Cercada por seguranças, Joice deixa a sede do governo de transição, na quarta-feira: esforço para se mostrar influente

Uma deputada do barulho

Quem é Joice Hasselmann, a polêmica deputada que se apresenta como a "Bolsonaro de saias", pretende liderar o partido do governo e já está em guerra aberta com um dos filhos do presidente eleito
07.12.18

O Audi preto blindado para em frente a um hotel de luxo da região central de Brasília. É manhã de quarta-feira, 4 de dezembro. Um agente de segurança desce do carro e, com cuidado, checa se há alguma ameaça ao redor. Só depois a passageira principal desembarca. No banco de trás, ela havia acabado de gravar um vídeo para ser postado nas redes sociais sobre um assunto que estava quebrando a internet: a morte de um cachorro por um segurança de uma loja do Carrefour na cidade paulista de Osasco. Joice Cristina Hasselmann estava atrasada para um café da manhã. Era o primeiro de mais de uma dezena de compromissos que ela teria, um depois do outro, quase sem interrupção, até as 2 horas da madrugada seguinte. Desde o resultado das eleições, em que ultrapassou 1 milhão de votos e levou uma vaga de deputada federal por São Paulo, ela se apresenta como uma das lideranças mais influentes da bancada do PSL, o partido de Jair Bolsonaro. Fala com outros parlamentares, com integrantes do futuro governo, empresários, agentes do mercado. Sempre se mostrando como alguém que terá poder de decisão e trânsito livre em Brasília a partir de janeiro. O jeitão estrondoso e a desenvoltura com que tem chamado para si temas do partido provocaram um cisma interno. O deputado Eduardo Bolsonaro, filho do presidente eleito, protestou primeiro no Twitter. Depois, no grupo de WhatsApp da bancada. Joice reagiu ferozmente.

O tiroteio, noticiado pelo Diário de Crusoé, trouxe a público uma renhida disputa por poder e espaço no partido de Jair Bolsonaro. Embora estivesse em um embate com o filho do futuro presidente, a deputada eleita não baixou a cabeça. E nem deu sinais de que pretenda baixar. Muito pelo contrário. Sua agenda seguiria intensa nas horas seguintes. A despeito das queixas, ela continuaria na mesma toada, em articulações políticas explícitas envolvendo o futuro governo. Na quarta, horas antes de a guerra vir à luz, no café marcado no hotel ela discutiu o futuro do PSL com um correligionário. Depois, seguiu para o Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), o quartel-general da equipe de transição. Reuniu-se com representantes do Itamaraty para tratar, segundo ela, das cerimônias da posse presidencial e, depois, com o futuro ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni. Em seguida, almoçou com o presidente do PRB, Marcos Pereira, em um restaurante próximo. E foi para outro almoço — sim, ela marca dois almoços no mesmo dia –, desta vez com Rodrigo Maia, na residência oficial da presidência da Câmara dos Deputados. Estava atrasada em uma hora e ele já não a esperava. Ela correu, então, para encontrá-lo no Congresso. Maia a recebeu prontamente. Conversaram por meia hora. A reunião seguinte da deputada eleita foi com seu futuro chefe de gabinete. Já havia mais um encontro engatilhado para a sequência, com o quarto-secretário da Câmara, responsável por administrar os imóveis da Casa. Depois da conversa, Joice foi conhecer dois dos gabinetes disponíveis para os recém-eleitos, entre os quais deverá escolher o seu.

Entrou em outra reunião, na liderança do PSDB. Voltou ao CCBB para encontrar a bancada tucana. Foram duas horas lá. Já à noite, dirigiu-se ao Senado para um encontro com o senador Tasso Jereissati, o futuro presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, o secretário do Tesouro, Mansueto Almeida, e o senador Ronaldo Caiado, eleito governador de Goiás. Finalmente, foi jantar em uma mansão no Lago Sul com o ministro das Cidades, Alexandre Baldy, do PP. Antes de entrar, passou dez minutos ao telefone com o governador eleito de São Paulo, João Doria. Estava de novo atrasada quando desceu do carro. Era para ter chegado uma hora antes. Toda essa maratona, diz ela, é por Bolsonaro. “Sou a cara do Jair Bolsonaro dentro do PSL. Sou mais parecida com o Jair do que os próprios filhos dele dentro do partido, porque a gente é muito alinhado em muita coisa. Tem estilo parecido e até o jeito meio intrépido. A diferença é que ele é militar, e eu sou mais polida. Porém, tão ou mais forte que ele no embate. A gente é muito parecido de alma. É como se fosse um xerox de alma”, afirmou Joice Hasselmann a Crusoé, entre uma agenda e outra. A menção ao partido e aos filhos do presidente eleito não era à toa. Àquela altura, Joice havia acabado de ler o tuíte de Eduardo Bolsonaro no qual ele dizia que “apenas os deputados que estão exercendo mandato têm autonomia para fazer articulações no Congresso”. Era um recado direto para ela.

