A ministra da Igualdade Racial Anielle FrancoA ministra da Igualdade Racial Anielle Franco: não precisa mais fingir - Foto: Rafa Neddermeyer/ Agência Brasil

Aceitem que ganharam

O movimento feminista e o movimento negro venceram faz tempo, e com uma grande margem, mas ainda se fazem de derrotados
23.11.23

A maior prova de caráter é uma pessoa saber reconhecer a sua vitória.

Mas isso ninguém quer. Ninguém quer dizer que venceu. Em política? Fora das eleições? Ninguém. Em política, em qualquer contexto exceto eleições, dizer “Que é isso, a vitória é sua, a vitória é sua” é uma canalhice, uma canalhice que todos fazem o tempo todo, porque todo mundo quer se fazer de derrotado.

G. K. Chesterton, poeta, romancista, contista e ensaísta,  já havia notado que em política existe um velho truque retórico: por mais firme e mais popular que seja a sua posição, por maior que seja a multidão que o apoia, o truque é discursar como se fosse um herói solitário acuado contra um muro, sem amigos e sem apoio.

“Todos os poderes do mundo estão contra mim! Empresários contra mim! Jornais contra mim! Mas não me calarei!”, diz o representante do grupo apoiado por todos os empresários e jornais.

Bom, estou falando do movimento feminista e do movimento negro, embora seja uma regra universal. Mas cá entre nós: é bastante claro para quem tenha o cérebro de uma taturana que eles venceram faz tempo, muito tempo; e venceram com uma grande margem; e eu acharia gracioso da parte deles se eles reconhecessem isso, mas infelizmente é óbvio que jamais vão dizer “ok, já temos tudo que queríamos e podemos parar por aqui” — porque enquanto continuarem reclamando vão continuar ganhando uns prêmios extras por sobre todas as vitórias que tiveram.

E além disso é tão gostoso, como acho que Chesterton disse (meus livros estão encaixotados devido a uma mudança), fingir que está acuado contra um muro, que todos estão contra você, que o mundo é estruturalmente contra você — mesmo quando todas as agências governamentais e todas as grandes corporações estão não só a seu favor, mas maniacamente a seu favor.

Vejam algumas notícias da semana.

Na Folha: “USP muda lista de livros do vestibular e terá obras só de mulheres pela 1ª vez na história.”

Também na Folha: “Exame para juízes terá nota de corte diferenciada para negros.” (Uma nota de corte menor para negros, caso você não consiga adivinhar se era maior ou menor.)

Da Bloomberg de um mês atrás: “As corporações dos EUA prometeram empregar muito mais negros. E foi o que fizeram. Um ano depois dos protestos do Black Lives Matter, as grandes empresas criaram mais 300.000 vagas. 94% delas foram para pessoas de cor.”

Só sabemos de casos de brancos que querem se passar por negros, e não o contrário. Alguém se lembra de alguma notícia de jornal ilustrando o contrário? Todos conhecemos sujeitos que nem considerávamos negros uns anos atrás e que de repente viraram super-negros, só falam sobre o quanto são negros, o quanto sofreram racismo a vida inteira etc. Fazem isso porque querem sofrer a perseguição que os negros sofrem no Brasil de 2023? Não, né?

Mas não vou fazer esse argumento. Seria um argumento irrespondível, se eu o fizesse. Mas não vou fazer pois tenho um certo apreço por não ser ostracizado pela sociedade humana inteira e ter que ir viver nas brenhas das selvas, entre pacas e jaguatiricas.

Se você visitasse um planeta com duas formas de vida, A e B, e nesse planeta eles fizessem passeatas para celebrar a forma A, e tivessem o mês da forma A, e festivais para apreciar a arte produzida pela forma A, e não se pudesse nesse planeta fazer o mesmo com a forma B, qual forma de vida você diria que domina esse planeta?

Quando falo na vitória das feministas e do movimento negro você tem essa reação de incredulidade porque ainda não viu isso ilustrado em filmes, romances e histórias em quadrinhos. Nossa imaginação não absorveu esses fatos óbvios da vitória completa das feministas e do movimento negro, e não absorveu porque não foi alimentada com eles através de histórias.

Pelo contrário, ainda estamos acostumados com as histórias no sentido contrário, histórias passadas nos anos 50 principalmente, quando o machismo e o racismo contra negros estavam começando a ser combatidos e ainda havia exemplos numerosos de racistas de verdade e machistas de verdade por aí.

Nossa imaginação ainda está sendo forçada a se alimentar com as condições sociais prevalecentes nos anos 50 como se elas fossem as atuais. E por que isso acontece? Porque quem alimenta a nossa imaginação através de filmes, romances e histórias em quadrinhos não passa no teste de caráter com que comecei este texto: o de admitir que venceu faz tempo.

Agora estamos num momento esquisito de transição. Vamos ainda viver um tempo vendo filmes esquizofrênicos em que mulheres são oprimidas e empoderadas ao mesmo tempo, e negros são oprimidos e empoderados ao mesmo tempo. Isso é o que em 2060 as pessoas vão achar de mais esquisito ao ver os filmes de hoje.

Admitam logo de uma vez. Confessem que conseguiram tudo que queriam. Qual a vergonha de terem vencido? Sejam honestos e tenham a decência de fazer umas dancinhas de vitória na cara da sociedade.
 

Alexandre Soares Silva é escritor

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  1. Esse "vitimismo" colou e colou valendo, e criaram uma situação inusitada favorecendo uma parte da população em detrimento da outra. E isso não vai parar por aí não, cada vez mais grupos de interesses vão se "vitimizar" para ganhar vantagens perante os "pobres mortais". Até quando nós vamos admitir isso!!! Sou branco, vim de uma família remediada, recebi uma boa educação, estudei, numa UP, batalhei, tive um emprego e nunca ninguém me deu nada.

    1. continuando.... Tenho amigos negros e mulheres, que trilharam o mesmo caminho, venceram e nunca se "vitrimizaram" para chegar onde chegaram. A nossa política para o resgate social de uma grande maioria da nossa sociedade tem de ser sócio econômico e não por raça ou por sexo. Temos milhões de pessoas que são pobres, e precisam ser ajudadas a mudar de vida, mas por serem pobres e não pela cor da pele ou pelo sexo que possuem. Mas isso tudo é fruto dessa ESQUERDA CANALHA, dividir para conquistar.

  2. Muito bem colocada a situação. Estamos num mundo, antes impensável, em que Obama foi presidente dos EUA e Kathleen Kenedy dita as normas da Disney. E Pelé é, de longe, o maior ídolo brasileiro. Hoje podem haver distorções, é claro, mas a evolução natural está apontando para a igualdade num futuro não distante. "Deixa quieto", que isso vai acontecer. Ministérios como o da Igualdade Racial só servem para incitar ódio e separar as pessoas. E também encher os bolsos de alguns, é claro.

  3. Perfeito. Mas logo o autor será atacado, chamado de racista e misógino. Além, óbvio, de fascista. Pode esperar rssssss

  4. Infelizmente quanto mais criam esses artifícios para se sentirem pobres coitados, mais estou criando aversão a eles. Minorias oprimidas já começo a não acreditar.

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