputado, não há dolo. O limite à arte pode ser dado pela plateia, pelo repúdio social, pela demissão do artista, pela eventual perda de patrocínios de marcas que não se queiram ver alinhadas com esse discurso, mas não pelo Direito.
E isso porque mesmo o humor cruel e preconceituoso de Leo Lins, capaz de causar mais repulsa do que risos, possui intenção artística, questiona criticamente os valores morais de uma sociedade que, com acerto, caminha em direção do estabelecimento de uma visão de mundo mais inclusiva e igualitária. O que Leo Lins faz na maior parte de seus textos é debochar disso, ridicularizar quem pensa assim. Gostemos ou não, é humor, é arte.
E arte, repito, não pode ser limitada pelo Direito, pois o dia em que o Direito for o responsável por dar limite ao humor será porque não mais o aceitamos como arte, ou que a arte é passível de ser criminalizada. Em ambos os casos, será muito ruim.
André Marsiglia é advogado. Escreve sobre Direito e Mídias.
andremarsiglia.com.br / @marsiglia_andre
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Comentários (10)
Lucia
2022-07-15 01:35:57O humor de qualidade precisa de mais de dois neurônios! Sejamos objetivos: quantos grandes humoristas esse Brasil produziu? Só me ocorrem pouquíssimos nomes: Chico Anisio, José Vasconcellos, Ronald Golias - todos falecidos! Na nova geração ninguém chega aos pés de nenhum desses três! Fazer rir é muito mais difícil do que fazer chorar. Fazer rir com elegância e inteligência é coisa pra gênio!
CELSO VEIGA DE OLIVEIRA
2022-07-12 10:04:19Não credito em crença, religião, Deuses, mas bem que poderia nascer um filho dele com essa doença, para ele pensar um pouco mais na arte de não machucar outras pessoas.
FERNANDO GOULART
2022-07-11 16:19:59Interessante, sujeito carregou na tinta pra tentar justificar o injustificável. O que leva a pensar: Será que faria esse preâmbulo todo se houvesse em sua família alguém com o mesmo tipo de problema?? Ferro dói quando é na própria pele. São modinhas e "teses" como essa que nos colocaram na situação atual, onde prevalece a total falta de respeito entre aqueles que se denominam seres humanos. Tese (se é que dá pra ser chamada assim) no mínimo infeliz.
Ivan
2022-07-11 14:07:29Eu não concordo com os argumentos do artigo mas o ponto central é que o comediante não cometeu crime algum. As piadas de mau gosto devem ser repudiadas pelo público e consequentemente pelos patrocinadores para não perderem clientes. Do contrário estaremos inaugurando as piores práticas de censura e "programas de reeducação " típicos das ditaduras de esquerda.
Sônia
2022-07-11 08:21:21Concordo 100%
Pedro
2022-07-11 08:00:47Este é realmente ,e sem sombra de dúvidas ,o pior artigo que a Crusoé já publicou. Meus pêsames!
Mariella Monteiro Dos Santos
2022-07-11 02:04:48Independentemente da tese do artigo, lembro que a "piada" tbm zombou do flagelo da seca sobre os nordestinos. Com muita boa vontade, poderia ser um viés de crítica social. Mas a enorme crueldade alusiva à criança encobre qualquer mérito possível - e mesmo duvido que o 'artista' tenha tido a intenção dessa crítica.
Fabio
2022-07-10 19:40:05O pais que trata piada como coisa séria, mas coisa séria como piada...
Ivan
2022-07-10 17:25:23É óbvio que fazer piada de mau gosto não é crime. Qual a dúvida?
Dulce
2022-07-10 14:20:43A sociedade ainda não tem consciência de seu poder de veto. Parecemos anestesiados. Não comprar, não consumir e mudar de canal são as formas mais simples e efetivas de acabar com o que nos ofende ou desagrada. Gosto e senso são subjetivos. Patrocinadores sentem o baque e tomam providências por nós. O resto é espuma.