Adriano Machado/CrusoéAdriano Machado/CrusoéEduardo Bolsonaro: a deputada eleita está em guerra com o filho do presidente eleito
Nas horas seguintes, o grupo do WhatsApp da bancada do PSL ferveria. A confusão entrou pela madrugada e se estendeu ao longo de toda a quinta-feira, com trocas de farpas e fartas acusações. De um lado estavam o filho do presidente e um de seus aliados de primeira hora, Major Olímpio, senador eleito e presidente do PSL paulista. Do outro, Joice. Eduardo a acusou de “atropelar qualquer um que esteja à frente de seus objetivos”. Ela retrucou dizendo que o filho de Jair Bolsonaro deve “crescer” e parar de mandar “recadinhos infantis” pelo Twitter. Depois, Eduardo a chamou de louca. E ela pediu que ele parasse de “molecagem”. As mensagens mostraram que, desde a campanha, havia uma guerra surda dentro do partido de Bolsonaro. Foi quando a confusão começou. Joice se sentiu escanteada por Eduardo e por Major Olímpio quando foram definidas as candidaturas ao governo paulista e ao Senado. Ela queria ser candidata ao governo e, posteriormente, ao Senado. Olímpio, dirigente do partido, barrou as duas pretensões com a ajuda de Eduardo. A tensão não-resolvida foi transportada para Brasília. Joice ignorou o posto de líder de Eduardo e, atropelando o filho de Bolsonaro, passou a se comportar como a principal referência do novo governo em articulações com o atual Congresso e com os presidentes de partidos. Em paralelo, aproximou-se da primeira-dama, Michelle, para tratar de assuntos da cerimônia de posse. Se há espaço, ela ocupa. Palpita sobre a formatação da futura Secretaria de Comunicação da Presidência, área na qual, acredita, terá bastante influência, e ainda sobre temas sensíveis, como previdência, educação e saúde. “Eu tenho tentáculos na transição. Acompanho um pouco de tudo”, diz, exalando orgulho e autoconfiança.

Mas afinal, ela age assim porque pedem ou simplesmente porque quer? “As pessoas pedem para mim. Falam ‘toca isso’. O presidente do partido (Luciano Bivar) pede, o Onyx (Lorenzoni) pede, o Jair pede. Tenho perfil de executiva. É o que sei fazer de melhor. Está meu no DNA. Sempre fui desse jeitão”, diz. E conclui: “É o dia inteiro presidentes do partido me ligando porque é em mim que enxergam a liderança para essa articulação”. Pivô de uma guerra interna que já se mostra explosiva, a futura deputada começa a discorrer, então, sobre sua principal missão do momento: a formação de um bloco parlamentar na Câmara. Seria também a base do governo Bolsonaro. No papel em que rascunhou a estratégia com Onyx nesta quarta-feira, estavam listados PSL, PRB, DEM, PR, MDB, PSDB, Podemos, PPS e PSD. Juntos, esses partidos somarão 260 deputados na próxima legislatura. A ideia é que de tal grupo saia um nome de consenso para as presidências da Câmara e do Senado, que por ora se afiguram das mais imprevisíveis dos últimos anos. “Estou articulando com os partidos em alinhamento com o governo, tentando costurar um grande bloco. O objetivo é ter gente de confiança do Jair em posições estratégicas na Câmara.” Ela evita, porém, dizer quem o futuro governo preferiria nas duas cadeiras principais do Congresso. “Não estou me posicionando sobre o melhor ou pior nome. O que estou fazendo é deixar a porta aberta para todo mundo. Temos que formar um bloco e deixar as candidaturas correndo. E há outras (candidaturas) que ainda podem aparecer também.” Além das nove legendas anotadas no pedaço de papel, PP e PTB devem engordar o rol, o que faria o bloco chegar a 307 votos na Câmara. Trata-se de um número expressivo, embora em algumas matérias o governo vá precisar de mais — para aprovar uma emenda constitucional, por exemplo, são necessários 308 votos.

