ReproduçãoLula come a fruta no pé, com a faixa: nem presidencialismo, nem parlamentarismo

O futuro do regime político nem-nem

Um novo regime político está se consolidando e é mais uma das jabuticabas brasileiras
07.09.23

Nem presidencialismo, nem parlamentarismo. O status atual do país é difícil de classificar diante do cardápio de regimes políticos espalhados pelo mundo. Não que isso seja necessariamente um problema (a não ser para analistas e acadêmicos). No mundo real, países não adotam fórmulas ideais – no sentido platônico, que existe só no mundo das ideias – e todos são derivações de princípios que tomaram um caminho singular a partir da vivência do poder. O que mais interessa, dessa forma, não é saber o que o nosso regime é, mas se ele funciona do ponto de vista da governabilidade, estimulando uma competição regulada entre os grupos políticos e proporcionando ao vencedor alguma capacidade de implementar seu programa debaixo do escrutínio moderador de um sistema de freios e contrapesos.

Nesse sentido, a volta de um presidente (Lula) que governou em um modelo antigo de presidencialismo e que, agora, tem que lidar com um formato diferente, já representaria, por si só, um grande teste de stress das instituições. Considerando que este governo ainda é de minoria, ninguém realmente sabe o que pode acontecer.

Uma pesquisa recente realizada com 93 deputados pela consultoria de risco político Vector Research, no entanto, oferece algumas pistas de como as melancias estão sendo acomodadas na carroça conforme ela vem balançando desde janeiro até aqui. A primeira pergunta feita aos entrevistados foi “como você se posiciona em relação ao governo Lula: base, oposição ou independente”? Em maio, apenas 24,9% dos deputados se declaravam governistas, contra 46,7% de oposicionistas. Em agosto, esse quadro se alterou com 40,3% de deputados se posicionando como “base” e 33,6% como “oposição”.

A segunda pergunta era que “nota entre 0 a 10” ele daria para “a relação de Lula com o Legislativo”. Em maio, Lula tinha uma média muito ruim, de 3,8 (para se ter uma ideia, a ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016, ano do impeachment, tinha uma nota de 3,6). Em agosto, a avaliação melhorou para 4,9. Ou seja, a situação de Lula melhorou, mas ele ainda não passa de ano. Por último, foi perguntado se os deputados concordavam com a frase “a agenda econômica do ministro Fernando Haddad é correta”. Em maio, 67% dos deputados discordavam total ou parcialmente da afirmação. Em agosto, a situação se inverteu em boa medida, com 58,7% concordando total ou parcialmente com a frase.

Esse retrato sugere que, mesmo com Lula buscando reproduzir os mecanismos clássicos do presidencialismo de coalizão, com uso de cargos e resgate do controle de parte das emendas para o Executivo, ele ainda não conseguiu ativar o modo “rolo compressor”, embora tenha evoluído. O Congresso tem conseguido manter autonomia e um domínio razoável do orçamento, sustentando de pé este regime nem-nem.

Por outro lado, olhando a evolução da agenda legislativa no Congresso, pode-se perceber que, mesmo sem maioria, pautas importantes para o governo avançaram, sendo as principais delas a nova regra fiscal, a reforma tributária e a forma de desempate de litígios tributários no âmbito administrativo (Carf). Foi derrotado, no entanto, no PL das Fake News e nas mudanças do decreto do marco do saneamento, além de terem sido abertas algumas CPIs hostis. Isso mostra que o segundo objetivo do sistema, que é permitir ao vencedor das eleições governar sob escrutínio do sistema de freios e contrapesos está funcionando.

A principal dinâmica em curso no país, como já foi dito em outras oportunidades neste espaço, é a do empoderamento do Legislativo face ao Executivo. Paulatinamente, deputados e senadores foram se apropriando do controle de recursos de poder normalmente utilizados na barganha política: orçamento e cargos. É importante destacar que esse foi um processo paulatino, conduzido por diversos presidentes de Câmara e Senado e sob as franjas de líderes do Executivo fortes e fracos em termos de popularidade.

A condição para que isso ocorra da forma que tem acontecido é o texto constitucional, que definiu desde o início um forte controle pelo Parlamento do processo decisório e que só não aconteceu antes porque o país carregava ainda, na sua democratização, todo o peso de uma bagagem de expectativas concentradas no presidente da República. Apenas com o exercício empírico do poder foi sendo possível para o Congresso se apropriar, na prática, de competências que, no papel, já eram suas. Por isso, enquanto Lula tem ferramentas circunstanciais para buscar reeditar o velho modelo, o mais provável é que a mudança siga acontecendo e o regime nem-nem se consolide como outra jabuticaba brasileira.

 

Leonardo Barreto é cientista político e diretor VectorRelgov.com.br

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500
  1. VOU INTERPRETAR MELHOR OS FATOS DESSA REPORTAGEM: SEM DISTRIBUIR GRANA PARA OS DEPUT(VOMITEI) ELE TEM 26% DE VOTOS. DISTRIBUINDO GRANA PARA OS CANALH, ELE TEM 80%.

  2. A pesquisa devia contemplar a seguinte pergunta aos nobres parlamentares: além de tratar de seus próprios interesses o senhor sabe o que está fazendo aqui?

    1. sua resposta Delei ... ESTOU AQUI PARA ME ARRUMAR MANÉS .... assinado Daputada JUSTO VERÍSSIMO.

    2. É isso mesmo, Delei, curto e grosso, direto ao ponto!!!

  3. O tipo de regime é secundário quando os eleitos são de tão baixa categoria. Preocupemo-nos Primeiro em eleger gente que preste para depois pensar no tipo de regime. Até lá o interesse nele é meramente académico

    1. "Cada povo tem o governo que merece". Não dá para eleger gente decente pois não há "candidatos independentes de partidos", que por aqui são máfias, empoderadas pelo fundo partidário, ou até dízimo (PT), ou roubalheiras várias. Tá tudo dominado. Reforma política deste mato não sai. "parlamentarismo" estas máfias não querem...

    2. Eu votei em Deltan e Moro. Deltan já está fora e Moro em breve darão um jeito de exterminar da vida pública. Então já não sei mais o que fazer.

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