Reprodução/InstagramLuciane Barbosa, a "dama do tráfico", que passou pelos ministérios da Justiça e dos Direitos Humanos

A perseguição lulista à imprensa

Máquina de atacar vozes independentes volta com tudo neste governo
23.11.23

O Brasil é um país onde a liberdade de imprensa é cantada aos quatro ventos por autoridades de todos os tipos, que ao mesmo tempo procuram miná-la com  diversos artifícios. As verbas publicitárias são uma das ferramentas disponíveis para quem está no governo e deseja cooptar veículos. Quando isso não funciona, há o caminho da truculência e das tentativas de intimidação. A ideia de que prestar contas do exercício do poder é um dever cotidiano, que precisa ser atendido com serenidade, e de que a imprensa continua sendo a principal arena para essa prestação de esclarecimentos, parece não se encaixar na mente dos políticos brasileiros. Isso vale para a direita e para a esquerda. Foi assim com o petismo, foi assim com o bolsonarismo e é assim neste terceiro mandato de Luiz Inácio Lula da Silva.

Nos últimos dias, ataques orquestrados de petistas contra jornalistas de O Estado de S. Paulo mostraram que está em plena atividade a máquina de difamação petista, integrada por ministros, políticos sem cargo, sites chapa-branca e influenciadores digitais remunerados com dinheiro público.

Desde 13 de novembro, o Estadão tem publicado uma série de reportagens afirmando que Luciane Barbosa Farias, mulher de Clemilson dos Santos Farias, líder do Comando Vermelho no Amazonas, reuniu-se com funcionários do Ministério da Justiça, comandado por Flávio Dino, e do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, de Silvio Almeida. A informação era verídica, tanto é assim que a pasta confirmou a presença de Luciane em suas dependências e depois alterou as regras de acesso ao prédio, para evitar novos constrangimentos. Mas, como o caso da “dama do tráfico” ganhou grande repercussão e arranhou a imagem de Dino, o governo partiu para cima da imprensa livre, em um ataque organizado.

Um dos mais afoitos para atacar a imprensa foi o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, justamente aquele que deveria ter por obrigação assegurar o respeito aos direitos humanos, como a liberdade de expressão e de imprensa. “Os próceres do fascismo à brasileira não têm compromisso com a verdade nem com o Brasil. Não têm compromisso com o combate ao crime organizado, valem-se de distorções para difamar, caluniar e destruir as conquistas do povo brasileiro“, disse Almeida. O ministério de Almeida pagou passagem e hospedagem em Brasília para a mulher do traficante. Explicar como isso pôde acontecer deveria ser prioridade para o chefe da pasta, que em vez disso preferiu atirar para todo lado, insinuando, inclusive, que não pertencem ao “povo brasileiro” aqueles que pedem explicações. Não há tática mais manjada entre os populistas e os autoritários. 

Mas a reação ainda precisaria de alguns dias para ser organizada — e ela se fez ouvir no sábado, 18, quando um site da órbita petista divulgou um texto acusando a editora-executiva de política do Estadão, Andreza Matais, de ter “agido de má-fé e com assédio moral” contra Dino. Como o ministro é candidatíssimo a uma vaga no STF, o propósito da jornalista seria minar suas chances. Andreza foi quem chefiou o time de repórteres que assinou as reportagens sobre a “dama do tráfico”. As acusações contra ela foram baseadas em uma denúncia feita no site do Ministério Público do Trabalho do Distrito Federal. Os seus autores se identificavam como “colaboradores do jornal” e diziam que Andreza “submeteu a condições degradantes e humilhantes repórteres envolvidos na fabricação do ‘escândalo da dama do tráfico‘”. Os jornalistas seriam “recém-contratados” e “não tiveram alternativas que não fossem cumprir as ordens arbitrárias e enviesadas da chefe”. A jornalista ainda seria uma chefe cruel, pois seus subordinados teriam sido “submetidos a jornadas degradantes sem contabilização ou pagamento de horas extras” e usado “recursos e objetivos escusos na prática diária do jornalismo, protegido constitucionalmente”. O resultado teria sido a produção de um factoide, apesar de nenhum erro de apuração ter sido encontrado na reportagem. 

