O argentino Javier Milei e o brasileiro LulaJavier Milei e Lula: tratamento do silêncio até agora. Foto: Maria Eugenia Cerutti / Presidência da Argentina e Ricardo Stuckert / PR

Diplomacia da birra

Lula ignora o presidente eleito argentino, Javier Milei, que retribui o favor; o que isso indica sobre o futuro das relações Brasil-Argentina?
23.11.23

A relação entre Lula e Javier Milei, o presidente eleito da Argentina, tem sido  marcada pelo estranhamento. Da vitória do libertário nas urnas, no domingo, 19 de novembro, até a noite de quarta, 22, nenhum mencionou o nome do outro. Quem encerrou o tratamento do silêncio foi Milei. Questionado por jornalistas nessa última data, ele disse que Lula “será bem recebido” se quiser assistir à posse presidencial, marcada para 10 de dezembro. Não é certo que será suficiente para promover o primeiro encontro formal entre os representantes dos maiores parceiros econômicos da América Latina. 

Lula e o PT não esconderam de ninguém a torcida por Sergio Massa, o peronista que disputava com Milei. Um time de marqueteiros que atuou na campanha do presidente brasileiro em 2022 foi ajudar na comunicação do candidato de esquerda na Argentina. No dia do segundo turno, a primeira-dama Janja publicou em suas redes sociais um post com uma referência positiva a Massa. Saído o resultado, Lula parabenizou os argentinos pela realização do pleito, mas excluiu o nome do vitorioso de sua nota. 

Milei, por sua vez, chamou Lula de “ladrão” em uma entrevista. Também se referiu ao petista como um “comunista furioso“, representante da “casta vermelha” (dizer que alguém pertence a uma “casta” é a pior acusação possível no vocabulário do argentino), quando o Brasil ajudou o governo argentino a  obter um empréstimo no Banco de Desenvolvimento da América Latina (CAF). Na noite da vitória, ele agradeceu, nas redes sociais, a uma série de “líderes do mundo” que o felicitaram pela eleição. Um único brasileiro foi mencionado: Ilan Goldfajn, presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), personagem que o gabinete de transição de Lula, em especial Guido Mantega, tentou retirar do cargo no final de 2022. E Jair Bolsonaro? Ele foi distinguido com uma ligação telefônica (devidamente gravada e transmitida pelas redes sociais) e um convite extraoficial para comparecer à posse presidencial no começo de dezembro.

As relações frígidas entre Lula e Milei dá dor de cabeça às embaixadas dos respectivos países. Como noticiou Crusoé na manhã da quarta, 22, a equipe de transição do libertário ainda não havia contatado a embaixada da Argentina em Brasília. A situação permaneceu assim até o início da noite desta quinta, 23, pelo menos. A nível diplomático, não avançou em nada a organização para a primeira reunião ou conversa telefônica entre os dois líderes. “O governo do Milei nem está pensando no Brasil”, diz o embaixador aposentado Paulo Roberto de Almeida, colunista de Crusoé. Já em Buenos Aires, a embaixada brasileira tem de lidar com a presença quase certa de Bolsonaro na posse. A expectativa é que o vice-presidente Geraldo Alckmin represente o Brasil na cerimônia.

A situação expõe a manutenção do personalismo na diplomacia presidencial brasileira, algo inaugurado na história recente por Lula nos anos 2000 e elevado a novos patamares por Bolsonaro. “Não é novidade o que está acontecendo. Ficamos quatro anos sem ter conversas entre Bolsonaro e o Alberto Fernández. E isso não afetou a relação bilateral”, afirma o embaixador aposentado Rubens Barbosa. Como declarou Lula na cerimônia de formatura do Instituto Rio Branco realizada nesta semana, “eu não tenho que gostar do presidente […] ele não tem que ser meu amigo”. Barbosa ironiza: “Lula tem a sua maneira de dizer as coisas. É a mesma coisa na diplomacia mas com outra linguagem”. As relações entre Brasil e Argentina devem continuar através das instituições diplomáticas, o Itamaraty e o Palácio San Martin, a ser capitaneado por Diana Mondino. “Ela vem do meio empresarial. É pragmática, não vai perder tempo com bobagens”, diz Almeida.

De fato, a Argentina não pode comprometer as suas relações com o Brasil. A balança comercial pende para o lado brasileiro atualmente, mas as exportações argentinas de trigo e de bens manufaturados, em especial automóveis, para o lado de cá da fronteira, são apreciáveis. O país não pode se dar ao luxo de perder essas vias para adquirir dólares e estabilizar a sua economia. Durante a campanha, Mondino e a agora vice-presidente eleita, Victoria Villaruel, asseguraram à embaixada brasileira, nos bastidores, a manutenção das relações bilaterais e do Mercosul, como revelou Crusoé em outubro. Segundo Barbosa, Milei também “não deve impactar em nada” no acordo do bloco com a União Europeia, em negociação há décadas. As eleições para o Parlamento Europeu, previstas para junho, têm muito mais chances de atrapalhar o desfecho dessa novela.

Com relação aos órgãos internacionais mais ideológicos do que práticos, o Brics e a chavista União das Nações Sul-Americanas (Unasul), a Argentina não deve participar, mesmo. Mondino afirmou em entrevista que Buenos Aires não se juntará aos Brics, apesar da entrada marcada para 1º de janeiro. O Palácio San Martín não deve ter dificuldades para impedir o ingresso, que não depende de apreciação pelo Congresso. Quanto à Unasul, ela nem foi reinstituída ainda. Na reunião dos líderes da América do Sul em Brasília, em maio, quando Lula recebeu o ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, e tentou ressuscitar a união, vetou-se a menção à Unasul no comunicado final do evento. O governo Milei deve manter a Unasul morta, como está desde a onda conservadora da década passada, protagonizada por Bolsonaro. Mais importante de tudo, o status quo na diplomacia deve continuar, apesar da birra entre chefes de Estado.

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  1. PRESIDENTE LULA, Deixar esse fanfarrão mentiroso e imbrochável correr atrás com o Pires na mão... há, já, há!!!

  2. Esse gesto infantil do Lula só mostra quanto ele é ignorante e incapaz de liderar um país. Além de ser um mentirosos costumaz. No momento ele fala em Democracia, mas todos vemos que ele age como outros ditadores, e é nessa panelinha que ele gosta de ficar.

  3. Diplomacia do contra é o que esse presidente brasileiro que foi eleito mais pelo Nordeste do que resto do Brasil gosta de impingir ao país, com seus amigos Putin, Chi Ji, Maduro, Ortega e Murilo e, principalmente, o herdeiro cubano Diaz-Canel, que continua a nos dar o cano com atraso no pagamento da dívida.

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