Lula em discurso que abriu a Assembleia-Geral da ONU e 2023Lula em discurso que abriu a Assembleia-Geral da ONU de 2023 - Foto: Ricardo Stuckert/Presidência

O apelo vazio de Lula à ONU impotente

A proposta do petista a Guterres foi bem intencionada, mas difícil e, infelizmente, não deixará de ter o efeito de tiro n’água em batalha naval
13.10.23

Quero fazer um apelo ao secretário-geral da ONU, António Guterres, e à comunidade internacional para que, juntos e com urgência, lancemos mão de todos os recursos para pôr fim à mais grave violação aos direitos humanos no conflito no Oriente Médio”, manifestou-se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva do leito onde se recupera de uma cirurgia no quadril. E prosseguiu: “Crianças jamais poderiam ser feitas de reféns, não importa em que lugar do mundo. É preciso que o Hamas liberte as crianças israelenses que foram sequestradas de suas famílias. É preciso que Israel cesse o bombardeio para que as crianças palestinas e suas mães deixem a Faixa de Gaza através da fronteira com o Egito. É preciso que haja um mínimo de humanidade na insanidade da guerra”, prosseguiu.

Nenhum ser humano ajuizado, sensato e cordato discordaria com esse apelo do chefe do Executivo do Brasil, que neste momento grave da História da humanidade ocupa a presidência rotativa do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU). Não há uma frase ou uma palavra que possa ser rechaçada como indigna da justa causa que a ideia abraça. No entanto, uma simples parada com a mão no queixo para pensar como o fez o modelo do filósofo de pedra de Rodin permitirá algumas observações de calma, espera aí ou não é bem assim. Embora a situação humana dos pequenos sequestrados pelo terrorismo infame, imperdoável e nojento do Hamas e das vítimas miúdas dos bombardeios de Israel na Faixa de Gaza permitam um reproche mais duro.

A primeira diz respeito ao destinatário do apelo. Criada em plena Guerra Fria travada logo depois da paz negociada entre vencedores e vencidos da Segunda Guerra Mundial, a ONU não exerce poder algum sobre os países que a criaram, é absolutamente nulo: zero. Ainda que tivesse o mesmo destino inócuo caso tivesse ocorrido, o apelo deveria ter sido uma dura reprovação à desumanidade dos dois lados do conflito reaberto no Oriente Médio. Crianças, assim como mulheres e idosos, são alvos preferenciais de terroristas do gênero dos do grupo liderado por Yahya Sinwar, empoderado há seis anos em pleito secreto sobre o grupo armado que manda e desmanda na Faixa de Gaza. Talvez a maior diferença existente entre guerra e terrorismo é que, embora sejam ambos letais, a primeira consagra os heróis portadores de coragem, enquanto os últimos (e, no caso, a palavra tem objetivamente duplo sentido) aproveitam-se asquerosamente da fragilidade dos alvos, pois sua glória é a covardia eterna. E não a coragem episódica. O terrorismo é o apanágio da desumanidade, similar aos crimes praticados por assassinos isolados, que não pertencem a grupos, em escolas, parques infantis e outros ambientes inseguros. Lula fez o “vinde a mim as criancinhas” ao modo político sindical sem atentar para o que um adolescente praticou seu repelente projeto de ser exterminando e ferindo seres menos corpulentos e incapazes de lhe oferecer resistência em lamentáveis episódios, tais como o massacre do festival de música em Israel e o extermínio infantil pelo resto do mundo afora. Benjamin Netanyahu também não teria motivo para paralisar seu talião (“olho por olho, dente por dente”) com despejo de bombas ao pedido de um líder de aparente esquerda. cuja assessoria encontra motivação para massacres irracionais.

Por mínima que seja a razão do vingador de seus governados, ela não deixa de encontrar motivações políticas, religiosas ou quaisquer outras para vingarem os que não têm sequer essas atenuantes que os frequentes interlocutores militantes do ex-sindicalista sempre encontram para defender o indefensável. Além do mais, convém ainda lembrar que o Estado brasileiro, em última instância comandado pelo apelante, reproduz mortes e barbaridades contra pessoas indefesas de qualquer idade e mais ainda crianças e velhos por sua fragilidade óbvia. Lula preside o Brasil pela terceira vez e ao longo dos dois mandatos e um terço de mais outro. E em um meio foi o espírito santo de orelha de Dilma Rousseff. E foi incapaz de impedir os planos mortais de maluquetes de qualquer idade contra os de menos vida vivida e mais vida por viver, se não se tivessem deparado com essa manifestação abjeta e indefensável da suprema covardia alheia. Justiça lhe seja feita, não foi o único omisso nessa guerra sutil para deter a violência contra indefesos. Mas também é o caso de qualquer interlocutor que seja, hebreu, palestino ou figurão da ONU. a quem dirigisse seu apelo bondoso, positivo, mas inócuo e desautorizado.

Com um pedido de desculpas pela aparente descortesia, este autor se sente desobrigado de lembrar que nenhum dos outros governantes teve tanto tempo de mando quanto ele. Cúmplice do próprio desgoverno agravado dia a dia, mês a mês, ano a ano, ´pela falta de visão que, em última análise, é o que cobra agora dos militantes sob Sinwar e os milenares resistentes a Ramsés, Nabucodonosor e Saladino, entre outros, como lembrou Netanyahu em discurso recente. É pena que isso seja o que haja a dizer. Mas o que teria de ser mais ou menos dito, hein?

 

Jose Nêumanne Pinto é jornalista, poeta e escritor

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  1. Lula governa sobre dois pedestais: a) corrupção; b) jogando pra galera. Ora, a existência do Odebrechtquistão provou que o ponto a) é exportável, mas o b) não. Só lamento que a diplomacia brasileira tenha que sofrer mais um descalabro sob mando do Rei Sol

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