 

 

Ao atacar a credibilidade dos jornalistas do Estadão, o site petista procurou  preservar os políticos que ocupam altos cargos no governo. “Ao descredibilizar os profissionais da imprensa e apontar desvios éticos, os ataques induzem o público a pensar que a intenção da reportagem não era jornalística, mas somente a de atingir injustamente a reputação de alguém. Nessa narrativa, o agressor passa a ocupar o confortável lugar de vítima da imprensa”, diz André Marsiglia, advogado especialista em liberdade de expressão.

Factoide é uma informação irrelevante à qual se dá falsa importância. Se a presença de uma figura notoriamente ligada a um líder do crime organizado, e condenada ela mesma por um tribunal, nas dependências de dois ministérios, com despesas pagas por um deles, não é causa suficiente para que as autoridades sejam cobradas, então é melhor abandonar mesmo a ideia de vigiar o poder. A história da “dama do tráfico” não é factoide nenhum. A denúncia contra a jornalista, por sua vez, era a mais pura fake news.

Quatro dias depois do ataque ao Estadão, 24 repórteres de política do jornal, de Brasília, Rio e São Paulo, divulgaram uma carta aberta nas redes sociais desmentindo as acusações supostamente encaminhadas ao Ministério do Trabalho. Os jornalistas que assinaram as reportagens sobre a “dama do tráfico”, subordinados a Andreza Matais, estão entre os signatários.   “Lamentamos que versões falsas sobre nossas condições de trabalho estejam sendo criadas e disseminadas para atender a interesses pessoais e políticos. São mentirosas as informações que estão circulando na internet de que nossas reportagens são escritas e publicadas sob coação e assédio de editores com ‘objetivos escusos’. Quem está se passando por nós, em versões falsas compartilhadas à exaustão, desrespeita nosso trabalho quando diz agir em nome da equipe”, diz o texto dos repórteres.  

Para que uma fake news cumpra a sua função, é preciso que seja disseminada  por muitas vozes. Foi o que aconteceu aqui, com uma sincronicidade impressionante e a repetição dos mesmos argumentos — evidências de  orquestração. Um dia após o site oficialista publicar o seu texto, Dino escreveu no X que ele leu uma “reportagem desmontando as vis difamações contra mim engendradas”. Ele então faz várias insinuações contra os jornalistas. ‘Follow the money’ é um bordão muito conhecido. Quando isso é feito mesmo, a ‘elite do crime organizado’ reage, escreveu Dino. 

Também no domingo, 19, o influenciador Felipe Neto ofendeu a jornalista dizendo que ela era a “dama das fake news”. No dia seguinte, ele pediu desculpas por atacar Andreza pessoalmente, mas manteve o ataque ao jornal, na mesma linha do “follow the money” de Dino: “Ao Estadão, não deixo qualquer pedido de desculpas e reitero a pergunta: quem financia esse jornaleco da direita?”. 

 

 

Gleisi Hoffmann, presidente do PT, também entrou em ação no domingo, 19: “Gravíssima denúncia feita ao MPT-DF sobre a fabricação do ‘escândalo da dama do tráfico’ pelo Estadão para fazer parecer que Flávio Dino é simpático ao crime organizado. Matéria revela que repórteres envolvidos relataram assédio e humilhação por parte da editora de política do jornal em Brasília e disseram que o conteúdo mentiroso contra o ministro foi turbinado e divulgado também pela rádio do Estadão. É escandaloso o uso de uma concessão pública para difamar o governo”.  

