Fernando Diniz, técnico da seleção brasileira de futebolO técnico durante o jogo entre Brasil e Argentina, nas eliminatórias. Foto: CBF

Cândido, ou o dinizismo

As derrotas pela seleção brasileira vão mudar algo nas convicções de Fernando Diniz? Tudo indica que não
23.11.23

Se você já torceu para um time comandado por Fernando Diniz, sabe muito bem que a vitória é um mero detalhe. Quer dizer, os jogos seguem valendo três pontos ou uma eliminação, mas, para Diniz, o jogo se trata de muito mais do que isso. Entendo o que ele quer dizer e concordo. O futebol é o esporte mais apaixonante do mundo porque é possível perder uma partida jogando melhor que o adversário ou ganhar jogando pior. A derrota, portanto, não significa necessariamente que os jogadores e o treinador estão fazendo um trabalho ruim, muito menos que não virão, no futuro, a ganhar títulos como resultado do treino e do empenho em campanhas frustradas. Mesmo diante de tudo isso, perder continua sendo ruim demais — e pode impedir a continuidade de um trabalho promissor.

Diniz se divide hoje entre o Fluminense e a seleção brasileira, não se sabe exatamente até quando. Ironicamente, após ganhar a Copa Libertadores da América inédita com o Fluminense — contra um dos piores Boca Juniors da história, diga-se —, o treinador estabeleceu outros recordes impressionantes pela seleção: conseguiu perder pela primeira vez para a Colômbia numa Eliminatória de Copa do Mundo e perdeu também a primeira partida atuando em casa na competição — a derrota para a Argentina no Maracanã estabeleceu outra marca inédita, de três revezes seguidos no torneio classificatório.

Ao final do jogo, Diniz disse que o resultado foi injusto. “Não digo [que foi] a melhor [partida], pois contra a Bolívia o time foi muito bem. Mas, se considerar a rivalidade, a Argentina vinha com muita confiança e foi campeã do mundo há menos de um ano. Por outro lado, nós viemos com o time muito mexido. Considerando todas as variáveis que envolveram esse jogo, se não foi a melhor [partida], foi uma das melhores“, disse o treinador após o jogo. Concordo que o Brasil não merecia perder, mas também não mereceu ganhar. E os argentinos souberam ganhar, de modo rasteiro, como de costume, mas ganharam.

Para Diniz, o que importa é a imposição no jogo, a posse de bola, o domínio das ações, a troca de passes. De fato, jogando assim, na teoria, é mais provável ganhar. Na prática, contudo, basta um estrategista fanático pela vitória, como os portugueses José Mourinho ou Abel Ferreira, para demolir a teoria. Abel só está treinando o Palmeiras há mais de três anos porque percebeu que, antes de dar espetáculo, precisava fazer o time ganhar. O resultado são dois títulos da Libertadores e um do Campeonato Brasileiro.

Diniz foi demitido após trabalhos promissores ao longo de toda a carreira porque nunca se dobrou à realidade: fica quem ganha. No Fluminense, seu ímpeto quase que suicida rendeu frutos, enfim. O treinador também ganhou um Campeonato Carioca neste ano, mas sua permanência à frente da seleção brasileira, que estaria se encaminhando no caso de uma sequência de vitórias, parece se tornar cada vez mais distante, mesmo com as crescentes incertezas sobre a vinda de Carlo Ancelotti. Será que isso vai mudar alguma coisa nas postura e perspectiva de Diniz? Provavelmente não.

Como tudo foi feito para um fim, tudo está necessariamente destinado ao melhor fim”, ensina o filósofo Pangloss em Cândido, ou o Otimismo (Penguin-Companhia). Para ele, tudo é o melhor possível e “os males particulares constituem o bem geral, de sorte que, quanto mais males particulares houver, tanto melhor irão as coisas”. Voltaire castiga Pangloss e seu pupilo Cândido ao longo de todo o livro, para testar a teoria do filósofo. É tanto sofrimento que, ao final da história, Cândido questiona: “Pois bem! Meu caro Pangloss, enquanto eras enforcado, dissecado, espancado e remavas nas galeras, achavas sempre que tudo ia o melhor possível?”.

O mestre responde: “Mantenho a minha primitiva opinião, pois, afinal, sou filósofo: não me convém desfazer-me, visto que Leibnitz não pode incorrer em erro, e a harmonia preestabelecida é a mais bela coisa do mundo, bem como o todo e a matéria sutil”. Pangloss arremata algumas páginas depois: “Todos os acontecimentos estão devidamente encadeados no melhor dos mundos possíveis; pois, afinal, se não tivesses sido expulso de um lindo castelo, a pontapés no traseiro, por amor da senhorita Cunegundes, se a Inquisição não te houvesse apanhado, se não tivesses percorrido a América a pé, se não tivesses mergulhado a espada no barão, se não tivesses perdido todos os teus carneiros da boa terra do Eldorado, não estarias aqui agora comendo doce de cidra e pistache“.

É assim, por enquanto, a carreira do treinador Fernando Diniz. Uma série de derrotas, muitas delas humilhantes e inacreditáveis, até a glória de um campeonato continental. Questionado sobre o que é o otimismo, Cândido sintetiza a doutrina de seu mestre Pangloss assim: “É a fúria de sustentar que tudo está bem quando está tudo mal”. O dinizismo se define acrescentando a palavra futebol ao final da frase.

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  1. Talvez o Diniz careça de um pouco de pragmatismo no comando da seleção, considerando todos os percalços apontados no artigo, para evitar antecipar o fim de seu ciclo

  2. O problema com a seleção brasileira de futebol há anos chama-se cbf com suas práticas de apadrinhamentos e negociar jogos da seleção.

  3. Esse Diniz é um prof. Pardal psicopata, não entendo a imprensa esportiva defender ele de maneira tão acirrada. Parabéns pro Fluminense pelo título, mas em se tratando do Diniz, foi mais sorte que juízo. Espero que saia logo da seleção, pra onde nunca deveria ter ido.

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