Se prosperar, o bloco de sustentação de Bolsonaro teria os mesmos partidos que integram a base de Michel Temer e outros que integraram a base de Lula e Dilma Rousseff. Com a segurança de quem se considera autorizada a tratar do assunto, Joice garante, porém, que o toma lá dá cá dos últimos anos não mais ocorrerá porque os partidos perceberam o novo modelo de relacionamento que o presidente pretende impor ao Parlamento. “No máximo eles pedem os espaços do Congresso. São negociações republicanas.” A ciumeira dos colegas de partido causa algum desconforto à deputada. Pelo tom do discurso, ela se incomoda mais com a relação interna no PSL do que com as dificuldades no trato com a demais legendas. “Não dá para dizer o que é ainda essa bancada do PSL. A gente vai descobrir daqui para a frente. É muito heterogênea. Vai ter que se encontrar. Não tem uma fotografia ainda. Se vai ser mais comportada ou menos comportada. Se vai seguir o líder, se vai ser independente.”

Diante do Congresso: “Sou a cara do Jair Bolsonaro dentro do PSL. Sou mais parecida com o Jair do que os próprios filhos dele”
Joice diz que já está ambientada ao ambiente político de Brasília e à própria cidade: “Me sinto em casa. Sempre me senti. Parece que eu sempre estive aqui. Não estranho nada. Tem um ar de interior, né?”. A paranaense de Ponta Grossa radicada em São Paulo reclama apenas da qualidade de alguns serviços na capital. Conta já ter reclamado com o chef da filial brasiliense do Rubayat, encravado à beira do Lago Paranoá, por não oferecer no cardápio massas grano duro. Em Brasília, Joice sonha grande. Não faz muito tempo, indagada se pensa em um dia alçar voos mais altos, ela respondeu sem pestanejar: “O céu é o limite”.

A briga com os correligionários e a ocupação acelerada dos espaços nesses pouco mais de 40 dias de transição são apenas um aperitivo do barulho que Joice deve provocar no Congresso – e também no Palácio do Planalto do aliado Jair Bolsonaro – nos próximos quatro anos. O que ela tem feito, na verdade, é apenas uma transposição para a política do perfil que construiu como jornalista e youtuber. Aos 40 anos, ela é um fenômeno da internet, o que aumenta o medo dos adversários e, como se viu nos últimos dias, também dos correligionários. Tem 2,3 milhões de seguidores no Facebook, 1,1 milhão no Youtube e quase 1 milhão no Instagram. Anda com quatro aparelhos de celular que, juntos, comportam nada menos que dez linhas de telefone. Foi nas redes que ela construiu uma parte importante da vida pessoal. Acabou casando com um seguidor, o neurocirurgião piauiense Daniel França. Após receber dezenas de e-mails dele, ela finalmente respondeu. Primeiro, deram início a um relacionamento virtual. Meses depois, encontraram-se pela primeira vez no restaurante Fasano, em São Paulo. Casaram-se em junho de 2016. É o segundo casamento de Joice. Com o primeiro marido, a quem chama de “falecido”, teve dois filhos. Os vídeos que grava — boa parte com um dos celulares afixado sobre um tripé que fica sempre ao seu lado no banco de trás do carro — têm por regra estarem alinhados com o assunto do dia nas redes. O de quarta-feira, sobre o cachorro maltratado e morto no Carrefour de Osasco, é um exemplo. No vídeo da véspera, Joice havia centrado fogo no ministro do Supremo Tribunal Federal Ricardo Lewandowski, que pediu a prisão de um advogado que o criticou a bordo de um avião comercial. Amigos e admiradores telefonam para comentar os petardos que ela lança na internet. Na quarta, Crusoé presenciou dois telefonemas em que, tardiamente, a deputada bolsonarista recebia os parabéns pelas críticas a Lewandowski. “Ministro de merda, vem me prender ministro de merda”, repetia ela aos interlocutores.