A frase de Gleisi sobre “o uso de concessão pública para difamar o governo” resgata um antigo credo petista dos anos 1980. Desde os seus anos de sindicalismo, o PT ambiciona controlar o conteúdo veiculado em canais de televisão e rádios, sob o argumento de que eles são concessões públicas e, por isso, deveriam se submeter aos ditames de quem ganhou uma eleição. O partido se enxergava como uma vítima dos grandes canais privados, que antes do crescimento da internet tinham audiência e uma fatia do bolo publicitário muito maiores que hoje. Essa ojeriza contra meios privados nunca abandonou o partido. É isso o que explica que, em junho deste ano, a sigla tenha solicitado ao Ministério das Comunicações a concessão para operar os próprios canais de rádio e TV com sinal aberto. Para o PT, se esse plano fosse aprovado seria a realização de um sonho antigo, que aproximaria o Brasil à realidade de Venezuela e de Cuba, dois países considerados como exemplos pela militância. No conceito de Gleisi, quem ganha concessão pública não pode difamar o governo, só elogiar.  

Mas não se pode controlar a concessão de rádios e TVs no Brasil sem uma boa articulação no Congresso. Assim, não é garantido que a tentativa do partido de ganhar sua TV  seja bem-sucedida. Por outro lado, o PT já descobriu, desde 2003, que há outras maneiras de influenciar o debate público. Sem conseguir derrubar os canais críticos, o partido se deu conta de que podia comprar uma cobertura positiva com o direcionamento das gordas verbas publicitárias. 

Dados da plataforma da Secretaria de Comunicação Social da Presidência mostram que, este ano, o site Brasil 247 levou quase 500 mil reais. Entre todos os veículos de imprensa da internet que mais receberam verbas este ano, o site aparece em quinto lugar, tendo conseguido mais do que o triplo do Estadão. A revista Fórum, que deu origem aos ataques a Andreza Matais, conseguiu 232 mil reais. No ano passado, ainda durante o governo de Jair Bolsonaro, o Brasil 247 e a revista Fórum não receberam um único centavo — o que mostra que o direcionamento das verbas publicitárias do poder público é regido principalmente pelas conveniências de quem está no poder, e não por regras técnicas. 

Em 2014, no governo de Dilma Rousseff, o padrão era o mesmo que o atual.  Entre os veículos alternativos, o Brasil 247 recebeu 1,4 milhão de reais, o que dava um custo por visitante único de 15 centavos. Esse valor representa quanto um anunciante precisa gastar para atingir um leitor, por exemplo. Mas, nesse caso, o montante era cinco vezes mais do que o custo por visitante em portais grandes de notícias, como o UOL ou o G1. Não havia, portanto, uma lógica comercial, apenas uma questão política, de direcionar o noticiário.

Ao abastecer uma rede de sites aliados, o governo de turno pode contar com eles na hora de promover as notícias que lhe interessam e também de atacar o  jornalismo independente. Em uma reveladora entrevista ao programa Roda Viva, na TV Cultura, em 2013, o então presidente do PT, Rui Falcão admitiu a existência dessa engrenagem: “As redes não dependem só do marqueteiro. Nós temos vários tipos de militantes nas redes sociais. Você tem hoje os grandes blogueiros, você tem os blogueiros voluntários. Você tem aqueles que estão mais estabelecidos como o [Luís] Nassif, o Paulo Henrique, o Rovai, o do ‘Vi o Mundo, né?’, o… como é o nome dele, o do ‘Vi o Mundo?’ O Azenha… E você tem os hackers… que nós não trabalhamos com eles”.   

 

 

Quando Jair Bolsonaro entrou no Palácio do Planalto, em 2019, as estratégias petistas foram aprimoradas. Em torno de Carlos Bolsonaro, filho do presidente, e de Filipe Martins, assessor especial da Presidência, criou-se uma rede de influenciadores e sites que passaram a atacar todos os inimigos de Bolsonaro. Era o conhecido gabinete do ódio. A empreitada foi tema da reportagem de capa da revista CrusoéOs blogueiros de crachá”, de 2019. Entre os alvos desse gabinete esteve a jornalista da Folha de S. Paulo, Patrícia Campos Mello, que escreveu uma reportagem sobre empresários que teriam bancado uma campanha contra o PT pelo WhatsApp, em 2018. Jornalistas mulheres são alvos costumeiros tanto dos radicais de esquerda quanto de direita.  

