Foto: Reprodução de vídeoMotociata de Marçal: mesmos gestos, novos significados - Foto: Reprodução de vídeo

Bolsonarismo 2.0

Entrada de Pablo Marçal na arena leva a perguntar se é possível um bolsonarismo sem Bolsonaro, ou um bolsonarismo apesar do ex-presidente
30.08.24

Pablo Marçal pode não ser Jair Bolsonaro, mas ambos são representantes do mesmo fenômeno político e os eleitores sabem disso. Uma ilustração disso, por mais paradoxal que possa aparecer, é o desembarque de bolsonaristas da campanha de Ricardo Nunes. 

Para eles, trair a orientação de voto do ex-presidente é uma forma de manter-se fiel ao movimento que ele lidera, como disse um seguidor fiel esses dias: “o nosso povo não é bobo. Todo mundo percebeu que o Bolsonaro apoiou o (Ricardo) Nunes sem convicção porque é um tonto que acha que precisa agradar ao Valdemar (Costa Neto, presidente do PL). Aí abriu espaço para um contestador à direita. Agora já era. É o M.”  

Diante disso, já se pergunta se é possível um bolsonarismo sem Bolsonaro ou, no limite, se pode haver um bolsonarismo apesar do ex-presidente. A primeira questão trata de um eventual herdeiro político, situação objetiva que, até agora, se apresenta para 2026, considerando seu impedimento legal de concorrer. A segunda é sobre uma eventual perda de controle dos eleitores de direita. 

Para começar essa análise, é preciso primeiro lembrar que Bolsonaro não é Lula. Isso significa dizer que, ao contrário do que ocorre no espectro da esquerda, no qual o petista detém o monopólio da liderança, o campo da direita está pouco consolidado em matéria de oferta de candidatos e partidos. Ou seja, há uma avenida para novidades e outros atores e Bolsonaro pode ser lembrado que ele não criou a onda que o levou até a presidência em 2018, embora tenha sabido aproveitá-la. 

Nesse sentido, Marçal talvez possa até dispensar Bolsonaro se tiver características que o conectem mais com o espírito da direita. Há algumas vantagens no ex-coach goiano que chamam atenção. A primeira é a diferença geracional, não pela questão da idade, mas porque Marçal, ao contrário do ex-presidente, não traz o peso da participação no regime militar, sempre uma pesada fonte de rejeição que o ex-presidente carrega.

A segunda é a conexão social de Marçal gerada pela “secularização” da teologia da prosperidade, elemento constitutivo da maior parte do movimento evangélico neopentecostal, que ele promove. Bolsonaro apareceu para o país ligado fundamentalmente ao antipetismo. Elementos religiosos e liberdade econômica foram sendo introjetados na sua persona política ao longo da construção do tempo.

No caso de Marçal, não apenas essa relação com o discurso que relaciona prosperidade material e merecimento espiritual vem “de fábrica”, como já chega adaptada para arena política, sem tantas referências explicitamente religiosas. Por exemplo, em um dos episódios divulgados nas redes sociais, Marçal “prega” para uma pessoa de esquerda usando um “livro sagrado”. O que ele segura, no entanto, não é a Bíblia, mas uma carteira de trabalho. 

Outra questão são os temas morais. Com exceção de acusações contra Guilherme Boulos, afirmando que ele é um consumidor de drogas, outros assuntos relacionados a gênero ou direito das mulheres, por exemplo, estão ficando de fora. Para Bolsonaro, depois do antipetismo, esse era sua pauta favorita.

O que o crescimento de Marçal está testando, portanto, é o controle de Bolsonaro sobre a direita e simulando já o cenário pós-Bolsonaro no maior laboratório eleitoral possível que é a cidade de São Paulo. Se ele conseguir desbancar Ricardo Nunes e furar a bolha da direita – não há nas pesquisas nada ainda que indique isso – vai ter capacidade de se apresentar como uma evolução do bolsonarismo e forçar, muito provavelmente, Bolsonaro a reconhecer que o herdeiro do seu movimento político muito provavelmente não sairá da sua família.

Leonardo Barreto é cientista político e sócio da I3P Risco Político

 

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  1. Minha nossa!!! Quando a gente pensa que a política brasileira não pode piorar ela vai ladeira abaixo.. Nao tem como o Brasil dar certo

  2. O Marçal mostra que a polarização Lula x Bolsonaro poderá continuar mesmo com outros nomes, garantindo políticas populistas e nosso voo de galinha, infelizmente

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