O estilo agressivo a molda desde a juventude no Paraná, onde iniciou a carreira enquanto ainda cursava jornalismo na Universidade Estadual de Ponta Grossa. Começou a trabalhar como estagiária na CBN local, onde foi promovida, segundo ela própria, de repórter a diretora sem ter diploma ainda. Joice não economiza nos autoelogios. “Foi o único case nacional chancelado pelo Sistema Globo de Rádio de uma acadêmica ser diretora.” Formou-se e foi trabalhar na Bandnews de Curitiba, onde, diz, obteve “a maior audiência do Brasil proporcionalmente”. O apresentador Ratinho a chamou para sua afiliada do SBT, onde virou colunista política. De novo, gaba-se: “A audiência disparou e passamos a vice-líder”. De lá, aceitou uma “proposta irrecusável” e partiu para a repetidora da Record no Paraná. Na sequência, criou o Blog da Joice, que acabou por virar um motivo de constrangimento. O Sindicato dos Jornalistas do Paraná a acusou de plágio por transcrever na plataforma textos de outros veículos sem dar o devido crédito. Ela nega a prática e diz que o processo correu à sua revelia. “O juiz anulou a citação, mas não anulou o processo”, diz o presidente do sindicato, Gustavo Vidal. Ele complementa: “Aqui no Paraná ela não pisa. Foi criado até mesmo o verbo ‘joicear’ como menção a quem copia texto dos outros”. O assunto a incomoda. “Foi armação daquele sindicato de merda que me persegue desde a faculdade. Minha briga começou lá e esses meus coleguinhas ficaram numa carreirazinha assim (mostra sinal de “pequeno” com a mão) e a minha fez vupt (aponta o dedo para cima). A imprensa do Paraná sempre teve nhenhenhém comigo.”

Rafael Carvalho/Gabinete de TransiçãoRafael Carvalho/Gabinete de TransiçãoJair Bolsonaro fala em reunião no QG da transição: ela se esforça para estar sempre por perto
Até então, Joice era uma jornalista local. Mudou de patamar ao ser contratada para o site da revista Veja, onde estrelava vídeos que a projetaram nacionalmente. Ficou lá pouco mais de um ano. Sem travas na língua, atacava o PT com virulência. Em um dos vídeos, ela dizia que “Lula é um câncer”. Foram os ataques ao petismo, afirma ela, que acarretaram ameaças de morte em série. Ameaças que, garante, se mantêm até hoje. Na última sexta-feira, enquanto dava uma entrevista para uma revista feminina, recebeu uma caixa contendo uma cabeça de porco sobre a qual havia uma peruca loira e um bilhete: “Puta judia, vai sofrer, depois morrer”. Desde então, sua equipe de segurança aumentou de tamanho. Agora são oito agentes. Joice era evangélica batista, mas de dois anos para cá afirma que se descobriu judia. Foi durante uma viagem a Israel, durante a qual uma autoridade local disse ter percebido sua “alma judia”. Segundo ela, essa mesma autoridade indicou um profissional que fez um teste de DNA. A impressão inicial estaria correta. Descendente de austríacos e ucranianos, ela é hoje uma das principais defensoras, tal qual Bolsonaro, da mudança da Embaixada do Brasil em Israel de Tel-Aviv para Jerusalém. A repentina “descoberta” de que é judia já lhe rende frutos. Alguns dos seus principais doadores de campanha são judeus.

O mesmo antipetismo que a projetou nacionalmente motivou a aproximação com Jair Bolsonaro. Depois de gravar um vídeo em que falava sobre o embate dele com a deputada do PT Maria do Rosário, o então deputado a procurou. Primeiro, por telefone. Combinaram uma entrevista em Brasília. “Foi amor à primeira vista”, diz ela, que o chama de 01. “Teve uma empatia grande um com o outro. Começamos a nos falar mais. Ele começou a se aconselhar comigo. Nossa relação foi se afinando.” Já neste ano, partiu dele o convite para que ela se lançasse na política. Virou a deputada mais votada da história. Após a eleição, seu nome começou a circular como possível líder do PSL na Câmara. Conforme ela foi passando a atuar como interlocutora entre a equipe de transição e parlamentares de diferentes partidos, seu nome começou a ser considerado também para a liderança do futuro governo no Congresso. Na prática, por conta própria e antes mesmo de tomar posse como deputada, Joice já se arvora detentora de ambos os postos.

