MDB Nacional via InstagramAto de campanha em Rio Branco. Jingles costumam embalar militância e dar identidade a candidato

A eleição no ouvido

Mesmo na era das redes sociais, o jingle —uma tradição brasileira por excelência— ainda é um queridinho das campanhas políticas
23.08.24

Candidatos em todo o país colocam, desde a semana passada, a bilionária máquina eleitoral pública na rua. Santinhos já indicam seus números, bandeiras são vistas nas principais avenidas das cidades brasileiras e os primeiros vídeos de campanha estão nas redes sociais. Ao mesmo tempo, o jingle começa a ecoar pelos ares — às vezes começa a ecoar tanto que acaba grudando no ouvido e se transforma, de fato, em símbolo de um candidato. 

Em uma era de campanhas rápidas e conteúdos instantâneos, compositores e cantores trabalham não apenas para criar uma “musiquinha”, rápida e fácil de decorar, mas uma identidade sonora completa de um candidato, acompanhando todo tipo de conteúdo que o envolva.

O Brasil domina a arte do jingle há décadas e não são poucos os clássicos: o “Retrato do Velho”, marchinha tratada como uma das precursoras da tradição, impulsionou Getúlio Vargas nas eleições de 1950; em 1989, o retorno das eleições a presidente gerou uma explosão de composições, mas nenhuma tão eficaz quanto o “Lula Lá”. Quando os petistas reuniram celebridades para regravar a canção em 2022, havia uma concorrente à altura nos alto-falantes brasileiros: “O capitão do povo” exaltando Jair Bolsonaro. Em cidades grandes e pequenas, exemplos de jingles efetivos são ainda mais fartos, apelando a paródias muitas vezes não autorizadas pelos seus compositores. 

“Nenhuma campanha do Brasil pode prescindir de música. O nosso povo é muito musical e muito emotivo e a música consegue contextualizar o sentido do que se quer fazer”, diz Felipe Soutello, marqueteiro que atuou nas campanhas de Bruno Covas (PSDB) a prefeito de São Paulo em 2020 e de Simone Tebet (MDB) em 2022. 

No caso da presidenciável, a canção tinha uma missão: em 97 segundos, uma voz feminina apresentou a história de um nome não conhecido nacionalmente, seus valores, seus planos — e claro, colou o nome quantas vezes fosse esteticamente possível em uma música sertaneja leve, típica do Mato Grosso do Sul onde a atual ministra do Planejamento começou a carreira política, sob as bênçãos do pai.  

A música de Simone pode não ter colado como um clássico instantâneo, mas serviu a diversos objetivos mais práticos: a repetição aparentemente ad eternum em atos de campanha, na porta de um mercadão ou em um ginásio de esportes, ajuda a militância a se reunir e se engajar, preparando os locais para a chegada da candidata. Jingles não vencem eleição, mas com certeza ajudaram a projetar o nome da candidata, que terminou em terceiro lugar naquelas eleições. 

A campanha de Covas teve, segundo Soutello, uma identidade sonora “urbana”, que procurava estabelecer uma ligação com as periferias da cidade. O jingle, que coroava essa ideia, tem uma influência bastante explícita de músicas do disco Amarelo, lançado pelo rapper Emicida no ano anterior à eleição. 

Por isso, Soutello defende que os jingles são perenes, mesmo em tempos de redes sociais. Projeto sonoro é cada vez mais importante”, diz o marqueteiro— ele próprio um baterista e um compositor. “Deixou de ser um jingle isolado para ser uma trilha musical da campanha, um repertório musical que se usa para estruturar a eleição”. Quanto mais tempo de TV, quanto mais vídeos, mais sons de fundo são necessários. 

