O eleitor tem limite
José Luiz Datena acertou Pablo Marçal com uma cadeirada. Fez isso na televisão, durante um debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, a maior cidade brasileira. Quem não assistiu ao vivo na noite de domingo, 15, viu nos dias seguintes pela internet, onde surgiram imagens captadas por mais de um ângulo. A história,...
José Luiz Datena acertou Pablo Marçal com uma cadeirada. Fez isso na televisão, durante um debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, a maior cidade brasileira. Quem não assistiu ao vivo na noite de domingo, 15, viu nos dias seguintes pela internet, onde surgiram imagens captadas por mais de um ângulo. A história, em seguida, correu o mundo.
Uma reportagem do The New York Times foi precisa: "Foi um momento assombroso, mesmo para os padrões de comportamento político frequentemente ultrajantes do Brasil". Não há dúvida que entrou para a história, ou ao menos para o anedotário, da política e da televisão no país.
O jornal americano, no entanto, se precipitou ao prever que "a exibição de violência política provavelmente reordenaria a maior eleição do país". Não é que fosse uma aposta insensata. Mas as pesquisas realizadas depois do incidente não a confirmaram.
Estagnação nos votos
O levantamento Datafolha divulgado nesta quinta-feira, 19, não mostrou efeito da cadeirada nas intenções de voto dos dois candidatos. Tanto Marçal quanto Datena permaneceram com os mesmos índices da rodada anterior: 19% e 6%, respectivamente. Mas Marçal ficou distante dos líderes dessa pesquisa, o prefeito Ricardo Nunes (27%) e o lulista Guilherme Boulos (26%).
A pesquisa do instituto Quaest apresentada na quarta, 18, também não mostrou mudanças significativas no cenário. Se a cadeirada teve algum impacto, foi marginal, e não no sentido que se poderia esperar, ou seja, beneficiando a vítima da agressão física. Entre Datena e Marçal, foi o apresentador de televisão quem melhorou um pouco nas preferências do eleitor, passando de 7% na sondagem anterior do instituto, para 10%.
O coach, enquanto isso, continuou embolado com Ricardo Nunes (24%) e Guilherme Boulos(23%), mas caiu de 23% para 20%. Como a margem de erro é de 3 pontos percentuais para mais ou para menos, não se pode descartar a hipótese de que Datena e Marçal sequer tenham se mexido.
Aumento na rejeição
As alterações mais significativas se deram nas taxas de rejeição. No Datafolha, a proporção de pessoas que descartam votar em Marçal subiu de 44% para 47%, no limite da margem de erro de 3 pontos percentuais. A rejeição de Datena foi de 32% para 35%.
Na Quaest, Marçal foi de 41% para 45%, um ponto percentual acima da margem de erro. Datena, que já tinha espantosos 60% de rejeição, subiu ainda mais, para 62%.
Como as pesquisas não são qualitativas, não trazem explicação para esses fatos. Mas pode-se levantar hipóteses.
Economia da atenção
É inevitável partir de Pablo Marçal, a grande novidade deste ciclo eleitoral. Sabendo que chegava à disputa sem história na política e hospedado em uma legenda nanica, desprovida dos recursos que um partido pode trazer em propaganda, ele usou a sua expertise nas redes sociais para manipular com enorme sucesso a chamada "economia da atenção" (se de forma legal ou ilegal, a Justiça Eleitoral ainda vai dizer).
Falar em economia da atenção significa simplesmente partir do princípio que atenção é um bem escasso e que não é fácil capturar os olhos e ouvidos dos eleitores. Marçal rompeu o desinteresse usando táticas agressivas. Criou apelidos depreciativos e realizou ataques pessoais contra os adversários, além de mostrar absoluto desprezo não só pelo sistema político, em sentido amplo, mas até pelas regras dos debates eleitorais.
Deu resultado. Ele se tornou nacionalmente conhecido, além de experimentar um crescimento exponencial nas pesquisas e cristalizar em tempo recorde o apoio de cerca de 20% do eleitorado paulistano. O preço foram as altas taxas de rejeição.
Civilidade e baixaria
Isso é coerente com aquilo que os cientistas políticos vêm detectando ao longo dos anos. Estratégias de choque são o meio mais rápido para um outsider entrar no jogo. São também eficazes para fidelizar muito rapidamente o apoio de pessoas que sentem afinidade não necessariamente com o comportamento, mas com as ideias do candidato.
