Reprodução / InstagramO Corinthians da Shopee segue o mesmo caminho atrás do Corinthians original

Corinthians da Shopee

Titubear sobre o patrocínio da plataforma de comércio eletrônico por medo de meme já é vestir a camisa tailandesa do Corinthians
23.08.24

A diretoria do Corinthians negocia patrocínio com a Shopee, uma plataforma de comércio eletrônico de Singapura. As tratativas viraram notícia porque os dirigentes do clube teriam titubeado na hora de fechar contrato, com medo de possíveis memes pela parceria. O episódio resume cruel e ironicamente a atual situação do Corinthians.

A Shopee desenvolveu má fama por comercializar produtos de origem duvidosa, cópias de marcas populares e consagradas, como as famigeradas camisas tailandesas de futebol. Na Copa São Paulo de Futebol Júnior deste ano, fez sucesso um jogador apelidado de Mbappé da Shopee, em alusão ao craque francês, o que dá a dimensão do que significa ter o nome da empresa estrangeira associado ao seu.

Caso o Corinthians passasse por uma boa fase, dificilmente o patrocínio da Shopee viraria motivo para constrangimento. O receio da diretoria corintiana se justifica, contudo, pelo fato de o time frequentar a zona do rebaixamento do Campeonato Brasileiro — e de ter corrido risco de cair mesmo no Campeonato Paulista, tudo por confusas gestões, tanto a que deixou o clube em 2023, quanto a que o assumiu em 2024.

Para tentar evitar a queda para a Série B, o Corinthians, que já tinha contratado jogadores nem tão bons assim a peso de ouro e se livrado do maior ídolo de sua história, crucificado após não servir mais como para-raio — restou apenas o Cássio de Piracicaba, que ilustra esta crônica com os sósias de Matheus Bidu e Fagner —, deu início a uma segunda série de contratações. Calculam que é melhor dever mais alguns milhões de reais na primeira divisão do que se limitar ao tímido orçamento da segunda divisão.

É uma aposta de risco, porque, se der errado, vai ser ainda mais difícil honrar os novos compromissos firmados — e a diretoria corintiana liderada por Augusto Melo já não está exatamente com boa fama no mercado, por não conseguir pagar pelos jogadores que contratou. De certo ponto de vista, é como se o Corinthians não estivesse em condição de evitar que sua versão Shopee tome o lugar do original.

“Todos os pressentimentos do senhor Golyádkin se realizaram de forma plena. Tudo o que ele temera e previra agora se concretizava. Ele perdeu o fôlego, ficou tonto. O desconhecido estava sentado à sua frente, também de capote e chapéu, em sua própria cama, com um leve sorriso nos lábios e, apertando um pouco os olhos, fazia-lhe um amistoso aceno de cabeça”, descreve o narrado de O Duplo, de Dostoiévski.

A cena se resolve assim:

“O senhor Golyádkin quis gritar, mas não pôde, quis protestar de algum modo, mas não teve forças. Ficou de cabelos arrepiados e sentou-se, desfalecido de pavor. Aliás, havia razão para isso. O senhor Golyádkin reconhecera por completo seu amigo noturno. O amigo noturno não era senão ele mesmo — o próprio senhor Golyádkin, outro senhor Golyádkin, mas absolutamente igual a ele —, era, em suma, aquilo que se chama o seu duplo, em todos os sentidos…”

O “Golyádkin segundo” passa o livro inteiro atormentando o Golyádkin original — “denegria em cheio a sua reputação, arrastava na lama o seu amor-próprio e logo em seguida ocupava o lugar dele no serviço público e na sociedade” — até, enfim, substitui-lo.

O Corinthians da Shopee segue o mesmo caminho atrás do Corinthians original.

Rodolfo Borges é jornalista 

 

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  1. Deixar de aceitar patrocínio, principalmente no caos financeiro em que se encontra, devido a preocupação com zoação dos rivais é gestão danosa. Mas, enfim, tratando-se de Corinthians, eu quero mais é ver o circo pegar fogo

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