Lá fora, os jingles não têm o aspecto efêmero e publicitário daqui — eles tendem a ser mais formais, parecendo mais com as músicas de rádio como conhecemos. Frank Sinatra adaptou um clássico para John Kennedy em 1960. Pessoas desempenhando trabalhos diversos cantam Meno male che Silvio c’e(“Felizmente o Silvio está lá”), para a campanha do então primeiro-ministro italiano Silvio Berlusconi. Até o russo Vladimir Putin teve uma musiquinha em 2012 mas, para os padrões brasileiros, ela parece mais amedrontar do que engajar um eleitor. 

Uma questão é clara: no terreno dos jingles, prevalece a paixão e nem sempre aquilo precisa ser de fato verdade. O ex-senador Geddel Vieira Lima (PMDB) exortou em sua peça musical que “pensa na Bahia” e “tem força para resolver”, antes de ser preso com 50 milhões em dinheiro vivo em casa; em um dos mais clássicos jingles brasileiros, Jânio Quadros se associou a uma vassoura, como símbolo de luta contra a corrupção. Sua passagem pelo Palácio do Planalto foi breve (e ele pouco varreu).  

Do interior do Paraná, José Ricardo Manoel ganha a vida compondo jingles para candidatos em todo o país. Ultimamente, seu trabalho também envolve uma espécie de fit musical: ele deve encaixar a personalidade do cliente/candidato na onda musical do país.

“Tem muito a ver com o perfil do candidato. A pessoa mais extrovertida, mais agitada, pede um jingle mais animado, piseiro ou sertanejo. Quando a pessoa é mais séria, tentamos uma música mais séria, com mais impacto”, diz. 

As marchinhas de carnaval, prevalentes na primeira metade do século 20 (e que motivaram as músicas de Getúlio e Jango), já ficaram para trás. Hoje o sertanejo lidera as paradas musicais e a preferência nos jingles, junto com o funk (moderado, claro), que segundo Ricardo é procurado por candidatos mais jovens, tentando se conectar a um eleitorado também mais jovem e urbano. Há espaço ainda para a pisadinha, a variante do forró e do xote que tem ganhado espaço nos últimos anos (o “faz o L” de Lula foi um dos primeiros exemplos de pisadinha, ainda em 2022). 

Ricardo diz ter composto 20 peças publicitárias para a campanha deste ano e  acredita que dobrará o número até outubro.

Soutello, o marqueteiro político, explicou um pouco do jingle da sua atual campanha — a de José Luiz Datena (PSDB) a prefeito de São Paulo. Sendo o apresentador uma figura universalmente conhecida fora da arena política, seu jingle não precisava se concentrar tanto em dizer quem ele é, como no caso de Simone Tebet. O resultado é um sertanejo moderno (mas não moderno demais) inspirado nas composições de Cesar Menotti & Fabiano, reforçando o aspecto “prefeitão” que terá “independência e coragem” caso eleito. 

“O desafio é tornar o candidato conhecido como candidato — ele já é universalmente conhecido como jornalista e apresentador, mas não como prefeito”, argumenta o estrategista. O estilo musical popular e alegre “combina com ele esteticamente” — mas, se a musiquinha vai ajudá-lo a chegar no cargo, isso é um mistério que só se saberá após o fechamento das urnas na capital paulistana. 

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  1. "Ele é melhor, Sérgio Cabral! Pra ficar legal?". Tocou em campanha quando eu era criança na década de 90 e nunca mais esqueci.

  2. O jingle que mais me irrita até hoje é o Lula-lá. E, me lembro que o "varre, varre vassourinha..." também foi bem representativo. Ainda bem que os demais não deixaram muitas marcas.

  3. A eleição municipal deixa claríssimo a incoerente e estúpída divisão da nação em duas ideologias medievais que servem como luva à nomenklatura comunazista e um a liberalismo cínico e criminoso onde a riqueza não sabe e não pode fazer curvas ... a ignorância de uma nação movida a bolsetas mata fome em vez de lutar se entrega para poder cagar todo dia ... pobre Brasil !!!

  4. Em São Paulo é lamentável que MARINA HELENA, a melhor e mais preparada candidata, não conta com o tal fundo eleitoral para e do seu partido, o NOVO.

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