Ricardo Stuckert/PR via FlickrLula com Alckmin no Planalto: governo deve tomar cuidado para não embarcar em descolamento de realidade

Tá ruim, mas tá bom

Pesquisa Quaest demanda mudança da autopercepção que Lula e do núcleo duro deste governo fazem de si mesmos
08.03.24

A nova pesquisa Quaest de popularidade e aprovação do governo deve ter o peso de uma esfinge para núcleo duro petista. Não porque seja difícil de interpretar – pelo contrário, as conclusões são tão evidentes que quase estapeiam o leitor –, mas porque ela exige uma mudança da autopercepção que Lula e seu núcleo duro fazem de si e de como ela conflita com a realidade econômica, política e social do país.

Nesse sentido, o primeiro conselho que a pesquisa traz é: não acredite na sua própria narrativa. Quem comemora o “pibão do Lula”, crescimento de 2,9% em 2023, pode perigosamente deixar de reconhecer que o segundo semestre do ano passado mostrou que a coisa deixou de acontecer, com redução de ritmo e mercado de trabalho deixando de avançar.

Há dados que evidenciam uma piora da sensação econômica das pessoas. O percentual de entrevistados que disse que a economia piorou nos últimos 12 meses subiu 7 pontos, chegando a 38%, a expectativa de que as coisas vão piorar nos próximos 12 meses cresceu 6 pontos, alcançando 31%, e a percepção de que os preços das contas, dos alimentos e dos combustíveis subiram 63%, 73% e 51% respectivamente.

O governo deve tomar cuidado para não embarcar no descolamento de realidade que defensores mais fortes da gestão Lula assumem ao analisar eventos desconfortáveis, emitindo opiniões que já nascem como memes na linha do “tá ruim, mas tá bom”. Um exemplo recente foi comemorar o aumento da arrecadação sabendo que boa parte do dinheiro veio de impostos cobrados do pagamento de um volume colossal de precatórios e não de aumento de atividade, ou seja, a melhoria da receita veio do aumento da dívida.

O segundo conselho é não perder o eleitor não alinhado. Com uma divisão ideológica bastante definida, ou calcificada, como disseram recentemente Felipe Nunes, da própria Quaest, e o comentarista político Thomas Traumann, só há um eleitor que importa, qual seja, o que votou no ex-presidente Jair Bolsonaro em 2018 e escolheu Lula em 2022. Nos Estados Unidos, o cidadão que pode migrar entre democratas e republicanos é chamado de “swing voter”.

No entanto, a pesquisa sugere que é justamente esse cara que mais contribuiu para a piora da imagem do governo. Essa é uma leitura pode ser feita na pergunta da avaliação geral. Aqueles com opinião positiva ficaram estáveis (35%), os entrevistados com posição neutra caíram 4 pontos (28%) e os de percepção negativa aumentaram 5 pontos (34%).

Provavelmente, a perda dos isentões é a consequência visível das declarações polêmicas em relação à guerra entre o Hamas e Israel em Gaza ou do pedido que Lula fez á opinião pública internacional para que Nicolas Maduro seja agraciado benefício da presunção de inocência na sua intenção de realizar eleições competitivas e transparentes, mesmo que inviabilizando abertamente opositores. Nesse grupo, que pode ter temido que Bolsonaro realmente desse um golpe, pode estar crescendo o medo de que Lula realmente afaste o Brasil excessivamente do Ocidente.

Qual a chance dessa leitura fazer o governo ajustar seus rumos? Pequena. A receita pronta do PT para esses momentos de desconforto tem sido criticar o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, por manter os juros em patamar elevado (evitando discutir as razões para isso) e pressionar o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para esquecer qualquer preocupação fiscal, soltando a rédea para injetar “dinheiro na veia”. Considerando que o país já sente os efeitos gravitacionais das eleições municipais de outubro, dificilmente vai se escapar dessas “receitas rápidas”, deixando os ajustes necessários para 2025.

Olhando bem, trata-se de um dilema que nem sequer é novidade para o PT. Quando Gilberto Carvalho, então ministro da Casa Civil da ex-presidente Dilma Rousseff, desistiu de entender os protestos de 2013, concluiu que o sentimento do povo na rua em relação ao governo naquele momento só podia ser de ingratidão. A diferença é que hoje não há nada de decifra-me ou devoro-te nos motivos do aumento da insatisfação. A única dúvida que se tem é se macaco velho por aprender truque novo.

Leonardo Barreto é cientista político e diretor da VectorRelgov.com.br

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  1. O governo vai dobrar a aposta: mais intervencionismo na economia (pressão sobre a Petrobras, Vale e empresas como ifood e uber é exemplo), mais arrecadação, distribuição de mais subsídios ao exército de miseráveis e acenos constantes a eternos espantalhos como Bolsonaro e Roberto Campos Neto, já que é necessário sempre ter um culpado exterior e um papão à espreita. A receita é repetida e fracassada. Agora falhará também. E nós vamos todos pagar.

  2. Infelizmente o brasileiro vota em populistas. Não faz análise, não investiga, não quer saber quem é, de fato, seu candidato. Ele quer alguém que fale a sua linguagem. Uma vez que o candidato entra no poder, esse brasileiro volta para sua luta diária, e esquece de cobrar dos eleitos tudo que prometeram. Quero ver quando chegará o momento em que nosso povo arriscará num candidato que esteja disposta a medidas impopulares para futuros bons resultados.

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