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A paz que não haverá no Oriente Médio

A democracia é o único antídoto eficaz contra a guerra e um Estado palestino ditatorial, sob o comando do Hamas, não resolverá o problema do Oriente Médio
13.10.23

Diz-se que a paz no Oriente Médio (mais especificamente entre israelenses e palestinos, foco da guerra atual, que não é, porém, de Israel contra os palestinos e sim contra a organização terrorista Hamas) só será alcançada com a existência de dois Estados autônomos.

Ainda que a proposta de dois Estados pareça correta do ponto de vista da democracia, repeti-la a cada momento para não condenar as ações antidemocrátiacas das organizações do jihadismo ofensivo islâmico na Palestina revela-se como um truque autocrático.

A proposta de um Estado palestino coexistindo com o Estado de Israel, além de irrealizável no momento, se for colocada em prática não produzirá um Estado democrático de direito, mas uma nova tirania do Oriente Médio. Ora, democratas defendem Estados democráticos de direito, não qualquer tipo de Estado.

Aqui é preciso ver que o contrário da guerra não é a paz, mas a política. Política (democrática) não é guerra e sim evitar a guerra. A democracia é o único antídoto eficaz contra a guerra. Países com regimes democráticos são os únicos que não guerreiam entre si.

Parece claro que um novo Estado palestino só não entraria em guerra contra Israel (ou só não viveria se armando e ameaçando entrar em guerra contra Israel) se fosse um Estado democrático de direito.

Nenhum democrata poderia ser contra um Estado palestino onde houvesse: respeito aos direitos humanos; liberdade de ir e vir, de opinião, de imprensa, de manifestação e de organização; eleições justas e periódicas; transparência dos atos do governo; respeito à alternância de poder; império da lei (e não de um ditador); e instituições funcionando. Se o surgimento de um Estado sem a maioria dessas características pudesse, pelo menos, pacificar a região, vá-lá. Poderia ser uma transição realista. O problema é que mais uma ditadura na região não garante isso. Autocracias, por definição, são regimes em estado de guerra, e só refreiam seus ímpetos belicosos, na base do realismo político, por medo de retaliação. Quem seria, entretanto, o árbitro-xerife, o guardião da democracia na região, com poder de retaliar? Não há mais.

De qualquer modo, democratas não podem ser favoráveis a mais uma tirania no Oriente Médio. Já tem 16 lá.

Como declarou a Freedom House, um dia depois do atentado do Hamas, “a democracia em todo o Oriente Médio é a única forma de garantir a liberdade, a segurança e a prosperidade das suas diversas populações”. Um novo Estado palestino ditatorial não resolverá o problema. Os palestinos de Gaza não são um problema: o problema é a ditadura do Hamas.

Tirando Israel (a única democracia da região), o que sobra é um verdadeiro círculo do inferno em termos de direitos políticos e liberdades civis. Basta olhar a classificação do V-Dem 2023 (Universidade de Gotemburgo): Afeganistão (Autocracia Fechada), Arábia Saudita (Autocracia Fechada), Barein (Autocracia Fechada), Catar (Autocracia Fechada), Emirados Árabes Unidos (Autocracia Fechada), Gaza (Autocracia Fechada), Iêmen (Autocracia Fechada), Irã (Autocracia Fechada), Iraque (Autocracia Eleitoral), Jordânia (Autocracia Fechada), Kuwait (Autocracia Fechada), Líbano (Autocracia Eleitoral), Omã (Autocracia Fechada), Palestina-Gaza (Autocracia Fechada), Palestina-Cisjordânia (Autocracia Eleitoral), Síria (Autocracia Fechada) e Turquia (Autocracia Eleitoral).

Sim, dificilmente teremos um novo Estado palestino que seja um Estado democrático de direito. Para tanto seria necessário que os que se identificam como palestinos e moram na região: a) aceitassem uma arbitragem internacional democrática; b) depusessem o regime ditatorial do Hamas em Gaza; c) promovessem eleições justas e começassem a criar instituições próprias de um Estado de direito (observando os critérios de liberdade, eletividade, transparência, alternância, legalidade e institucionalidade) com soberania em Gaza, na Cisjordânia e em Jerusalém oriental; d) não permitissem a participação de organizações terroristas do jihadismo ofensivo islâmico (Hamas, Jihad Islâmica, Hezbollah etc.). Mas ainda seria preciso que, adicionalmente, as 16 autocracias da região, a Rússia e a China, topassem essa solução. Como não vão topar, tudo isso fica na categoria dos futuríveis.

Nada disso, portanto, vai acontecer enquanto estivermos sob uma terceira grande onda de autocratização, que já instalou uma segunda guerra fria e que é uma campanha de isolamento e exterminação das democracias liberais por parte do mais poderoso eixo autocrático que já surgiu no planeta e que está articulando ditaduras do século 20 (China, Rússia, Irã, Cuba, Coréia do Norte) com regimes eleitorais parasitados pelos novos populismos do século 21 (como os que estão no tal Sul Global, já entraram ou vão acabar entrando no BRICS).

Pois é. Como se dizia antigamente, a conjuntura mudou.

O ataque terrorista do Hamas a Israel e, antes disso, a invasão da Ucrânia pelo ditador Putin, obrigaram os populistas a se revelar. E eles se revelaram tomando posição a favor do eixo autocrático contra as democracias liberais.

Agora temos um teste infalível, com apenas duas perguntas, para saber como alguém se posiciona na segunda guerra fria contra as democracias liberais que já está em curso. 1) Você apoia a resistência ucraniana à invasão militar do ditador Vladimir Putin? 2) Você condena claramente o terrorismo do Hamas contra a população civil de Israel? Dependendo da resposta, isso marcará indelevelmente a posição do interlocutor: como aquelas notas sujas de tinta (no caso, de sangue) que marcam as mãos de quem roubou o caixa eletrônico.

O guerra do Hamas não é só contra Israel. A guerra de Putin não é só contra a Ucrânia. Elas se inscrevem na nova estratégia de liquidação das sociedades democráticas que floresceram a partir da segunda invenção da democracia. E não haverá retorno no curto prazo, talvez nem no médio prazo.

O máximo que se pode fazer, por ora, é tentar evitar a eclosão de guerras quentes muito devastadoras, ações terroristas e crimes em grande escala contra a humanidade. Mas paz mesmo não haverá na segunda guerra fria. Porque não haverá política (democrática).

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  1. Não por acaso, Israel e outros países, como a Polônia e Eslováquia estão indo para o mesmo caminho. Vai ser cada vez mais difícil ser uma democracia.

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