Se nutre relação próxima com Bolsonaro, ela também é muito próxima do governador eleito de São Paulo, João Doria, a quem chama de “Joãozinho”. A relação nasceu também no antipetismo. Aproximaram-se em 2016 na eleição para a Prefeitura de São Paulo. “Por uma razão muito simples: eu luto contra o PT. Então, se o PT tem um candidato, eu apoio o outro, seja quem for”, diz. Neste ano, Joice foi uma das principais auxiliares do futuro governador paulista, especialmente na reta final da campanha. Ela diz que o tucano só ganhou a eleição por causa… dela. “Fiz campanha para ele e ele venceu por causa disso. Há uma conta que se faz que minha atuação no segundo turno deu a ele mais de 1 milhão de votos e a diferença dele para o (Márcio) França foi de 700 mil votos. É uma conta interna de marqueteiro, de instituto”, afirma. E se houver um embate entre Bolsonaro e Doria em 2022, quem você apoiaria?, indaga Crusoé. Ela sai pela tangente. “Tem muita água pra rolar ainda embaixo da ponte.” Na quarta-feira, no meio da tarde, Doria telefonou. Joice não pôde atender. Mandou de volta um áudio dizendo que o tucano poderia ligar novamente em breve porque ela estaria em “terreno amigo”. Estava a caminho do Senado. Os dois se falariam bem mais tarde, por volta das 22 horas. Ela não revelou o assunto da conversa.

ReproduçãoReproduçãoNa série que produziu e publicou no YouTube, Joice representa uma jornalista investigativa que anda armada com pistola (detalhe)
A futura deputada diz que sempre esteve do mesmo lado na política. “Eu sempre fui de direita, mas tem muita gente que entrou nessa onda. Tem gente que é de centro, que tem apenas pauta radical, que é nacionalista apenas. Agora vai dar uma depurada”, afirma. Qualquer conversa que envolva minimamente as pautas da esquerda a faz subir o tom de voz. “Não sou feminista. Sou uma mulher forte. Aliás, sou uma mulher muito mais forte do que qualquer homem do Congresso. Agora, reduzir força, coragem, bravura e jeito intrépido de falar e agir com feminismo é você pegar todas as qualidades de uma mulher como eu e colocar em uma caixinha. Gosto de salto alto, perfume, escova no cabelo. Como uma mulher que arranca a blusa em praça pública e sai de biquíni escrevendo qualquer coisa no traseiro vai me representar? Não dá, entendeu?”, discursa, empolgada. Em Brasília, um dos duelos mais esperados é justamente o dela com outra mulher, Gleisi Hoffmann, a presidente do PT que as urnas rebaixaram do Senado para a Câmara. “Ela é da minha cota pessoal. Vou dar uns pisões nela. Gleisi representa tudo de ruim. É a representação do Lula ali dentro e o Lula é meu inimigo pessoal. Esse embate é meio inevitável por sermos mulheres, paranaenses e pelo histórico de cada uma, eu pela direita e ela pela esquerda.”

A deputada eleita que promete liderar a bancada pró-Bolsonaro na Câmara conta que sempre foi aconselhada a ser mais suave, mas nunca conseguiu. Pouco antes de se lançar na política, ela criou uma série na internet para mostrar seu lado “mais humano e menos briguenta”. Foi uma espécie de autoprodução inspirada nos sucessos da Netflix, mas um tanto improvisada, e baseada na Operação Lava Jato. Joice reinterpreta ela própria. Posa como jornalista investigativa. Em doze microcapítulos, aparece em situações inusitadas e pouco comuns para um repórter da vida real: ao volante de um Porsche, tem encontros secretos com fontes mascaradas e carrega uma pistola. No primeiro capítulo, ela recruta uma jovem jornalista (ou “uma Joicinha”, como diz) para ajudá-la a destrinchar um pacote de documentos. Os filmetes foram gravados nos Estados Unidos, para onde pensou em se mudar se o PT ganhasse a eleição neste ano. Em sua breve passagem pela terra de Donald Trump, por sinal, Joice ensaiou uma carreira de empresária. Chegou a abrir uma firma, a JHN Channel, com o mesmo nome de um canal que lançara no YouTube. A empresa, contudo, teve vida curta. Foi registrada em Miami em janeiro deste ano e desativada em 13 de agosto, três dias antes do início da campanha eleitoral. A descrição da empresa nos registros oficiais da Flórida é pomposa e autorreferente: “Canal de notícia global e entretenimento online e offline por Joice Hasselmann, a jornalista”. De repente, tudo mudou. Agora Joice é a protagonista das próprias notícias. E com muito mais barulho do que antes.

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