ReproduçãoNo filme de 1953, três jovens chegam a Nova York para garimpar um milionário e casar-se com ele

Como agarrar um milionário

Como o dinheiro está perdendo valor a uma velocidade espantosa, o termo usado para os muito ricos perdeu todo o sentido
31.03.23

O título desta crônica é baseado num filme de 1953, que volta e meia passa na televisão até hoje.

How To Marry a Millionaire é o nome original.

Com Marilyn Monroe, Betty Grable e Lauren Bacall no elenco, o roteiro da fita conta a história de três jovens de vinte e poucos anos que chegam a Nova York para garimpar um milionário e casar-se com ele.

Pois bem, naquela época, milionário é quem possuía um milhão de dólares, que se tratava de uma fortuna, equivalente hoje a US$ 11.300.000,00.

Nessa linha de raciocínio, milionário brasileiro é quem possui um apartamento de dois dormitórios num bairro de classe média alta do Rio ou de São Paulo e um carro na garagem.

Na Argentina, milionário é quem tem um quiosque de venda de alfajores. Já basta.

Ou seja, o termo perdeu todo o sentido, já que entramos na era dos bilionários e logo estaremos convivendo com a dos tri — tri esse que já é corriqueiro nas contas dos governos.

Essa evolução (ou involução, dependendo da maneira como a vemos) é inevitável.

Só que a maioria das autoridades monetárias, assim como os chefes de governo, ainda não percebeu o que está acontecendo no mundo.

Resumindo: o dinheiro está perdendo o valor numa velocidade espantosa.

Esta semana o craque Cristiano Ronaldo, o CR-7, apareceu num restaurante de Madri pilotando uma Bugatti Cientodieci de 8 milhões de euros, seu novo brinquedinho de quatro rodas.

Pudera! Ele ganha € 400.000.000,00 por ano para jogar numa equipe da Arábia Saudita, isentos de imposto de renda, fora contratos publicitários. Trabalhou sete dias para comprar o bólido, que veio se juntar à sua frota.

Não é à toa que o ouro está sendo negociado nas proximidades de 2 mil dólares a onça troy e que as greves por reivindicação de melhores salários estão se espalhando pelo mundo.

Duvido que num prazo descortinável a inflação americana caia para os 2% ao ano tão citados por Jerome Powell.

O próprio presidente Joe Biden, na ânsia de evitar uma quebradeira dos bancos semelhante à dos anos 1930, anunciou que irá tentar ampliar os valores do FDIC (Federal Deposit Insurance Corporation), agência governamental que garante todos os depósitos até 250 mil dólares.

Biden não fala em duplicar ou triplicar essa quantia. Diz ele que a garantia será para qualquer valor. Um milhão, um bilhão, you name it.

Na Europa, Christine Lagarde aumentou os juros do BCE (Banco Central Europeu) em 0,5% ao ano na semana passada.

Sem querer ser repetitivo, e já o sendo, eles não percebem que tudo mudou.

Vejam só o quadro de inflação anual em alguns países do primeiro mundo, com números inconcebíveis até dois ou três anos atrás.

País — Inflação anual
Estados Unidos — 6%
França — 6,3%
Cingapura — 6,3%
Alemanha (acreditem) — 7,4%
Austrália — 7,8%
Holanda — 8%
Área do euro — 8,5%
Itália — 9,1%
Reino Unido — 10,4%

Dentro desse cenário, os 5,6% brasileiros estão bem razoáveis.

Resta saber como rearranjar isso tudo e voltar ao que era antes da chegada da Covid.

Em minha opinião, isso será impossível. Depois que a inflação pega o freio nos dentes, de duas uma:

1. Parte-se para um arrocho mundial e teremos uma nova Grande Depressão. Isso ninguém aceitará. Governos cairão, legal ou ilegalmente.

2. Aceitam-se novos parâmetros. Só que isso (e falo tal coisa por causa da experiência brasileira) tende a ir aumentando. É bom lembrar que nós saímos de uma inflação anual de 24,39% em 1958 para uma inflação MENSAL de 84% em março de 1990.

Acredito que, tal como aconteceu pouco antes do final da Segunda Guerra Mundial, teremos de ter uma nova Bretton Woods para refazer a ordem monetária mundial.

Eu antecipo isso, embora num contexto diferente, nas páginas 225 e 226 de meu livro Os mercadores da noite, edição da Inversa:

 

Os mercados foram suspensos por uma semana. Quase todos os países decretaram feriados bancários. O Grupo dos Nove, composto dos Estados Unidos, Japão, Alemanha, Inglaterra, França, Canadá, Itália, Rússia e China, foi convocado para uma reunião em Paris.

Os nove chefes de governo chegaram ao Louvre, local da reunião, acompanhados de seus secretários e ministros de Finanças e dos presidentes dos bancos centrais. Deliberaram por 72 horas, enquanto o mundo esperava agoniado.

Ao fim do encontro coube ao anfitrião, o presidente Jean Sologne, resumir a principal decisão.

‘Decidimos criar um novo padrão monetário para as moedas, novamente lastreadas em ouro, tal como em Bretton Woods, em 1944. Não se trata de um retrocesso’, apressou-se em justificar, na coletiva transmitida ao vivo para mais de 100 países. ‘Mas de uma medida acauteladora, extrema e corajosa, para salvar nossas economias de um desastre.”

 

Evidentemente se trata de uma ficção, escrita em meados dos anos 1990.

Mesmo assim, estou convicto de que, nos próximos meses, testemunharemos mudanças que só acontecem em cada duas ou três gerações.

Um ótimo fim de semana para todos.

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  1. ótimo seu texto, principalmente quando percebo que estão me enquadrando no patamar de Classe Média Alta, e nada se compara aos padrões que conheci enquanto criança e jovem. Estou com 62 anos, aposentada, com rendimentos em torno de RS9.000 e pertenço à essa dita Classe segundo padrões estabelecidos por algum órgão do governo meio maluco. Tenho cortado muito meus "excessos" e já utilizo o serviço do governo para adquirir remédios de uso continuo grátis. Uma alegria diante do que gasto só com I.R

  2. Uma mudança é mais do que necessária. Não podemos sobreviver entre mega crises cada vez espaçadas por períodos mais curtos, vendo a classe média soçobrar e um pequeno número de altos barões da finança e especuladores capturarem todo o dinheiro que existe sem sequer permitir que este circule na economia reali. Todavia duvido que as lideranças mundiais atuais tenham coragem e capacidade de promover a reforma econômico-financeira mundial que urge.

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