Dhiego Maia/Folhapress

‘Não podemos começar uma nova pandemia’, diz epidemiologista americano

04.04.21 12:11

O epidemiologista Eric Feigl-Ding, da Federação dos Cientistas Americanos, foi um dos primeiros cientistas a alertar para o perigo do coronavírus, em janeiro de 2020. Para ele, a variante P1, que surgiu em Manaus, representa um risco para o mundo todo, pois pode iniciar uma nova pandemia. Ele falou a Crusoé:

Qual é o perigo da variante P1?
Essa variante já está circulando no mundo todo. Como o Brasil (foto) tem muitos laços com países latino-americanos e europeus, ela está se espalhando rapidamente. Mas mesmo na província de Colúmbia Britânica, no oeste do Canadá, onde fica a cidade de Vancouver, foram registrados 20 casos recentemente. E este é um lugar que, convenhamos, não é assim tão próximo do Brasil. Atualmente, a P1 não está tão disseminada como a variante britânica, que é bem mais prevalente. No Reino Unido, mais de 95% dos casos são com a variante britânica. Na França, 75%. Nos Estados Unidos, 50%. O problema é que, assim como a variante britânica acabou substituindo a cepa original, a variante P1 pode ganhar espaço no futuro. Repare que, hoje, as primeiras cepas quase desapareceram. Mas a variante britânica acabou trazendo o problema de volta. A chanceler alemã, Angela Merkel, disse que não podemos ter uma nova pandemia. Ela não se referia à P1, mas sua preocupação é legítima. Não podemos começar uma nova pandemia. 

Por que a P1 teria essa capacidade?
A variante britânica é 40% ou 60% mais rápida para se alastrar que a cepa original. Já temos um estudo dizendo que a P1 pode ser 60% mais ágil que a britânica. Outro fala em 2 vezes mais rápida e um terceiro diz 2,5 vezes mais veloz que a variante britânica. Não temos ainda pesquisas dizendo se ela produz sintomas mais graves que as demais. A questão é que, ao contaminar mais pessoas em um curto período de tempo, a P1 lota os hospitais rapidamente. Quando acabam as camas nos hospitais, os remédios se esgotam, o oxigênio chega ao fim, a taxa de mortalidade cresce muito mais rapidamente, porque não há recursos para cuidar de todos. Pode-se até aumentar o número de camas e leitos de UTI, mas não é tão fácil elevar o total de médicos e enfermeiros de um dia para o outro. E se as pessoas infectadas se acumulam nas salas de espera ou nas casas, então o vírus se multiplica ainda mais. 

O que poderia ser feito agora?
Pode parecer meio estúpido fazer um lockdown quando os hospitais já estão cheios. É óbvio que isso tinha de ser feito antes. Mas essa é, agora, a melhor coisa a se fazer. Quando há uma chama consumindo uma floresta, é preciso conter o incêndio o mais rapidamente possível, mesmo que seja retirando todo o oxigênio em volta dele. É isso o que as medidas restritivas podem fazer.  

O negacionismo do governo brasileiro tem relação com o surgimento da variante P1?
Essas coisas estão conectadas porque o vírus pode sofrer mutações quando se multiplica livremente. O governo deixou o coronavírus se replicar muito rapidamente no ano passado. Quando há várias pessoas se contagiando, é como se os vírus competissem entre si. Aqueles que conseguem infectar mais hospedeiros podem treinar melhor suas habilidades e explorar as fraquezas das pessoas, da maneira mais diabólica possível. O vírus mais bem-sucedido em se alastrar é aquele que poderá dominar no futuro. Há uma razão para não estarmos falando de uma variante neozelandesa ou australiana. Esses países adotaram medidas restritivas de circulação e impediram a proliferação dos vírus. Sem novos hospedeiros, eles não conseguiram treinar. Jair Bolsonaro desprezou essa lógica. Ele se recusou a fazer lockdowns e até tentou bloqueá-los.

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