Mas, seguramente, foi o PT quem criou a fórmula. A aversão ao jornalismo  independente foi exteriorizada em múltiplos ataques ao longo dos anos. Na rede social X, Rodrigo da Silva, do site Spotniks, publicou, em março, uma longa lista das agressões petistas contra a imprensa. Entre os episódios, há desde militantes gritando “Eu prefiro a ditadura do que a imprensa”, em 2006, quanto  José Genoíno dizendo que os jornalistas são como “torturadores da ditadura”, o conceito do Partido da Imprensa Golpista, PIG, e a publicação de uma lista negra de jornalistas brasileiros, considerados como “pitbulls da grande mídia”, em 2014. 

Após os ataques contra o Estadão e Andreza Matais, a Associação Nacional de Jornais, ANJ, divulgou uma nota em defesa da liberdade de imprensa. “O uso de métodos de intimidação contra veículos e jornalistas não se coaduna com valores democráticos e demonstra um flagrante desrespeito à liberdade de imprensa. Também evidencia uma prática característica de regimes autocráticos de, com o apoio de dirigentes políticos, sites e influenciadores governistas, tentar desviar o foco de reportagens incômodas por meio de ataques contra quem as apura e divulga”, afirma o texto.

No dia seguinte, a Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, Abraji, também condenou os ataques petistas. “É inadmissível que autoridades usem suas redes sociais e mobilizem hordas da internet, com a pressão de milhões de seguidores, para promover uma ação massiva de descredibilização da imprensa. Insinuar que jornalistas estão sendo pagos para divulgar informações por interesses escusos é uma prática que se tornou recorrente nos últimos anos e continua sendo usada agora. O direito à crítica é saudável e deve ser estimulado, mas não acontece em ambientes massacrantes, em que só algumas vozes são ouvidas, sobretudo aquelas que reverberam as mesmas formas de pensamentos”, diz o texto.

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  1. O Lula elogia o PC chinês. Deve querer o controle estatal da imprensa, com os métodos apontados na reportagem..o PT nunca foi democrático. Só quer o poder pra cometer desatinos sem cobrança, como vimos no mensalão e no Petrolão, pelo menos. Decepção

  2. Não tem volta: o lulopetismo assumiu a corrupção e o controle da informação como formas de atuação política, para se manterem no poder. Com ramificações assustadoras no judiciário, no legislativo e um setores ditos progressistas... Salve-se quem puder...

  3. Os blogs sujos que o petismo criou estão babando de ganhar dinheiro para continuar mentindo ao povo, esse ente crente que o PT costuma criar bolsas de tudo que é tipo.

  4. O lula(rápio) mentia enquanto sindicalista, mentia quando fundou o PT, mentia e mente como presidente. O bolsonaro, pela sua falta de criatividade, copiou isso do lula e do PT, e o aprimorou, no mau sentido. Portanto os lulistas e bozistas. pois os primeiros, copiaram dos bozistas algumas das táticas usadas. Se continuarmos com essa polarização na política, estaremos, cada vez mais, lascados.

  5. Os ptralhas querem venezuelizar o país e usam a censura e a perseguição rasteira como parte do esquema para atingir tal objetivo.

  6. Esse ParTido IMUNDO tem que ser varrido do poder, começando pelas prefeituras em 2024, e de todas os outros níveis do poder em 2026. A imprensa independente tem que continuar investigando e divulgando toda a IMUNDÍCIE desse governo de MERDA!

  7. Já imaginou se Willian Bonner resolvesse ser honesto e pedisse a conta da Globo? Quanto história viria a tona? Se ele tem medo de perder o emprego nesse lixo de TV que o emprega? ele ganharia fortunas montando uma LIVE, um canal, um PodCast. Mas é um cag...ão

  8. Pelo visto, os ovos das serpentes estão botados no Planalto! Lula e seu "controle social da mídia" estão c força total p proteger Flávio Dino e Lula. É caso para impeachment, é tem que ser já, incluindo Lula, Dino, Silvio Almeida, Gleisi Hoffmann. O pior é que o STF está contaminado por covardes (ao contrário do que afirma o traidor e covarde Gilmar Mendes, durante expediente no plenário do STF, afirmou que o PT na presidência implantou uma cleptocracia no governo). Intolerável! Impeachment já!

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