O cientista político americano Thomas Zeitzoff é um estudioso da "política da baixaria" (nasty politics). Diz ele: "Insultar, ameaçar e atacar oponentes são modos de indicar aos eleitores que o político está disposto a lutar pelo seu grupo". O comportamento também pode ser mais tolerado em momentos de crise ou entre eleitores desencantados. Nessas situações, diz Zeitzoff "os cidadãos podem pensar, 'ei, esse político é desagradável, mas é o tipo de lider que precisamos agora e não vai nos deixar na mão'".
Em geral, no entanto, os eleitores condenam um baixo nível de civilidade na política. "Há bastante evidência de que o público não gosta da política da baixaria", escreve Zeitzoff em seu livro sobre o assunto. Em 2019, por exemplo, a Universidade de Georgetown, nos Estados Unidos, começou a medir a percepção dos americanos sobre civilidade. Logo no primeiro levantamento, 64% dos eleitores reconheceram prestar atenção em campanhas negativas, mas um número ainda maior, 71%, se mostrou desconfortável com ações desse tipo.
Erro de estratégia
Embora não haja estudo semelhante para o Brasil, os índices de rejeição de Marçal e Datena sugerem que a situação não seja radicalmente diferente nos dois países. Grupos de eleitores têm níveis diferentes de tolerância à agressividade nas campanhas e alguns podem considerá-la até mesmo necessária. Mas esse estilo de fazer política não tem apelo universal. O eleitor, em geral, tem limites.
O episódio da cadeirada foi especialmente infeliz para Marçal porque não pegou bem nem entre os já convertidos, nem entre os que a campanha ainda pretende cativar. De um lado, há o fato de que o coach vinha provocando o adversário desde o debate anterior, de certa forma convidando um ataque físico. De outro, o comportamento de Marçal depois do incidente causou estranhamento.
O comitê marçalista admite internamente que errou na dose na sequência do debate. Logo em seguida à cadeirada, um post nas redes sociais associou o episódio aos atentados sofridos por Jair Bolsonaro, em 2018, e por Donald Trump, neste ano. Mas, como admite a campanha, os eleitores ou viram exagero nas cenas em Marçal aparece recebendo oxigênio numa ambulância, ou um certo descompasso com a imagem de machão que ele tenta projetar. Por isso, em menos de 24 horas, Marçal tratou de dizer que tudo "não passou de um arranhão".
Ataque e contra-ataque
A tendência é que as imagens de pancadaria sejam bastante exploradas pelas campanhas de Ricardo Nunes, Guilherme Boulos e Tabata Amaral até as eleições, em inserções de propaganda eleitoral na televisão.
Isso já aconteceu nesta semana. O prefeito adotou tom de chacota, mostrando os efeitos nocivos do excesso de provocação por parte de Marçal. Tabata Amaral, por sua vez, aproveitou a cena para criticar todos os candidatos homens e apresentar-se como a única alternativa "equilibrada" para comandar a cidade de São Paulo.
Na reta final antes do primeiro turno, Marçal fará investidas para tentar atrair os eleitores bolsonaristas dispostos a votar em Ricardo Nunes, candidato oficial (sem entusiasmo) do ex-presidente e (de modo convicto) do governador Tarcísio de Freitas.
Estratégia arriscada
Uma das medidas será intensificar os ataques aos institutos de pesquisa por meio de vídeos de internet e cortes de seus atos de campanha. Ele pretende contrapor o "datapovo" aos números que o mostram em desvantagem, ou seja, divulgará imagens de eventos lotados onde quer que ele vá. Haverá nos próximos tempos menos entrevistas e sabatinas e mais caminhadas nas ruas.
O outro lance é arriscado: questionar a legitimidade da própria eleição, como fez Jair Bolsonaro em 2022. Marçal tem dito que esse passo poderia ser interpretado como uma admissão antecipada de derrota. Além disso, o poria na mira do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Mas a hipótese não está completamente fora de cogitação.
Se a campanha chegar à conclusão que pode trazer algum benefício, fará o questionamento. Segundo um de seus principais apoiadores, é hora de Marçal dobrar a aposta e mostrar que é "duro na queda". Pensando no futuro, é melhor assegurar a fidelidade daqueles que já o abraçaram.
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